terça-feira, 7 de outubro de 2014

Do velho mercado ao tio milagreiro, as recordações de Anízio Dias dos Reis

Anízio Dias dos Reis nasceu no bairro rural do Vintém e trabalha, desde os 10 anos. No antigo Mercado Municipal, localizado na pracinha da cadeia, ajudava o pai, Benedito Zeferino, e o irmão a cortar e comercializar carnes. Ao todo eram quatro açougues. O mais afamado pertencia ao senhor José Pinto que, mais tarde, foi comprado por José Oriental. Dentro do antigo prédio, havia um chafariz, no centro, onde eram comercializados os peixes. Próximo dele, um espaço era ocupado por Joaquim das Frutas. Os açougues ficavam ao seu redor, mas tinham as portas voltadas para fora. As carnes eram cortadas em uma grande bancada sob uma barra de ferro e dependuradas por ganchos. Como não havia refrigeração nas residências, o toucinho era muito consumido pelos santa-ritenses para conservar a carne em latas ou preparar os alimentos. Anízio recorda-se das bancas de secos e molhados, com produtos da própria cidade e das frutas e verduras vendidas na parte externa, em bancas próximas de uma grade de ferro que ladeava a varanda. A vida era movimentada ao redor do prédio de forma arredondada e imponente – semelhante a um pagode chinês. Como a cadeia era bem próxima, não raramente os frequentadores do mercado eram surpreendidos com a notícia de que alguém havia sido preso ou empreendido fuga e corriam para ver o que estava acontecendo. Na rua das Cravinas, havia o Bar do Geraldinho, local onde os fregueses se acotovelavam no balcão até o sol se por.
Das lembranças que Anízio carrega desde a infância, algumas das mais fortes remetem ao seu tio, Antônio Pereira dos Reis. Mesmo cego, ele conseguia construir cercas com precisão, contar e negociar porcos, cavalgar e até vender laranjas em uma carroça. Desconfiado de que o homem enxergava, Anízio chegou a voltar troco a mais em uma barganha para saber se o tio desconfiava. “Você me deu dinheiro a mais, Anízio. Toma aqui o troco.” Não havia trabalho algum na rotina da roça que Antônio não pudesse fazer. Antes do amanhecer, ele acordava, tirava o leite, engarrafava, colocava as rolhas feitas de sabugo de milho e pegava o rumo da cidade, onde faria as entregas.

Como se não bastasse aquela habilidade incomum para um deficiente visual, Antônio teria um fim não menos curioso: faleceu no dia em que completou 70 anos. O mesmo aconteceria com seu irmão, José, nascido com uma deficiência que impediu que os seus braços crescessem. Morreu no dia em que completava 40 anos.
Por falar em José, Anízio conta que, apesar das dificuldades, sua memória era impressionante. “O homem batia o olho em um bezerro e sabia de qual vaca era.”

Quando José faleceu, algumas pessoas começaram a pedir milagres em sua intenção e contam que eram sempre atendidas. Por conta disso, Anízio lembra-se quando um homem o procurou para saber onde havia sido sepultado. “Ele disse que havia recebido um milagre por intercessão do meu tio e queria construir um túmulo como forma de agradecimento.”
Atualmente, Anízio mantém a tradição que herdou do pai e comercializa carnes no Mercado Municipal, em um açougue que carrega o mesmo nome dos tempos do antigo prédio. “Quando compramos o açougue ele se chamava “São Jorge”. Mantivemos o nome até hoje.” – conclui.

  (Por Carlos Romero Carneiro)

Oferecimento:

Nenhum comentário:

Postar um comentário