quarta-feira, 15 de junho de 2011

Um caboclo em pé de guerra

Comandante Anibal e os Reservistas do Instituto Moderno.
Como o tempo voa, minha querida cidade! Há pouco mais de três lustros, eu ainda caminhava despreocupadamente pelas suas ruas, com o coração cheio de esperanças e a mente repleta de sonhos. Quantos recantos aprazíveis, a que a gente pouca atenção dava e que, de um momento para outro, se transformam e se elevam em nosso espírito saudosista!

Quantas pessoas queridas já não perambulam por suas ruas estreitas e nem batem às margens do Sapucaí para memoráveis pescarias! Até as figuras populares da época nos afloram à memória, envoltas em grandes saudades...

Vem também do passados umas das lembranças mais pitorescas que trago vivas na memória. Era julho de 1944. A guerra na Europa atingia seu clímax e navios brasileiros eram torpedeados em nossas águas. A onda de boatos alarmistas corria com a velocidade do relâmpago. Eu, naquela época, ostentava orgulhosamente dois grandes títulos: bombardinista da Lira Tiradentes e atirador nº9 do Tiro de Guerra 210, sob comando do Sargento Léo Caldas Renault.

Num domingo pela manhã, fazíamos manobras de campo, nas imediações do Ginásio. Após realizarmos exercícios de  “tiro ao alvo”,  o sargento ordenou:

- O terceiro grupo de combate, sob o comando do 9, vai partir daquele bambual. Esse grupo de combate virá atacar nosso acampamento, que será defendido pelo primeiro e pelo segundo grupos, entendido?

- Entendido, sargento!

Tomamos nossos fuzis em tiracolo e partimos para o renque de bambu. Lá Chegando, o sinal de início das operações foi dado pelo instrutor à beira da antiga piscina do ginásio. Iniciamos então a progressão, conforme manda o figurino militar. Acontece que, entre nós e o ginásio, havia uma estrada de rodagem que vai para a Capituva e Balaio. Exatamente naquele local, a mesma era ladeada por altos barrancos. Eu, como disse, comandava o terceiro grupo de combate. Éramos nada menos que treze homens fardados, suados e dispostos a qualquer “brincadeira”.

Quando descemos para a estrada, passava por ali um caboclo humilde, montado num cavalinho pampa. Ao ver-nos, armados de fuzil e baioneta, o pobre coitado lembrou-se naturalmente dos boatos alarmistas da guerra e parou o animal, tremendo feito vara verde. Nos olhamos e nos entendemos. Um dos colegas agarrou as rédeas do animal e perguntou:

- Que vamos fazer com o homem, sargento?

Aproximei-me um pouco, com ridículos passos marciais, fitei os olhos apavorados do pobre homem e ordenei:

- Vamos levá-lo para a guerra na Alemanha!

Nesse momento, o matuto persignou-se e implorou por todos os santos familiares que nós tivéssemos piedade de sua mãe. Os soldados, porém, foram intransigentes:

- Você irá pra guerra conosco. Vai ser bucha de canhão!

A brincadeira estava naquele pé quando se aproximaram outros dois caboclos, obviamente muito mais esclarecidos que o primeiro. Pensei em repetir a brincadeira com eles mas, antes disso, o mais velho sentenciou:

- Zé! Ocê ta cum medo atoa, bobo! Eis num são da guerra, não! Eis são os mininu daí do ginási mêmu!

O cabloco, ao ouvir aquilo, se transformou. Seus olhos perderam aquela expressão de pavor e ganharam brilho de ódio. Imediatamente, arrancou a faca de “picá” fumo e investiu sobre nós com sangue nos olhos! Foi um Deus nos acuda. Os colegas que não conseguiram subir o barranco foram os primeiros a cair de joelhos e pedir “pelo amor de Deus” até que com certa destreza.

Ainda hoje, quando passo pelas bandas da capituva ainda me lembro daquele caboclo que poderia muito bem ter feito os inimigos chorarem pela própria viva. De histórias como essa restam apenas lembranças de minha querida cidade. Lampejos já amarelados pelo pó do tempo, mas que ainda conservam o sabor das coisas novas.
(Silva Filho – 26/07/1964 )

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