quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Eu gosto dos mentirosos (Por ivon Luiz Pinto)

Sempre pensei que as mentiras fossem todas iguais ou seja, uma coisa deslavada, fora da realidade, proferida por lábios maldosos ou brincalhões. Quando criança acreditava nas mentiras que me diziam e tremia de medo daqueles que “ mentiravam “ para mim. Quando cresci, percebi que as mentiras da meninice eram apenas brincadeiras e que as que agora ouço são cruéis e traiçoeiras  com a intenção de nos enganar e tirar vantagens. Tem mentiras que são interessantes, e tem mentiras que são cruéis, traiçoeiras. São as promessas de políticos e politiqueiros, feitas para engabelar, iludir, enganar. Todos conhecemos  esse tipo de mentira e conhecemos  os nomes dos mentirosos que mentem em nome da Pátria, ou da raça ou da religião. Não gosto dessas mentiras, tenho pavor desses mentirosos.  
Mentiras  gostosas,  que dão prazer em ouvir, são aquelas contadas nas rodas de pescadores e de caçadores. Sempre  há um peixão “deste tamanho”  que escapou do anzol  ou uma onça perigosa que fugiu com medo da espingarda certeira. Para inventar uma mentira tem que ter muita imaginação e muito cuidado. Lá pelas bandas onde nasci havia um homem que inventava causos ou modificava a realidade. Era tão magro, mas tão magro que o pessoal o chamava de Chico Ripa. Ele gostava de contar o causo da vaca Mimosa da fazenda do Rosário. Era lá no alto da Mantiqueira e tinha um pasto tão íngreme, tão empinado, que as vacas para berrar precisavam se encostar na cerca senão caíam. A Mimosa era a vaca que mais produzia leite, úberes grandes quase arrastando no chão. Vai que aconteceu que ela parou da dar leite. Ficava berrando no pasto e não descia para o curral. Rosário ficou encabulado e foi  espiar o que estava acontecendo. Foi aí que viu e nem acreditou no que estava vendo. Só acreditou mesmo porque era ele quem estava vendo. Se lhe contassem, não acreditaria, diria que era invencionice. Mas ele viu, com os olhos que a terra há de comer, um baita urutu, daquelas cobras brabas mesmo, mamando nas tetas da Mimosa, sugando todo o leite que havia. Ele não titubeou , buscou a cartucheira predileta, com cartucho de chumbo grosso e lascou um tiro na cabeça do bicho. A cabeça explodiu e uma avalanche de leite correu pasto abaixo, contaminando o capim e dei-xando branco  tudo por onde passava. E o Chico dizia: “ é verdade como este sol que está nos alumiando”. 

Há poucos dias perdemos João Ubaldo um grande mestre da mentira que cativou nossa imaginação e iludiu nosso sentimento contando mentiras bonitas com palavras adocicadas. Sua invencionice levou-o a escrever  O Sorriso do Lagarto, A Casa dos Budas Ditosos. Perdemos também o amigo Rubem Alves, fabuloso contador de causos e excelente educador. Muitas vezes, nos encontramos em Campinas no evento Utopias em Educação. Rubem foi um genial mentiroso e Ariano Suassuna, o mágico de Auto da Compadecida que numa entrevista explicou que o escritor é um contador de mentiras. Todo romance é uma invenção do sujeito com a intensão de sensibilizar,  distrair ou iludir. Há uma grande argúcia e imaginação na cabeça dessas pessoas para poder inventar tantas histórias bonitas, românticas  que, embora sabendo que são fantasias, são capazes de nos envolver, tomar conta de nossos sentimentos. Algumas pessoas vertem lágrimas, outras suspiram imaginando que  aquela fantasia está falando delas. Foi feita para mim, dizem suspirosas. Fantasia é uma colcha feita com os retalhos de diversas vidas e, por isso, nós nos vemos nela. Ela é de todos e a ninguém pertence.

Há, também, aquelas histórias de policiais, de detetives, espiões e ladrões, cheias de perigos com lances incríveis que brincam com nossa imaginação colocando tiros, explosões e sequestros para dar calor à narrativa. O escritor mente tanto que chega a mentir a verdade pensando que estava mentindo. E nós embarcamos em suas mentiras pensando que são verdades as mentiras que eles contam.

Assim são os mentirosos: uns se tornam importantes celebridades, e ganham prêmios e estes são os escritores; outros enganam, mentem e adulteram a verdade dizendo que é para o nosso bem e estes são os políticos; mas há aqueles, muitas vezes anônimos, que brincam com a imaginação inventando histórias e causos e estes são os contadores de causos. Todos têm seu público, todos têm finalidade, mas tem um que é do mal.

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