sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Uma noite em Branco e Preto

Meados da década de oitenta. Santa Rita do Sapucaí, Sul de Minas Gerais. Sentado em frente à minha casa, localizada no alto do “Morro do José da Silva”, eu via uma movimentação muito grande, mas pouco entendia. Eu contava com pouco mais de 5 anos de idade e ainda não conhecia a importância de um evento carnavalesco para a vida de milhares de pessoas na cidade onde eu havia nascido. Desde cedo, a movimentação era grande. Diversas pessoas, munidas com algumas latas de tinta, rodos e pincéis, tratavam de estender um enorme tapete branco que começava em frente ao grupão e terminava nos fundos da Igreja Matriz. O movimento era constante. Mulheres subiam com fantasias, homens passavam de trator, carregando fios, refletores e engrenagens. Tudo o que eu pude perceber é que havia uma mistura estranha de ansiedade e satisfação. Um clima que eu nunca havia presenciado por ali até então. 
Quando a noite foi caindo, começaram a surgir os primeiros carros alegóricos na rua, recém construídos no barracão dos Democráticos. Obras de arte, arquitetadas pelos inigualáveis irmãos De Franco. Artistas natos que moldavam madeira com uma habilidade que nunca vi igual. Em algumas oportunidades, pude ver como eles trabalhavam: primeiro esculpiam uma miniatura da peça que iriam desenvolver. Em seguida, montavam um esqueleto completo do elemento a ser produzido e iam moldando a madeira com água para envolver a obra. Ficava perfeito! Até hoje, acredito que ainda existam algumas esculturas criadas por eles, guardadas no barracão.

Quando as primeiras estrelas começaram a tomar o céu da cidade, a expectativa contagiou todos que ali estavam. O corre-corre aumentou. Postinhos de luz, com 1000 Watt´s cada um, começaram a envolver o bloco que se formava no alto do morro. Cada um daqueles postes era ligado em um cabo resistente que, por sua vez, era conectado a um potente gerador de energia. Lembro-me quando em um dos anos em que o bloco desfilou, meu avô foi até o Rio de Janeiro com o Chicão do Alemão alugar o equipamento. Aquele gerador havia acabado de ser usado no Rock in Rio.
Finalmente, havia chegado o grande momento. Algumas dezenas de fantasias já haviam tomado a primeira quadra do morro, oferecendo a todos aqueles que viam o bloco lá de baixo uma experiência ímpar. Não é de se espantar que seu arqui-rival “Ride Palhaço” ainda sonhe em descer pelo menos uma vez aquele morro que, por tradição, será sempre nosso. :o)
Quando as luzes acenderam, eu presenciei algo inenarrável. Era uma maravilha para os olhos. Aquelas esculturas enormes tomavam conta de toda a rua e fantasias exuberantes, feitas com a dedicação e o capricho de fiéis colaboradoras, forravam o chão de cores. Ao meu lado estava o Sr. José da Silva com os olhos completamente marejados. Ele já havia presenciado aquele ritual por muitas e muitas décadas mas, a cada ano, era sempre diferente. Quando tocaram os clarins que anunciaram o início do desfile, ele murmorou para sí mesmo: “coitada”. Nesse momento, ele se referia à sua esposa, que havia falecido recentemente e que não pôde ver aquele lindo espetáculo. Ele chorou por ela. Uma mistura de saudade com alegria tomava conta não só daquele distinto senhor, como de todos aqueles que eram, e continuam sendo, completamente apaixonados pelo Bloco dos Democráticos.
Desci com a minha família acompanhando o desfile. Aliás, carnaval em que o neto se diverte com o avô e com seus familiares eu só vi em Santa Rita. Quando chegamos à praça, pude notar a admiração dos visitantes e a grata satisfação por pre-senciarem um espetáculo tão bonito.
Ao chegarmos em frente à sorveteria do “Waltinho”, fiel entusiasta dos Democráticos, uma chuva de confetes pintou o céu da Praça Santa Rita. Sua técnica consistia em adaptar uma máquina para sugar o papel picado e lançá-lo com força pra cima. Quando o bloco terminou de passar por ali, uma grossa camada de confete ainda permanecia sob o chão e fazia a alegria da criançada que assistia ao desfile. Ao chegar em frente à Sede do Clube, uma cascata de fogos de artíficio tornou a noite clara como o dia. Extasiado, o público era contagiado por aquele incrível espetáculo. Em frente ao cinema, o bloco fez uma pequena parada para o descanso e, depois de alguns minutos, começou novamente o desfile. Quando terminou sua grande apresentação, os integrantes pediram uma nova volta. A volta da vitória como chamaram. Mas o cansaço já havia consumido a força dos corajosos democratas e eles prepararam a tradicional subida em que os colaboradores, adentram o desfile para tomarem parte na festa. Chegava o fim de mais um sonho em preto e branco. 
 (Carlos Romero Carneiro)

4 comentários:

  1. Olá. Linda a foto da rainha ( estou certo?) do Democráticos de 1960( Bodas de Prata ).Parece que está de russa ( estou certo?).
    Abraços.
    Prof. Anderson
    ( EE"Sanico Teles")

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  2. Carlos maravilhosa matéria, parabéns. Para um apaixonado pelo Bloco dos Democráticos digo que não tem prazer maior que estar no morro nas horas que antecedem o desfile, ver os postinhos se acenderem, Clarim tocar, fogos no patio do Grupão, hino e descer o morro.
    Não podemos deixar esta tradição acabar.
    Abraços . Frederico.
    Carnaval na Avenida é palhaçada.

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  3. Que saudade me deu dos velhos carnavais na praça! Quem sabe um dia a gente não volte a fazer este lindo espetáculo! Lindo! Eu trabalho no Ride mas sou Democráticos de Coração! Abraço,
    Milton M

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  4. Carlos,

    lendo tudo isso, pude rever na memória essas lembranças, que também fazem parte da minha infância e juventude!!!!
    Clarins tocando, luzes dos holofotes se acendendo e o morro todo prateado é de arrepiar a alma!!!!!
    Que saudade do nosso carnaval!!! Adorei o texto!!!
    Rita Ceres

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