quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

As religiões em Santa Rita

- Padre, o senhor acha que Deus poderia querer destruir a sua própria casa? 
- Não.
- Então, por que é que o senhor mandou pôr pára-raios na igreja?


- O Senhor é médium?
- Sim.
- Recebe espíritos de muita luz ?
- Recebo.
- Então, por que é que suas sessões são na penumbra e não às claras?


Ouvi ambos os diálogos em Santa Rita do Sapucaí. As ocasiões foram diversas, mas os interlocutores foram os mesmos: um padre e um espírita. Se bem que satíricas, as perguntas jamais tiveram o intuito de ofender, mas apenas de brincar, porque em Santa Rita do Sapucaí, o problema das religiões foi resolvido com a concretização do sonho dos homens bons: coexistência pacífica para a realização do bem comum.

Pode parecer incrível que, numa cidade do interior, tal perfeição tenha sido atingida, mas atingiu. Enquanto que em muitas metrópoles a intransigência e o fanatismo acirram os ânimos, arvoram-se em donos do céu e escolhem os inquilinos do senhor, Santa Rita é um redil em que as ovelhas não procuram dar marradas umas nas outras, mas se esforçam, embora por caminhos diferentes, a se auxiliarem mutuamente em busca da Estrada Real. Como em todos os lugares, inclusive no Paraíso do Gênesis, ali também devem existir ovelhas negras. Mas, tangidas por bondosos pastores, só não vivem em paz se forem negras, não de corpo, mas de alma.

Santa Rita dos Impossíveis em que a abnegação fez pontes e prédios de beneficência pelas veneráveis mãos do Coronel Francisco Moreira; pontes sem pedágio e sem impostos, para quem quiser passar, pontes para espíritas, católicos, protestantes, ateus, maçons. Santa Rita dos Impossíveis em que Sinhá Moreira prosseguiu a obra de seu pai, numa caridade que não feria, porque não tinha distinção; caridade coletiva, progressista, democrática; caridade que auxilia gerações e não privilegiados; caridade católica porque universal, caridade espírita porque fraternal.

Mas Santa Rita é apenas espírita e católica? Não. É também protestante. Assisti ali ao nascimento dessa religião, sendo amigo do seu primeiro pastor e de sua esposa, recém chegados de Cochabamba.
Certa tarde descíamos  o Aterro.

- Pastor, que acha de Santa Rita?
- A cidade mais acolhedora que já conheci. Ainda não fui insultado nem uma vez. Pelo contrário, todos me receberam bem.
- Já foi insultado alguma vez por causa de sua religião?
-Várias vezes. Na última cidade em que estive, meninas foram insufladas a me jogarem pedras quando eu pregava na rua.
- Acha que sua religião florescerá em Santa Rita?
- Como não? Há aqui tantos que ainda não acharam a verdadeira fé!

Santa Rita dos Impossíveis. Cidadezinha em que cabe toda a sabedoria universal, em que o maçom é irmão do católico, em que o espírita e o protestante são membros da mesma família, e em que o maometano e o judeu podem também ser adotados. Quando me pergunto por que não sou espírita  e o desprendido Chico Xavier o é; quando não sei por que não sou ateu se Voltaire não acreditava em Deus; quando fico indeciso entre Jeová e Alá porque existiu um sábio, chamado Einstein, que não acreditava no novo testamento e tive um amigo “turco”  que era uma pérola e que me pediu uma bússola emprestada para ter certeza de que oraria exatamente em direção a Meca, eis que, subitamente, a luz se faz e atônito descubro que, apesar de não ser nada disso, ainda sou religioso. Santa Rita dos Impossíveis, minha religião é a sua!

Vinícius de Carvalho  - Belo Horizonte
22 de maio de 1960 ( Diário de Minas)

Nenhum comentário:

Postar um comentário