quinta-feira, 13 de setembro de 2012

José Henrique Mallmann, o juiz que atraiu os olhares do mundo para Santa Rita


Nos últimos meses, sites de notícias e emissoras de TV vieram para Santa Rita conhecer os projetos do Juiz Mallmann. Por suas iniciativas revolucionárias, Santa Rita foi notícia em veículos como BBC, CNN, New York Times, Al Jazeera e outros canais planeta afora. Veja a seguir uma entrevista exclusiva em que ele conta como andam seus trabalhos e quais são seus planos para o futuro.
Dr. Mallmann em seu ambiente de trabalho.
Qual é o grande problema referente à criminalidade em Santa Rita ?

Em um lugar que possui renda e emprego, a criminalidade deveria ser menor. O problema é que aqui há muita droga. Antes de vir para Santa Rita, atuei em João Pinheiro, por 6 anos. Três meses antes de sair, fomos incinerar toda a droga que havíamos recolhido e não deu 1 quilo. Aqui, em um ano, eu já recolhi, apenas em minha secretaria, mais de 10 quilos. Eu imagino que isso aconteça por aqui pela proximidade que tem com São Paulo. A droga mais encontrada na cidade é o crack. Realmente, eu estou impressionado com a quantidade de droga que roda na cidade. Para mim, esta questão da responsabilidade dos pais, ainda não está bem resolvida. Muitos jovens cometem infrações e os pais acham que eles estão certos. Eu sempre pergunto a quem eles querem enganar.

O senhor imaginava que seu trabalho fosse repercutir no mundo inteiro?

Eu não tinha a menor ideia. Para mim, esta mudança de mentalidade tem sido fantástica. Tornou-se quase filosófico. A minha intenção sempre foi procurar fazer algo pela cidade. 

Qual é a meta para o projeto de geração de energia?

Nosso objetivo é mobilizar 30 presos, o que corresponde a quase 30% da quantidade de detentos, através de um investimento baixíssimo e de um retorno muito bom. Nós formaremos grupos de 3 pessoas e iremos intercalar os horários. Quando atingirmos nossa meta, teremos 34 postes de iluminação. Até o momento, já instalamos 10 postes. Esse poderá se tornar até um ponto turístico: uma rua toda iluminada através do trabalho dos detentos. Este é um trabalho que eu pretendo deixar para a cidade.

A reforma dos prédios históricos irá continuar?

Vai sim. Nós já finalizamos a reforma do fórum e começamos a trabalhar na delegacia (prédio histórico da antiga cadeia). O primeiro trabalho tem sido construir uma cozinha para eles. Em seguida, iremos promover a restauração externa do prédio. 

Ao término da reforma da cadeia, o senhor tem outro prédio em mente?

Iremos restaurar o prédio da antiga estação ferroviária. Nossa intenção é dar uma geral em Santa Rita. Onde houver um prédio público e histórico, nós iremos reformá-lo. 

Neste projeto, parte do pagamento pelo trabalho executado é usado para ressarcir a vitima?

Esta história de promovermos a reparação social, ao levarmos a vítima novamente para dentro do processo penal é muito gratificante. Acredito que, dessa forma, o infrator pagará realmente pelo crime que cometeu e não apenas à sociedade. Caso contrário, ao sair da cadeia, os prejuízos que causou continuariam existindo.
Detento paga os prejuízos causados à sua vítima, através do trabalho.
É interessante essa ideia do detento ser visto como alguém capaz de promover o bem à sociedade...

Estamos criando uma mudança de paradigma. No início, quando dizíamos que o detento pagaria pelos prejuízos, as vítimas não acreditavam. Pensavam que era trote. O presídio, por sua vez, antes visto como foco de criminalidade, tem colaborado com a manutenção da segurança pública, através da geração de energia e da restauração de nosso patrimônio. 
Antiga cadeia será o segundo prédio histórico a ser reformado pelos detentos.
Hoje, quando vemos um rapaz vestido de uniforme, trabalhando na cidade, passa a impressão de ser uma pessoa do bem...

No início, eles não queriam trabalhar com uniforme. Diziam que as pessoas passavam por eles e desviavam por estarem usando aquela roupa. Eu disse a eles que queria, justamente, promover uma mudança naquela mentalidade. Minha intenção era fazer com que uma pessoa os visse e os respeitasse. O maior obstáculo foi mudar esse pensamento.
Detentos realizam os últimos trabalhos no Fórum de Santa Rita do Sapucaí.
Por que alguns dos países mais desenvolvidos do mundo acharam o seu projeto tão extraordinário?

As prisões são um problema no mundo inteiro e não somente no Brasil. Todo mundo tenta encontrar uma solução para a superlotação carcerária. Para todos, é um grande desafio promover a transformação social. Quando descobrimos que a saída não era apenas prender e que a solução estava em um projeto extremamente barato, chamamos a a-tenção da imprensa internacional.

A mudança na maneira da sociedade ver o preso, interfere na reeducação?

Ao trabalharmos a sua autoestima, promovemos mudanças muito importantes em sua vida. Muitos deles jamais haviam recebido um simples elogio e hoje estão sendo incentivados por todo mundo. Outro dia, li a cartinha da irmã de um detento que o parabenizou por ter se tornado um “pop star” (abaixo). Ele guardou aquela corres-pondência como se fosse uma medalha. Essa mudança de padrão é muito importante.

Conte-nos sobre a realização do primeiro casamento homossexual em Santa Rita do Sapucaí

Não foi nada de muito novo. Já havia, desde o ano passado, uma decisão do STJ dando a interpretação constitucional à união homossexual. Com isso, a justiça passou a priorizar o afeto e não o simples relacionamento sexual. 

Quais eram os prejuízos que o casal homossexual tinha, pelo fato de não poder contrair matrimônio?

Eles não tinham acesso a um possível direito previdenciário; se uma das partes fosse um servidor público e falecesse, a outra não teria direito à pensão; caso houvesse a ruptura com culpa de uma das partes, a outra pessoa não teria direito à pensão alimentar; a morte de um dos companheiros não tinha efeito sucessório (direito do companheiro receber 50% da herança); dentre outros direitos. Estes são direitos básicos de um cônjuge e vieram do STF como uma recomendação para o juízes interpretarem assim.

Os moradores de Santa Rita têm apoiado os projetos?

As pessoas têm ajudado muito. O que a comunidade mais quer é investir em um projeto em que realmente acredite. O que todos querem é encontrar a paz social. Todo pai quer que o filho viva em um lugar tranquilo. Ninguém quer viver trancado em casa, com uma TV bem grande, e um muro bem alto. Se continuar como está, uma hora ou outra, pularão o muro e levarão a TV. Chegou o momento de todos se envolverem.

O senhor está feliz com os resultados?

Estou muito contente. Não é comum você trabalhar e obter tanto reconhecimento. Eu conheço pessoas que trabalharam muito mais do que eu, a vida toda, e não foram reconhecidos. Eu costumo encarar como a gratidão de filho: se vier, será muito bom, mas aquele que espera não está sendo muito inteligente. 

Carta enviada a detento, por sua irmã:
Oferecimento:

Um comentário:

  1. Com todo respeito, e me desculpando pelo trocadilho, esse fabuloso juiz não é um Mallmann, mas um Goodman, ou melhor ainda, um Excelentman! E parece que ele gosta mais de Santa Rita do que muito santarritense! A cidade tem muita coisa a ser feita e pouca gente com vontade de fazer. O Dr. Mallmann merece todo apôio e todo aplauso possível.

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