quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Os causos de Ivan Kallás - Plano Diretor e Cidade Sustentável

Sinhá Moreira, Ivan Kallás e seu pai Farid.
Nos tempos de menino, jogando bolinha de gude e peão na Rua da Cadeia e quase sempre brigando com as meninas (Que idiota!), a vida parecia mais fácil, tranquila, divertida. Até os seis anos, a rotina ia da casa dos pais aos parentes e amigos. E só. Raras viagens. Visitar avós em Passos ou tia rica em Mogi Mirim que ficava na baldeação do trem, pois estradas não havia. Depois, com as novas estradas, o horizonte foi se estendendo: Rio, BH, SP, Buenos Aires, NY, e agora o convite para ir gratuitamente à China. Sem esquecer que passagem pra lua já está à venda.

Ao ingressar na escola, o único desafio era agradar as “fessoras”. Todas lindas no imaginário infantil. Até as feias. Algumas bravas. Pe. José, com sua fidalguia, dizia que eram enérgicas. Depois, fazia o dever de casa e corria para a rua atrás dos amigos, até recolher para dormir tentando escapar do B de BBB (Banho de Balde, Bacia, ou Banheira). Sem TV, pois não existiam modernismos, hoje tão disponíveis para as novas gerações. O único que via tudo era Deus. Não a câmera digital.

Problemas? Não havia, como não há tantos hoje. Apenas diferentes, para quem não ultrapassou a adolescência. Perigo era estouro de boiada, não automóvel. Estrepe no pé e não crack. Cachaça e não pílula azul. Ou cor de rosa? Sei lá. Briga de turma com canivete e não arrastão. Apenas mudam as circuns-tâncias. A dificuldade de crescer e dar certo na vida continua a mesma. Para não passar em branco, ouvíamos longas e repetidas discussões dos pais e adultos. O que fazer? Não fazer? Falta de dinheiro é antiga. Mudança de trabalho. Reformar casa. Mudar de cidade. Tudo, tintim por tintim, como hoje. Só muda a facilidade de aparelhos malucos, cheios de tecnologia  e botões inúteis ou que não sabemos usar. Que não fazem ninguém mais feliz ou triste.

Não sei se nos tempos de Getúlio, Dom Pedro ou Álvares Cabral, já se falava em planejar. Cristóvão Colombo, por exemplo, planejou a descoberta das Américas. Queria, na realidade, dar a volta ao mundo ou encontrar o caminho das Índias. Atirou no que viu, acertou no que não viu. 

Para mim, planejamento, cidade sustentável, Plano Diretor, é a mesma coisa. Minha geração tomou contato com tais palavrões na ditadura militar. O governo tinha planos quinquenais. “E daí? Que me importa?” Importava esperar as férias. Quando não ia pra casa dos pais, ia para Ouro Branco visitar cavernas, minas de ferro e ouro, pousar no alto da serra. Descia despenhadeiros, pescava na lagoa e me banhava em rios e cachoeiras, comendo frutos silvestres ou raízes.

Nessas viagens, sempre me pediam para planejar o passeio. “Mas pra que?” Tínhamos quase nada e precisávamos de muito pouco. Feijão cozido com carne, em lata de 20 litros. Às vezes arroz. Farofa. Fósforo. Raríssimas latas de salsicha. Sacos de aniagem para carregar tudo nos ombros, morro acima. Pedaço de lona pra chuva. Pau de escoteiro, cortado no mato. Pronto. Ah... Não poderia esquecer lanterna, pilhas e canivete novo. Isto era planejar. Uma dúzia de adolescentes, brejo afora, caverna abaixo, mato adentro ou morro acima, para explorar o mundo, cujo perímetro não ultrapassava 20 quilômetros. Ou menos.

Hoje, tudo mudou para ficar igual. Crescemos. Aumentou o número de gente. Espaços são ocupados, migração, estradas. Mas tudo igualzinho ao churrasco de domingo, quando 15 peões da obra, vieram ao quintal queimar carne, bater farofa com vinagrete e tomar pinga do Nêgo do Osório. Tudo como há dez mil anos atrás. Planejar cidades é como planejar casa, passeio ou churrasco. Só que tem mais gente na fila do banheiro. No fim da festa, principalmente. E se não fizer direito vai mijar nas calças ou no pé do outro. Aí é briga certa. Uai.

Será que Dona Sinhá planejava? E os velhos coronéis Moreira, Capistrano, Ribeiro e tantos homens honrados que comandavam nossa cidade? Será que Bill Gates planeja? E Obama? Bin Laden nós sabemos que sim. E deu no que deu. Deu certo, no errado. Ou será que foi lição para quem planeja comer muito com a fome dos outros? Você planeja o futuro dos filhos? Dá certo? Muitas vezes não. Mas não planejar é pior ainda.

Por isso, precisamos ter um Plano Diretor. Ele é Participativo. Por quê? Porque a Constituição e o Estatuto das Cidades mandam ouvir população. Audiências Públicas. Brigaiada danada. Mas não tem outro jeito. O mundo mudou. O Brasil precisa crescer. Minas precisa mostrar liderança. E Santa Rita do Sapucaí precisa recuperar a dignidade que nossos pais nos deixaram. Com a vocação tecnológica. É verdade. Mas com boiada amarrada no pé de café. Com a obrigação de ser um Recanto Feliz, ou Cantinho Sorridente. Lema mal traduzido de nossa bandeira.

Para dizer a verdade, não sei se esse tal Plano Diretor vai nos recuperar do atraso galopante, nem resolver a falta de dinheiro. Pelo menos, vai nos dizer para onde queremos ir. Nem que seja pra gente se ferrar lá na frente e consertar de novo. No passeio à serra não pode faltar feijão, lanterna ou fósforo. Na construção da casa nova, não pode colocar telha antes da parede. Na reconstrução de nossa cidade não pode faltar seriedade e coragem.

Há muitos anos, Sinhá, Farid, Alcides, Bilac e outros morreram. Sonhando por nós. Os bisavós de vocês também. Cujos nomes eu gostaria de registrar neste papel, mas, infelizmente, não lembro. Eles nos deixaram um legado. Estamos resgatando a memória de todos. Pouco a pouco. Legado de dignidade e amor à própria terra. Seja o ranchinho na Piedade, no Vintém que a cidade já quer engolir, no Balaio, no Porto, o país do futuro, o Estado dos Inconfidentes, ou o Vale da Eletrônica.

Cada qual é responsável pelos talentos que recebeu. Não enterre o seu talento. Não enterre o futuro de seus filhos. Acompanhe a próxima arrancada de elaboração do Plano Diretor Participativo. Participe. Ajude a construir o futuro de Santa Rita do Sapucaí. O Vale da Eletrônica, cercado de boi com café, que nossos pais nos legaram. A hora é de comunhão, ecumenismo. Isto, em nossa cidade, significa compartilhar de forma solidária, na rede social. Na ponta de uma fibra ótica. No coreto da sua praça. Ou no buteco da esquina. Enfim. No começo de um futuro sustentável. Para nossas crianças.

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