terça-feira, 19 de junho de 2012

O verdadeiro motivo da criação da Escola de Eletrônica (Um causo de Ivan Kallás)

 Eram os idos dos anos 50. Rio, SP e BH (vivendo a Era JK e a construção da Fernão Dias) tornavam-se os atrativos da juventude. Do interior, rapazes partiam buscando novas perspectivas de vida. Levavam mesada do pai, docinhos da mamãe, um retrato (adivinha de quem?) escondido na carteira e a esperança de novos horizontes, deixando moçoilas desconsoladas com a distância e ausência de seus amores.

Assim foi em Santa Rita do Sapucaí e várias cidades mineiras. Entre eles, Ziraldo, Elias, Luiz Felipe e vários jovens que fundaram a República Inferno XVII (mas este é outro causo). A maioria não voltava, senão para breves visitas, exibição dos diplomas ou para apresentar a nova noiva, sepultando amores passados e corações partidos.

Era preciso tomar atitude drástica. Foi o que se concluiu nas reuniões dos Amigos da Cidade. As moças não podiam ficar ao léu. Namorados partindo. Retratos a mofar, ou esfarelados de tanta “adoração”. Elas vivendo apenas de lembranças e vãs esperanças.

Formou-se comissão, entre homens dispostos e senhoras religiosas para tratar a questão. Marcaram visita a Da. Sinhá. Afinal,  ela resolvia tudo. Por que não mais esta? E assim se fez. Alguns dos participantes ainda se lembravam da conversa entabulada. Pelo menos era o que garantiam (sem quebrar segredos de confissão) os Padres Márcio, Edson e Vilaça do Colégio São José, antigo internato das irmãs Baldino:

- Da. Sinhá, a moral de nossa cidade corre grave risco. É preciso atitude urgente, enérgica.

Sempre atenta às demandas de seu povo, aquela senhora franziu o sobrolho e perguntou o que estava acontecendo. E tudo lhe foi relatado tintin por tintin:
 
1) Além da atividade agropecuária e comércio a cidade não tinha oportunidades.
2) Os jovens partiam para estudar nas capitais, muitas vezes, com o sacrifício dos pais. 
3) Com a longa separação, a maioria esquecia os amores antigos.
4) Mandar moças estudar fora estava foram de cogitação.
5) Pouso Alegre, Itajubá e cidades vizinhas criaram faculdades de letras e que tais.
6) Nossa cidade não tinha nenhum estudo superior.
7) As moças, entregues à monotonia ficavam à mercê da solidão ou das tentações.

Ouvindo tudo atentamente, Sinhá mostrou aquela fisionomia compreensiva de quem tinha vivência diplomática internacional. Até parecia que já pensava no problema.  Afinal, qual seria a solução? Faculdade de Letras? Direito? Eles ameaçaram entrar em detalhes quando Sinhá cortou a conversa.

- Podem ficar despreocupados que o problema das moças vai ser resolvido.

Passaram-se dias, meses e nada. Silêncio absoluto. Muitas reuniões, é verdade. Mas só política. Com Bilac, Lacerda, Farid, José Alcides... Tem até foto famosa em livro, onde o Autor e outras crianças estariam registrados se não fossem enxotados, após ganhar pacote de balas e doces. Afinal, era coisa importante. De gente grande. Crianças bisbilhoteiras não podiam ficar e nem queriam, pois só interessavam os doces. Pouco tempo depois, iniciava-se a primeira turma da ETE. Eram treze alunos. Por quê? Mas aí já é outro causo. Fiquemos neste por enquanto. E vamos imaginar a nova reunião dos Amigos da Cidade:

- José, acha que Sinhá esqueceu?
- É difícil Pedro. Ela não ia se esquecer de nossas filhas.
- Mas e esta tal de ETE? Não é coisa para mulher. É preciso dar escola para as moças!
- Assim elas poderão esperar enquanto não se casam. - Emendou Maria.
- E minha filha Tininha? Estava de conversa com um estudante de fora. Nem sei quem.
- Isto não pode continuar. Vamos conversar com Sinhá. Lembrar da promessa.

E assim aconteceu. Reuniram-se todos e foram novamente à varanda.
Gentilmente, a austera senhora recebeu a todos outra vez. E mal se iniciava a ladainha…

- Então é o caso das moças que estão ficando solteiras? - Perguntou Sinhá.
- Desculpe-nos, mas…    
- Srs., este assunto está fora de questão. Me desculpem, mas tenho que me retirar. Maria, serve mais um cafezinho, antes de eles irem embora.

E saiu da reunião, sem outra conversa, enquanto todos se perguntavam o que estava acontecendo. Por que Sinhá ficou zangada? Alguém teria falado algo errado? Não podiam compreender o que estava acontecendo.

Muito conformados e decepcionados, voltaram para casa. E não se tocou mais no assunto.

Em visita ao Autor em Congonhas, seu pai Farid, com Sinhá Moreira, Saul, Noé Bernardes, e outros santarritenses, davam risadas lembrando deste e de outros casos. Aos pés do mesmo Santuário do Senhor Bom Jesus, Sinhá confessava que tinha matado dois coelhos numa só cajadada.

Passados poucos anos, não havia uma moça solteira na cidade. Quase todas tinham se casado com os jovens que permaneceram ou com filhos de outras cidades que tinham vindo ali estudar. Em pouco tempo, Santa Rita ficou com a fama de cidade onde não sobrava mulher solteira. Daí as frequentes incursões nas cidades vizinhas ou as antigas guerras entre “nativos” e “estrangeiros”.

Oferecimento:

3 comentários:

  1. O guerrinha danada cara! A desvantagem era uma constante nas disputas infindáveis...

    ResponderExcluir
  2. Ivan. Muito boa essa estória. Que memória de elefante você tem. Lembro-me vagamente disso tudo.
    Um abraço

    Luiz Roberto

    ResponderExcluir