segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Conceição Rennó: existência a serviço da caridade

Vida dedicada à prática do bem

Poucas pessoas conseguem devotar uma vida inteira em benefício dos desafortunados sem que ninguém fique sabendo. Raríssimos são aqueles que se dispõem a sofrer e se entregar para amenizar o sofrimento de humildes e enfermos. Difícil imaginar como alguém poderia lutar tão ativamente contra a pobreza de espírito, emprestando toda a sua energia para mudar a realidade de uma pequena cidade. A grande verdade é que essa pessoa esteve por aqui e, possivelmente, você pode ter sido ajudado por ela sem que nunca tenha se dado conta disso. Seu nome era Maria da Conceição e seu exemplo de caridade começou muito antes de embarcar na Estação Rennó, com destino definitivo a sua tão querida Santa Rita do Sapucaí.

O casamento

Conceição casou-se em sua fazenda, em Cachoeira de Minas, e logo se mudou para o Rio de Janeiro. Distante das pessoas que amava, a jovem senhora iniciou sua vida com um devotamento ao marido que logo deixou transparecer a fibra que a marcaria para sempre.

Luiz Moreira foi um homem que passou por sérios problemas de saúde e necessitava de muito cuidado de sua companheira. Sua grave enfermidade foi também o motivo da mudança do casal para Campos do Jordão. Como que predestinada ao devotamento ao próximo, Conceição teria naquela cidade as primeiras oportunidades de praticar o bem. Auxiliando Dr. Stuart e sua esposa Dona Inês no tratamento dos moradores mais necessitados da vilas que cercavam a cidade, a menina desenvolveria ali seus primeiros dotes como enfermeira voluntária. Entre uma visita e outra, o contato direto com os infortúnios do cotidiano fez com que Conceição desenvolvesse outro de seus grandes dotes: os trabalhos manuais que originavam lindas roupinhas de bebê, entregues às crianças carentes. Com tanto capricho e dedicação, nem mesmo as crianças mais abastadas da região se vestiram tão bem quanto os bebês amparados por esta caridosa senhorinha. Tão grande quanto sua abnegação, foi também a tristeza dos enfermos ao perceberem que a sua missão em Campos de Jordão estava perto do fim. Logo, Conceição teria que voltar à Estação Rennó, onde viveria por alguns anos.
O retorno ao sul de Minas

Enfim, a jovem Conceição estava de volta ao local que a viu nascer. Ali, na fazenda Rennó, é que estavam suas raízes, assim como o seu nome. Em um bonito casarão, ao pé da serra, foi que, em 1912, aquela mulher humilde havia chegado ao mundo. No mesmo local, nasceriam sua filhas Wanda e Marilena, o que emprestaria um brilho ainda maior à linda fazenda.

Mal chegou ao novo e - ao mesmo tempo - velho lar, Conceição começaria novamente seus trabalhos sociais, em benefício dos colonos e crianças pobres da região. Seus pais, Dona Alzira e João Palma Rennó – se admiraram muito com os conhecimentos adquiridos por sua filha. Os atendimentos continuaram na Fazenda Rennó até 1949, quando a família se mudou de mala e cuia para Santa Rita. Com aquela definitiva viagem, tinha início um inesquecível caso de amor com a comunidade local.

Com o apoio incondicional do esposo e grande companheiro, Conceição, desde o primeiro momento, tomou parte em todos os movimentos sociais da cidade. Não importava se era educacional, religioso ou recreativo: onde tinha trabalho, lá estava ela com seus passos curtos, mas incrivelmente rápidos.
À frente da “Obra de Assistência da Paróquia”, a missão de Conceição era angariar donativos para compor dezenas de cestas básicas, distribuídas todas as semanas entre famílias carentes da cidade. Após muitas visitações e pesquisas para conhecer a realidade dos assistidos, oferecia o conforto material, enquanto Padre José provia o amparo espiritual. Através de palavras, gestos e carinho, a dupla de obreiros levava conforto e alegria a inúmeros lares santarritenses.
Como forma de angariar fundos para suas obras, Dona Conceição caprichava nos eventos que promovia junto à paróquia. No natal, realizava a Coroação dos Reizinhos, escolhidos de acordo com a boa ação que faziam. Com as contribuições recebidas, eram construídas diversas casas populares nos bairros Maristela e Novo Horizonte que serviriam de moradia para famílias sem condições, mediante pequenos pagamentos mensais, quitados em até 10 anos. Naquela época, ainda não existiam quaisquer tipos de financiamento ou facilidades promovidas pelo governo para a realização do sonho da casa própria.

Depois de alguns anos de trabalho duro, os companheiros de Conceição junto à “Obra de Assistência” começaram a sentir o peso da idade e decidiram que chegara o momento de interromper suas atividades. Todos os bens, móveis e imóveis, da entidade foram doados a outra importante associação da cidade – a Casa São Vicente de Paula – que soube muito bem utilizar os recursos recebidos.

Ao perceber a vitalidade com que a jovem senhora desempenhava suas tarefas, não tardou para que a população da cidade passasse a compará-la com sua prima, Sinhá Moreira. Juntas, a dupla de trabalhadoras em prol do bem comum, logo realizaria imensuráveis obras que mudariam os rumos de Santa Rita e transformariam, irremediavelmente, a vida dos santarritenses.
Prima de Sinhá Moreira

Conceição esteve sempre presente na realização da obra maior de Sinhá Moreira. Com o auxílio dos Padres Jesuítas - encabeçados por Dom Vaz e Padre Raul - realizava campanhas para as compras de materiais e coordenava a recepção às autoridades que vinham conhecer a nova promessa do Vale do Sapucaí.

Com sua presença imprescindível na fundação da primeira escola de eletrônica da América Latina, logo seus serviços seriam novamente requisitados para auxiliar na criação do novo sonho vislumbrado pelo município: o Inatel. Para isso, sua casa estava sempre aberta e à disposição. No tempo das vacas magras, momento em que o utópico Instituto ensaiava os primeiros passos em direção ao que é hoje, a vontade de ver aquele projeto decolar era tão grande que Conceição chegou a bancar a passagem para que Fredmarck fosse a Paris falar com o Embaixador Bilac Pinto para resolver os problemas financeiros do Inatel.

Mesmo com as importantes contribuições que empreendera para a educação de Santa Rita, esta grande heroína local também teve uma atuação decisiva na criação de outra grande instituição: a FAI. Com a alegria característica que impulsionou essa solícita senhorinha por toda a vida, Conceição incentivou a ida dos professores a Brasília, em busca do reconhecimento necessário ao curso.

A obra da sua vida

As inúmeras obras empreendidas acabaram fazendo de Dona Conceição uma referência e, com a mesma garra de sempre, foi que ela trabalhou na grande obra de sua vida: revitalizar o Hospital Antônio Moreira da Costa. Não foi nada fácil. As pessoas que estiveram ao seu lado no período em que dirigiu a instituição ainda lembram, comovidos, como foi a luta travada para equilibrar as contas. Para cortar os gastos, a diretora acordava às cinco horas da manhã para trabalhar e chegou a bordar todas as roupas de cama da instituição. Sempre que a despensa tinha seu estoque reduzido, Conceição saía pedindo ajuda nas fazendas e estabelecimentos comerciais, encontrando no povo santarritense o auxílio de que precisava para servir refeições aos desvalidos. Quando ia para casa, percorria a instituição toda para ver se todas as luzes estavam apagadas. Com muita disciplina e organização, neste período não havia dívidas. Até então, o hospital vivia - exclusivamente - dos próprios recursos. A administração pública municipal não arcava com parte das despesas como aconteceu mais tarde. A primeira vitória de Conceição foi integrar a Casa ao INPS para que os menos favorecidos pudessem receber atendimento gratuito. Logo depois, seu trabalho foi redobrado para construir a maternidade e o centro cirúrgico integrado à UTI. Desde então, um velho sonho do senhor Elias Kallás foi finalmente conquistado: realizar o primeiro transplante cardíaco em Santa Rita do Sapucaí, com a presença do renomado doutor Zerbini. Foi uma conquista para a cidade e uma alegria particular para Conceição que permaneceu cerca de 10 anos no cargo, com as contas sempre em dia, até que, muito a contragosto, foi afastada por jogadas do poder público municipal. Ainda assim, sua trajetória ficou gravada para sempre na história daquela importante casa de recuperação de enfermos - inclusive o centro cirúrgico - que recebeu o seu nome.
As paixões de Conceição

Dizem que todo santarritense possui em seu DNA um forte impulso político, religioso e carnavalesco. Com esta santarritense nascida na vizinha Cachoeira de Minas não poderia ser diferente. Destemida, participativa e herdeira da influência incrível que sua família sempre exerceu sobre a extinta UDN, sua ascensão sobre os moradores locais era tamanha que muitos eleitores iam procurá-la, às vésperas das eleições, para saber em quem votar.

Para completar a tríade das paixões santarritenses, Dona Conceição também foi apaixonada pelos nossos tradicionais carnavais. Seu extremo bom gosto fez com que ela optasse pelo bloco mais popular e amado da cidade: o Democráticos. Em décadas e décadas participando ativamente das decisões da agremiação, sua função variava de noites viradas bordando nas casas de costura, à hercúlea tarefa de angariar fundos para colocar seu bloco na rua. Com uma colaboração decisiva, as noites de fevereiro tornavam-se ainda mais lindas e inesquecíveis. A certeza de que a vida também precisa ser feita de coisas belas, foi o combustível necessário para que, todos os anos, um incrível desfile tomasse forma em frente à sua casa para descer o morro mais famoso da cidade. Com um uniforme, especialmente criado para acompanhar os espetáculos e noites inesquecíveis do Democráticos, Conceição mal conseguia disfarçar a alegria nos olhos. Era só emoção.

O descanso

Na virada do milênio, Conceição começava a dar sinais de que sua energia não era mais a mesma. O cansaço por uma vida de intenso trabalho em benefício da coletividade parecia ter, enfim, tomado conta. Com o passar dos anos, a vizinhança passou a vê-la cada vez menos. Vez ou outra, ela ainda ia à calçada para pedir que alguma criança levasse para casa as verduras plantadas em sua horta, mas o distanciamento decorrente da idade avançada parecia cada vez mais evidente. Como viveu a existência toda, assim também foi sua despedida, em 13 de maio de 2009. No dia mais festivo para a comunidade negra brasileira, Santa Rita se despedia de uma mulher que nos ensinou a ser um pouco mais felizes. Chegava o momento de Conceição Rennó, finalmente, descansar e da cidade dizer adeus a essa inesquecível trabalhadora do bem.
(Carlos Romero Carneiro)

2 comentários:

  1. PARABÉNS PELA BELA REPORTAGEM. RETRATA FIELMENTE UMAS DAS GRANDES MULHERES DE SANTA RITA.
    DUAS CORREÇÕES A SEREM FEITAS:
    1- FILHA DE ALZIRA PORTUGAL RENNÓ E ANTONIO PALMA RENNÓ (TONIQUINHO RENNÓ) E NÃO DE JOÃO PALMA RENNÓ (ZICO RENNÓ) AVÔ DO ROGÉRIO RENNÓ E DR. JORGE TOLEDO.
    2- FEZ OPÇÃO POR UM DOS BLOCOS MAIS POPULARES E AMADO, SENDO QUE O RIDE PALHAÇO ERA O OUTRO EM IGUALDADE DE POPULARIDADE E AMOR, MAS COM MUITO MAIS BOM GOSTO. ISSO É PONTO PACÍFICO.

    UM TRIPLICE E FRATERNAL ABRAÇO

    WALTER RENNÓ

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  2. A casou na igreja da estação Renno (Fazenda Pouso D'antas ) depois que veio do Rio de Janeiro tambem morou la e não na fazenda Renno.

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