quinta-feira, 15 de maio de 2014

Meu tolatão tá doendo (Por Ivon Luiz Pinto)

Meu coração resolveu pregar uma peça nestes dias. Assim, sem mais nem menos, ele  deu umas paradas, esqueceu o seu compromisso de estar sempre batendo, e quis parar. Foi por poucos instantes, mas deixou meu cardiologista apavorado e com vontade de implantar um marca- passo. Eu nem sabia que meu coração estava assim, desiludido, cansado, querendo um repouso. Tadinho, tem trabalhado muito nestes setenta e nove anos. Coloque isso em horas, minutos e segundos e vai dar um número bem grande,  2.491.344.000 segundos. Muita coisa. Imagine quantos segundos já bateu o coração do Mons. José Carneiro.
Não é a primeira vez que  me prega uma peça. Há alguns anos ele resolveu entupir uma coronária e, como salvação, tive que colocar stend. Foi só susto. Mas não é de hoje que ele tem essas implicâncias comigo. É coisa velha, antiga, que começou quando eu era criança. Lá pelos meus quatro anos ele se revoltou, achou que estava ganhan-do pouco pelo trabalho que fazia. Minha família era pobre e a alimentação não era muito boa. Então, ele reclamou e eu fui para a cama por muitos dias e chamaram um médico, Dr. Gaspar, de Itajubá, e ele chamou meu pai num particular e disse. – Benedito, esse menino não escapa. Não se tem nada pra fazer. Ele errou, graças a Deus.  Eu sarei, voltei à minha vida familiar, mas ficou um senão, todos me achavam impossibilitado de fazer exercícios. Principalmente a mamãe que me adulava, pois, além de sofrer do coração eu era o caçulinha querido. Meus irmãos implicavam com esse tratamento e exigiam que eu fizesse algum trabalho útil. Nessas ocasiões eu corria para a mamãe e dizia que o “tolatão” estava doendo. Não sabia dizer coração, saía tolatão. Sempre carreguei dificuldades de pronúncia, principalmente trocando o B pelo P e o V pelo F.  Tenho uma filha com esse mesmo defeito de fabricação. Coisa chata que já me colocou em muitos apuros como quando vi o Vavá Ferreira levando uma vaca para pôr no pasto do Dito Quinquin e eu disse que o “Fafá ia lefando uma faca”. Todos riam de mim, menos mamãe que acariciava meus cabelos encaracolados e dizia para não ligar pro pessoal. Mamãe esteve muito presente em minha vida, me defendendo, aconselhando. Foi ela que sugeriu que eu fosse para um colégio e resolveram que seria o Colégio São Joaquim, dos salesianos, em Lorena. Internato do qual fugi uma vez e quase não me aceitaram de volta. Mas papai sabia conversar e era capaz de dobrar até o Papa com suas argumentações. Quando eu chegava em casa, nos feriados, ou para as férias, mamãe corria a fazer a comida que ela achava que eu gostava, e lá vinha alface, couve e angu. Ainda gosto demais desses três pratos. Com mamãe eu aprendi a bater o pilão e fazer farofa de carne e aprendi a fazer sabão de cinzas, coando o líquido para a de coada e acertando o produto no barrilheiro. Coisas daquela época. Hoje ninguém sabe o que é isso. São coisas boas de antigamente. Eu gostava de brincar com os cabelos longos da mamãe, cabelos que, desenrolados, iam até a cintura e que ela enrolava em coque ou fazia trança. Cabelos pretos, luzidios. Como uma índia. Igual ao cabelo que Catulo cantou assim:

“Sá  dona o cabelo dela  tão preto pro chão caía
Que toda flô que butava no cabelo  a flô murchava
Pensando que anoitecia.”

Era isso que ela era. A mãe dela era uma índia, muito bonita, que casou com um caipira de olhos claros.  Minha irmã tem olhos esverdeados, lindos. Eu, de herança só tenho o sangue, sangue de índio que gosta da natureza e aprecia o luar. E um coração, fraco e desajeitado. Coração não...” tolatão”

Um comentário:

  1. Coração que está apenas começando sua jornada. Ainda veremos muitas, mas muitas batidas nesse coração, que se for fragil fisicamente, supera com vantagem pela sua grandeza, pela sua bondade, pelos seus ensinamentos, e por uma graça inigualável que é o seu enorme amor.

    Beijos meu pai.

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