quarta-feira, 10 de julho de 2013

O misterioso caso da Pedra da Santa - Por Ivon Luiz Pinto

Existem várias versões sobre este fato... Embora sendo muitas, todas têm pontos comuns, o que  indica que o fato é verdadeiro. É como se a gente  tivesse um mesmo objeto, mas  utilizasse  embalagens diferentes para ele. Os pontos comuns nesta história são a pedra, a dinamite e a morte.
Lá pelas bandas dos Pivotos, na terra que hoje é da Senhora Helena Duarte Teles, havia, há tempos, uma grande pedra que o povo dizia ser’”Sagrada” porque viam em sua superfície a imagem de Jesus, Maria e José, a Sagrada Família. Viam, com muita nitidez, como se alguém tivesse desenhado  as santas figuras. Na pedra, havia uma pequena depressão, parecida com uma tigela, onde sempre tinha água e, dentro dela, vivia um peixinho dourado, que nadava alegre e esperto mesmo sendo solitário. Não se sabia de onde ele tirava o alimento e não se entendia porque a água não secava. Passava tempo, e mais tempo, e lá estavam a pedra, as figuras e o peixi-nho. Não demorou muito para que as pessoas simples da redondeza fossem fazer suas orações aos pés da Pedra da Santa. As orações eram fervorosas alimentadas pela fé de corações  singelos que acreditavam no milagre de uma aparição. Todos que iam lá viam as imagens e o peixinho e contavam histórias  de cura. Todos não. Um homem se zangou porque nunca viu nem as figuras santas e nem o peixinho dourado e as pessoas diziam que era por ser ele incrédulo e maldoso. Ele dizia que aquilo era coisa de carolas sem serviço. Esse homem foi se enervando com o fato de não ver as aparições e sofria com as caçoadas de que era vítima nas conversas que rolavam no bairro. Ele planejou acabar com aquela onda de pessoas visionárias  que estava contaminando a mente de outras pessoas e pondo em risco a segurança dos habitantes, pois se o boato  se espalhasse, pessoas de outras fazendas e até da cidade iriam congestionar o local. Ora, era apenas uma pedra que o povo fanático transformou em coisa miraculosa. Uma pedra, ora veja! Só isso. Mas ninguém lhe dava ouvidos. Então ele tomou a decisão de dinamitar a pedra dizendo que havia ouro dentro dela. Sabia que era um engodo, que era uma mentira, mas era a desculpa mais simples e um dia resolveu realizar o que queria: explodir a pedra. Era uma quinta-feira. Mas não era uma quinta-feira qualquer. Era o dia de Corpus Christi. O dia sagrado do Corpo de Deus. O homem não se importou com isso. Para ele era mais um dia como qualquer outro. Dia santo era coisa de carolas, disse ele, debochando da fé daquela gente. Pegou as dinamites, os pavios e se dirigiu para a pedra. Sua mulher implorou para que  largasse  dessa loucura. Pediu para que desistisse, pois tinha medo de  que houvesse um castigo.  Ele olhou a pedra, grande, alta, solitária ao lado de um riacho marulhante, procurou pelo peixinho no seu aquário natural e, como não o visse, deu um chute de sapatão na pedra e resmungou impropérios. Colocou  o dinamite numa fenda e instalou o longo pavio. O dia parecia estar parado. Não se ouvia canto de pássaros nem se via vento para farfalhar a folhagem. Tudo parado, quieto. Parecia  aquele momento em que se fica  de expectativa, em silêncio, sem nem mesmo respirar direito, esperando algo. Protegeu-se atrás de uma grossa árvore, bem longe, e colocou fogo no pavio e viu o fogo correr levantando uma pequena fumaça por onde passava.

BUMMMM! O estrondo foi  grande e uma enorme nuvem preta, de fumaça e pedras quebradas elevou-se. O homem contemplou sua façanha, pulou e dançou de alegria, cantando coisas indecentes. A nuvem negra se elevou e tomou o rumo de sua casa. Nem um pássaro piou, nem um movimento no mato. Ele pegou suas coisas e tentou voltar para casa. Estava subindo a encosta quando ouviu o trovão.  Olhou para o alto e seus olhos se arregalaram com o que viu.
Uma grossa coluna de água barrenta, revirando como a roda de mil tratores cavava a terra arrancando árvores pela raiz. Era um monstro desatinado, engolindo tudo que estava em seu caminho. Não tinha predileção e nem dó. Seu corpo grosso fazia o trabalho de gigantesca sucuri, triturando em seu bojo árvores, animais e pedras, com o som de milhões de trovões, ensurdecendo os ouvidos e esburacando a terra.  A terra sacudiu e essa imensa coluna de água barrenta, grossa, avolumou-se em sua direção e ela trazia os restos de sua casa e os corpos de sua família. E o arrastou, sacudiu e o jogou para o alto. Antes de cair sobre a lama de-vastadora, já estava morto. Dias depois, encontraram seu corpo arrebentado e prensado numa cerca de arame farpado.

Mais tarde, muitos anos depois, construiu-se uma capela usando a pedra cortada como parede de fundo. Pedra bonita, com muitos veios colo-ridos, formando ramagens e figuras. Os olhos religiosos podem contemplar a figura de uma santa com muita nitidez. Em um feriado, José Márcio, o pasteleiro do mercado municipal, me levou para conhecer a capela. É impressionante a beleza primitiva de suas cores e linhas, formando figuras que aguçam a imaginação. À sua direita corre o riacho murmurante que foi testemunha dos antigos acontecimentos. Não se tem mais a figura da Sagrada Família e o peixinho vermelho não existe, mas continua fervorosa a fé popular alimentando as orações de muita gente. Há muitas maneiras de orar, mas há um só Deus a nos proteger.


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