segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Arquivos secretos do DOPS revelam ações da repressão em Santa Rita do Sapucaí


O “DOPS” - “Departamento de Ordem Política e Social” – foi criado para manter o controle dos cidadãos e vigiar as manifestações políticas na ditadura, pós-64, instaurada pelos militares no Brasil. O DOPS perseguia, acima de tudo, as atividades intelectuais, sociais, políticas e partidárias de cunho comunista.

Entre os anos de 1964 e 1974, em virtude da resistência ao regime militar crescente, o DOPS obteve maior autonomia. A partir do momento em que o Brasil se abriu para o processo de redemocratização, a instituição perdeu o sentido e foi extinta.
O DOPS exercia função de órgão policial e deixou documentos como ofícios, relatórios, radiogramas e livros que hoje servem como pesquisa histórica e fonte de busca de processos judiciais. Há dossiês que descrevem sobre a existência, na época, de eleições sindicais, greves, partidos políticos e atos públicos que eram registrados e vigiados pela DOPS. 

Através das dezenas de documentos do DOPS, é possível perceber que a perseguição ao simpatizantes e adeptos do partido comunista era feroz. Em uma extensa lista, os agentes traçaram um perfil detalhado de cada uma das pessoas que eles consideravam simpatizantes do partido. A maioria era formada por líderes sociais, estudantes, profissionais liberais e maçons.

Nesta edição, vasculhamos os documentos secretos do DOPS e encontramos muitas informações sobre a sua atividade em Santa Rita. Em diversos casos, omitimos os nomes dos envolvidos para não expor as vítimas. Acompanhe agora, como funcionou o período de repressão na cidade.
Aliança Libertadora Nacional (ALN) em Santa Rita

Em um dos recortes anexados pelo DOPS, um artigo datado de 2 de junho de 1935 relata a criação de um diretório da Aliança Nacional Libertadora em Santa Rita. 
Leia, a seguir, um trecho do manifesto da ALN local:

“Não somos, vejam bem, um braço do extremismo, que anula o estímulo e esteriliza a vontade de progredir. Queremos dar a mão ao humilde proprietário, franquear-lhe o caminho da salvação econômica e levá-lo a aproximar-se do abastado. Queremos uma Aliança Nacional Libertadora das raças e não das castas.”

Imediatamente após a publicação do manifesto, o delegado afirmava que já tinha avisado o grupo sobre as consequências daquele ato. Na mesma carta, ele dizia que, como o grupo ain-da não havia sido formalizado, não tinha necessidade de tomar qualquer medida.
Agente consular da Suíça em Santa Rita

Muito intrigante é uma corres-pondência enviada de Santa Rita do Sapucaí, no dia 3 de março de 1942, pelo agente consular da Suíça, Alberto Luercher, em que solicitava do representante consular italiano, Ferrucio Parolari, que advertisse um descendente de italiano residente na cidade. Em tal correspondência, ele afirmava que a delegacia de Santa Rita se opunha a tal cooperação, já que o referido era dono de nacionalidade italiana, morava há mais de 30 anos no Brasil, era casado e tinha filho com uma brasileira. Em tal documento, não conseguimos descobrir por que o agente consular estava na cidade.
O fim do comunismo 

Depois de passar por um longo processo de monitoramento dos ditos comunistas na cidade, em um documento do dia 16 de junho de 1947, a delegacia de Polícia de Santa Rita acusava o recebimento de uma correspondência com a ata de fechamento do partido comunista na cidade. Ainda assim, o DOPS arquivou as fichas de afiliação de todos os membros do partido.
Uma nova correspondência foi enviada no dia 14 de março de 1949 em que o DOPS informava ter se dirigido a Santa Rita para conter uma manifestação comunista. “No final do ano, esteve em Santa Rita o Deputado Ernani Maia, com o objetivo de instalar um Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Reunindo-se com membros do extinto PCB, iniciou uma campanha tipicamente subversiva induzindo os trabalhadores rurais a buscarem seus possíveis direitos.”
A formatura que recebeu a visita dos agentes

No dia 3 de junho de 1969, uma correspondência, informava sobre um ato considerado subversivo, em Santa Rita:

Trecho da ocorrência:

“Passando pelas imediações do Clube, notei que, na parede do fundo do prédio, luzes acendiam e apagavam, chamando a atenção com alguns dizeres. Indo ao salão, observei que havia um cartaz escrito “UNE Viva” e, ao lado, duas efígies estavam pintadas de preto com a semelhança de Cristo e de Che Guevara. As pinturas foram apreendidas pelo sargento e enviadas ao escalão superior do 8ºDP.”

No dia 29 de agosto de 1969, os formandos responsáveis pela decoração do baile, redigiram uma declaração em que afirmavam que tudo o que havia sido apreendido era de responsabilidade deles e que nem a Escola de Comércio e nem o Clube Santa-ritense, tinham relação com o ocorrido. A correspondência estava assinada pelos seguintes alunos: Antônio Roberto de Franco, Benedito Geraldo de Melo Pereira, Clemilton Silva, Francisco de Souza, Waldir Marques Lemos, Homero Carneiro Silva e Luiz J. da Silva.
Ladrões ou guerrilheiros?

Assalto em Santa Rita do Sapucaí

No dia 7 de dezembro de 1971, um assalto acontecido em Santa Rita do Sapucaí chamou a atenção dos agentes do DOPS. Ao ler o documento, não conseguimos descobrir o motivo de ele ter sido classificado como “confidencial”, o que nos levou a concluir que  os autores podem ter sido considerados subversivos ou guerrilheiros. Veja a seguir, um trecho do documento:

“No dia 4 de novembro último, o estabelecimento comercial de Jair Sanches de Oliveira foi assaltado por três elementos de São Paulo. Os componentes do DP de Santa Rita do Sapucaí saíram em perseguição dos assaltantes, que foram localizados próximos a Paraisópolis.”
Livros no leito do Rio

“Segundo foi apurado nas diligências encetadas pelas autoridades policiais, o fato se prende ao encontro, em águas do Rio Sapucaí, de documentos considerados altamente subversivos. 
Através das providências levadas a efeito, o delegado fez a apreensão dos citados livros, versando sobre a ideologia extremista, tomando por termo as declarações de pessoas que tinham conhecimento do fato.

No dia 23 de abril, por volta das 14h30min, estava o declarante pescando debaixo da ponte metálica, em companhia de outras pessoas, quando sentiu que seu anzol havia enroscado em alguma coisa no fundo do rio. Procurando recuperar seu material de pesca, o declarante foi puxando com cuidado, sendo surpreendido com um bornal cinza. Ao verificar, notou que o mesmo continha livros identificados como portadores de ideologia comunista. O declarante procurou queimá-los, temeroso de complicações com a Polícia. Porém, meditando um pouco mais sobre o assunto, decidiu entregar o material ao Tenente Ary.

A autoridade policial, apesar de todos os seus esforços, não conseguiu elucidar o caso e decidiu enviar o inquérito, bem como todos os livros apreendidos a esta delegacia regional. Foi designado o detetive, Roberto Capistrano, para encetar diligências em torno do fato, procurando o seu esclarecimento. Após verificar as assinaturas, chegou-se à conclusão de que os livros pertenciam a XXXXXXX em face das rubricas encontradas.

O fato estava esclarecido até que apresentou-se o senhor XXXXXX que assumiu a responsabilidade de ter atirado os livros no leito do Rio Sapucaí. Ao ser ouvido, o declarante afirmou que adquiriu os livros em Belo Horizonte e que os mesmos eram publicamente vendidos. Ele negou ser comunista, mas disse que possuía as obras para aperfeiçoamento de seus conhecimentos na literatura de Economia Política da qual foi professor e aluno estudioso da matéria.”

(Por Carlos Romero Carneiro)

Um comentário:

  1. Parabéns pela matéria e o material conseguido... Sensacional a matéria Romero.

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