segunda-feira, 7 de maio de 2012

Rubens Carneiro Pinto, o último herói de guerra santarritense

Conte-nos sobre o início da Segunda Guerra

Desde a Primeira Guerra, a alemanha havia sido derrotada e já vi-nha com a intenção de se vingar. Em 1942, começou uma disputa entre a Alemanha e os Estados Unidos. Ambos queriam que o Brasil os apoiasse, dada a posição estratégica do nosso país. Getúlio Vargas, cada hora pendia para um lado e procurava sempre tirar o melhor partido da situação até que o Roosevelt realizou uma reunião em Natal e ofereceu ao Brasil a construção da Usina de Volta Redonda. Nisso, a Alemanha se voltou contra nós e começou a torpedear diversos de nossos navios, além de criar a chamada “quinta coluna”, formada por espiões dos alemães que viviam por aqui. Com isso, declaramos guerra contra os nazistas, e começaram os preparativos para enviar os nossos soldados.
Como foi a convocação dos pracinhas santarritenses?

Desde 1941, já havia uma certa mobilização de homens por aqui. Nessa época, nós fazíamos o Tiro-de-Guerra e já estávamos recebendo instruções fortes para o que poderia acontecer.

Em 1944, mais ou menos 15 soldados de nosso tiro-de-guerra de Santa Rita foram convocados para São João Del Rei. Ao todo, mais de 5000 estudantes foram chamados. De lá, houve uma distribuição para diversas cidades e nós fomos levados para Itajubá. Três meses depois, nós realizamos o curso de cabo e, assim que terminamos, foram chamados 400 homens da turma de engenharia, formados lá. Como só havíamos nós, passamos a fazer parte do grupo. De Itajubá, fomos enviados para Juiz de Fora e, de lá, para o Regimento Sampaio, no Rio de Janeiro, onde fizemos uma inspeção de saúde muito minuciosa, realizada por 10 médicos americanos. Na minha vez, ele me diz: “Parabéns, menino! Você é especial.” Em seguida, ele escreveu, um “E” do tamanho da ficha. Naquele dia, começaram a chegar soldados de todos os lugares para formar o chamado “terceiro escalão”, formado por 5 mil homens. Todos os dias, éramos obrigados a assistir cenas cabeludas de guerra. De noite eu nem dormia. De vez em quando, eles fingiam que iríamos embarcar, os portões eram fechados e ficávamos três dias lá. Quem não estava preparado fugia. Daqui de Santa Rita mesmo, dois soldados desertaram e foram obrigados a ficar escondidos. Aquilo tudo era usado para fazer com que apenas os soldados com sangue frio permanecessem no grupo para que não prejudicassem os outros.

E o embarque para a Itália?

Nós embarcamos para a Itália no dia 22 de novembro de 1944 e a viagem durou quinze dias. Cerca de 5000 soldados embarcaram junto comigo. Os santarritenses Maurício Adami e João Adami também estavam lá. Os outros já tinham embarcado no primeiro e no segundo escalão. O navio era escoltado por dois destroyers e dois torpedeiros. Naquela altura, o Atlântico estava coalhado de submarinos. A verdade é que os alemães já estavam se preparando para a guerra há muitos anos, mas nós não. Dentro da embarcação havia 7 andares de alojamentos, 4 deles ficavam abaixo do nível do mar. A pressão lá dentro era muito grande e você sentia falta de ar. O João Adami ficou no alojamento mais fundo e passou 15 dias deitado. Todo dia de manhã, a gente tinha que subir ao convés para almoçar e tomar sol. O navio estava tão pesado que nem balançava.

Qual foi sua reação ao chegar à Europa?

Quando desembarcamos em Nápoles, senti um enorme frio na barriga. Por onde olhava, era só ambulância. No céu, diversos balões antiaéreos. Como eu tinha visto imagens da primeira guerra, onde as pessoas iam todas correndo em direção ao fogo inimigo e ficavam mortas pelo caminho, me assustei quando fomos recepcionados por um soldado gordo e forte e perguntei: “Como pode você estar na guerra e estar gordo e bem de saúde desse jeito?” E ele me contou que as coisas não eram bem como que eu estava pensando e começou a me explicar como tudo funcionava. Até então, eu não sabia de nada. Comecei a aprender tudo na prática.

E o episódio do “Feijão da Barcaça”?

Enquanto não seguíamos viagem, procuramos conhecer o local, percorremos as redondezas e compramos um feijão branco que tinha no porto. No dia seguinte, embarcamos em uma barcaça em que cabiam 200 homens e partimos em direção à Pisa. Ficava todo mundo espremido. Alguns ficavam embaixo e eu fiquei no convés. A embarcação balançava tanto que aquela viagem ficou conhecida por nós como “Feijão da Barcaça”. Pra você ter uma ideia, se alguém dormia era jogado pra cima e caía em outra posição. O povo ia passando mal lá embaixo e um tenente ficava na escada pegando o balde com vômito para levar para cima. Numa dessas, na hora em que ele foi subir a escadinha, o barco balançou e o balde caiu em cima dele.

Ao desembarcarmos em Pisa, ficamos 15 dias em quarentena, até sermos deslocados para Pistoia, em um alojamento que recebia os machucados que chegavam e preparavam os equipamentos dos soldados. Desde então, fomos incorporados ao Quinto Exército, formado por brasileiros, americanos, ingleses e marroquinos. Ali, recebemos equipamentos, fardas e alimentação dos americanos. A comida que eles nos davam era completamente diferente da que estávamos acostumados.  Arroz e feijão nós só comíamos uma vez por semana. Naquele local, eles começavam a formar os grupos compostos por enfermeiros, eletricistas e nós, que éramos do grupo de Engenharia e Transmissões. Tudo era muito rápido. Em uma semana éramos preparados para fazer o que era necessário.
Conte-nos sobre o período de guerra

Os alemães já tinham preparado tudo. A ideia deles era dominar a África, chegar ao Morrocos e, de lá, alcançar a base de Natal, para atacar os Estados Unidos. Foi quando vieram os aliados e os empurraram para a Itália. Era contra esses soldados que nós lutávamos.

Nossas tropas eram divididas em artilharia, infantaria e um grupo de apoio – do qual eu fazia parte. Dentro do meu grupo, havia os pontoneiros, capazes de montar pontes em cinco minutos; os sapadores, que construíam e realizam consertos em estradas; e os mineiros, que tinham a missão de desarmar as minas que havia pelo caminho. Nós, da Engenharia, dávamos assistência a tudo o que fosse necessário.

Durante a guerra, morreram poucos brasileiros porque os americanos esquematizavam tudo. Nós só avançávamos quando o inimigo já havia sido eliminado. Primeiro saía uma patrulha de reconhecimento; a artilharia entrava em ação e, depois, chegava um grupo de combate para eliminar o que havia sobrado. Ao passarmos por estes postos, encontrávamos a infantaria alemã do outro lado.

Os Brasileiros eram bem tratados?

Algo que percebi foi que nós éramos preservados ao máximo. Os americanos sempre diziam: “Armas nós temos em quantidade, equipamentos também. Agora, ‘seres humanos’ demoram 20 anos para serem feitos e precisam ser preservados ao máximo.  Como não sabemos quanto tempo essa guerra vai durar, vocês serão preservados.”

Você teve contato direto com os Nazistas?

Quando prendíamos os soldados, ninguém podia encostar neles. Eles eram pessoas normais. Já o pessoal da SS, era um povo amaldiçoado. Eles entravam na cidade, matavam os homens, pegavam as meninas de 10 ou 12 anos, defloravam, e riscavam com uma faca o símbolo deles no joelho delas. Eu cheguei a ver o desenho de dois raios riscados nelas. O que tinha de comida, eles comiam tudo. Eles eram muito cruéis.
Como eram os brasileiros em combate?

Assim que a artilharia brasileira entrava em combate, atingia sempre o objetivo. Os soldados não tinham medo de nada. Os alemães nos classificavam como uma tropa adestrada, sem comando e formada por loucos. Quando os alemães viram aquela correria no campo de batalha, perguntaram aos soldados que armas o inimigo estava usando e eles disse-ram: “Não são armas, são brasileiros.”

A verdade é que nós éramos muito admirados. Lembro que o exército formado pelos pretos americanos ficou muito admirado quando viram que no nosso não havia divisão por cor, como acontecia com os americanos. Eles nos adoravam porque, no nosso grupo, era todo mundo amigo e misturado. O exército deles era separado. Um dia, em um contingente de americanos pretos, eles fizeram as maior festa conosco. Nos deram comida, fizeram de tudo para agradar e disseram que nos admiravam muito porque não estavam acostumados com aquilo.

E o final da Guerra?

No retorno, os grupos foram vindo aos poucos. Até então, existia um temor de que tivéssemos que ir para o Japão, já que eles ainda não haviam se rendido. Quando caiu a bomba atômica, soubemos que iríamos retornar. Minha turma só entrou no navio, 5 meses depois da guerra ter terminado. Fomos os últimos a sair.

Como foi a chegada ao Brasil?

Quando chegamos ao Brasil, todo mundo trouxe uma neurose de guerra. Um dos nossos companheiros, aqui de Santa Rita, chegou a se esconder debaixo da cama quando soltaram uns foguetes na praça. Quando eu estava retornando à cidade, alguém de Santa Rita me viu na estação de Maria da Fé e ligou avisando o meu pai. Até então, todo mundo já tinha sido recebido com festa, mas eu estava vindo sem avisar ninguém. Quando eu cheguei à estação, o povo invadiu o vagão e eu fui carregado nas costas, até a praça. Lá, fui recebido por uma banda de musica, e aconteceram discursos. No dia 7 de setembro, participamos do desfile e houve diversas comemorações. Dos 8 expedicionários santarritenses que combateram na segunda guerra, eu sou o último.

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