segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Professor Justino fala ao Empório de Notícias

Qual é o sentimento que o senhor tem em relação à Santa Rita do Sapucaí?

Meu sentimento é de uma afetividade muito grande. Eu cheguei aqui adolescente, com 16 anos e, em agosto, completo 62. Portanto, eu passei a maior parte da minha vida em Santa Rita por opção. Eu tive aqui em Santa Rita uma série de oportunidades e perspectivas que me atraíram muito. Foi aqui que eu conheci a minha mulher, que nos casamos, que eu constituí a minha família e desenvolvi a minha carreira profissional em uma área em que tenho grande amor e prazer. Tudo isso, nos leva a um relacionamento de afeição muito grande pela região. Também não posso esquecer que, quando vim pra cá, não enxergava isto com muita clareza e as dificuldades eram muito grandes. Mas tive pessoas que puderam me orientar e me dar apoio muito importante em momentos decisivos da minha vida. Tudo isto, cria um conjunto de valores relativos à cidade que me levou a desenvolver esse sentimento de afeição.

O senhor acompanhou a fundação de nossas principais instituições de ensino?

Na FAI, menos. Na Escola de Eletrônica eu, que cheguei na cidade em 1963, acompanhei, praticamente toda a sua história. No início, mais como expectador. Como aluno, eu mais assistia do que atuava. Já em 1965, atendendo ao convite de Dom José Carlos de Lima Vaz, aceitei lecionar na Escola de Eletrônica. No começo eu era mais um auxiliar, mas me identifiquei muito com a nova atividade. Isso me deu grande satisfação e, quando fui estudar no Inatel, continuei lecionando na Escola de Eletrônica. Desde então, assumi uma função, não só de expectador, como também auxiliando no desenvolvimento da instituição. Quando cursava no Inatel, já carregava certa bagagem de algum tempo na atividade de ensino na Escola de Eletrônica.

Como foi seu início no Inatel?

Quando eu cheguei ao segundo ano do curso de engenharia, fui convidado para ser monitor da disciplina de eletrônica. Como a função de monitor não era uma atividade regulamentada, a única maneira de prestar essa colaboração à instituição, era como empregado e daí fui contratado. Por esse motivo, sou registrado no Inatel desde o dia primeiro de abril de 1968.

Tudo acabou conspirando para que o senhor ficasse por aqui? Quando eu concluí o curso do Inatel, eu já fui contratado como professor, na categoria de auxiliar de ensino. Eu terminei o curso no final de 1969 e já comecei a trabalhar no início de 1970. Sete anos depois de vir para a cidade, eu me tornava professor na carreira universitária.

Quando o senhor veio para cá, o Inatel ainda não existia?

Ainda não. O Inatel foi fundado em 1965, através da iniciativa do grande professor chamado José Nogueira Leite.  Ele era de Itajubá. Formou-se no antigo IEI na década de 1930 e, desde então, trabalhava com telecomunicações. Seu sonho era fundar uma Escola de Telecomunicações porque sempre se dedicara à área. Então, ele conseguiu o apoio de Santa Rita e resolveu fundar a escola em nossa cidade. Na época, recebeu o apoio da Escola de Eletrônica e da Sociedade dos Amigos da Cidade.

O senhor lecionou em outros lugares?

Eu continuei a lecionar no Inatel e na ETE e prestei o concurso para a Universidade Federal de Itajubá. Em 1973, comecei a lecionar por lá como Professor Auxiliar. A carreira de professor universitário começa como Professor Auxiliar, depois passa-se para Professor Assistente, Professor Adjunto e, finalmente, Professor Titular. Para me tornar Professor Assistente, foi necessário fazer o mestrado para poder prestar o concurso.

Existe uma história que o senhor foi fazer o mestrado e pediu dispensa porque o livro adotado era o seu. É verdade?

É lenda! É que as pessoas vão aumentando pequenos fatos e acabam exagerando muito.

O senhor fez mestrado no ITA?

Fiz. Tanto o mestrado quanto o doutorado eu fiz no ITA. Mesmo, durante esse tempo de aperfeiçoamento, continuei lecionando nas três instituições

Com isso o senhor foi criando raízes na região, não é?

Como você disse, tudo foi, de certa maneira, me incentivando a ficar por aqui. Eu acabei me integrando muito à comunidade santarritense. Bem recentemente, recebi o título de cidadão honorário. Isso é uma coisa que me orgulha muito. Acho que até exageraram um pouco porque conheço várias pessoas que fizeram mais do que eu. Lembrar que professor é mais um expectador dos avanços. Não é como os grandes empresários que, realmente, trouxeram muita riqueza para a cidade.

Na ETE, quando chegava o dia da sua prova, os estudantes faziam uma grande bagunça para colocar medo nos seus alunos, não é?

É verdade! Alguns dias atrás eu encontrei com um desses bagunceiros, que se chama Joanderson. Quando nos vimos, eu falei: “Eu me lembro de você! Ficava fazendo bagunça lá na frente, antes de minhas provas!” (Risos)

Uma coisa que sempre chamou a atenção é o capricho com que o senhor escreve na lousa...

Na época em que eu comecei a lecionar, havia uma série de dificuldades em se ter material impresso para os alunos. Naquela época, o mais moderno que a gente tinha era o mimeógrafo de álcool. Muito tempo depois, veio o mimeógrafo de tinta. Então a gente tinha que organizar muito bem as aulas para que os alunos tivessem facilidade em acessar o conteúdo da disciplina.Foi por isso que comecei a organizar com cuidado minhas aulas, para facilitar o trabalho dos alunos.

Em uma comunidade do site de relacionamentos ORKUT, criaram um tópico em homenagem ao senhor. Um participante lembrou dos seus famosos jargões...

A gente faz para quebrar um pouco a formalidade da aula. Às vezes, o aluno descuida-se ou não está prestando atenção em um assunto relevante do tema e você chama atenção: “Olha lá! Cochilou o cachimbo cai!”, “Vamos lá! Isso é mais mole do que sopa de minhoca!” (Risos)

O senhor já passou por algum fato engraçado que aconteceu durante seus tempos de estudante?

No começo dos anos 60, em uma cidade pequena como Santa Rita, a gente estudava na ETE e apareceu por aqui um circo de “Striptease”. Era engraçado porque os estudantes baixavam todos por lá. Era uma novidade pra todo mundo. Na ETE, éramos todos adolescentes, na faixa de 15 a 18 anos. Juntavam-se também os estudantes da cidade... Houve até uma reação por parte da comunidade mais tradicional. Mas o circo só enchia! (risos) Era um circo mesmo. Tinha as cadeiras à frente e as arquibancadas ao fundo. Como os estudantes, no máximo, conseguiam dinheiro para irem na arquibancada, certa noite um dos nossos colegas levou um binóculo! Você não imagina a disputa que foi! Ele mesmo aproveitou muito pouco! (risos) O binóculo ficou o tempo todo correndo pra lá e pra cá! Cada um puxava para seu lado! Foi muito engraçado!

E a rivalidade entre os estudantes e os jovens da cidade?

A Escola de Eletrônica era uma novidade e, você sabe, toda novidade cria uma reação. Até que a gente se integrasse na comunidade, houve uma reação forte, principalmente por parte dos jovens. Eles começaram a enxergar os estudantes da Escola de Eletrônica, no mínimo, como concorrentes! (risos) Talvez não chegasse ao nível da rivalidade, mas a concorrência havia com certeza. Isso, na época, trouxe problemas porque eram muito freqüentes as brigas.

Conte-nos algum fato importante dessa época.

Um fato importante dessa época e que causou muita repercussão foi o falecimento de Sinhá Moreira. Foi uma comoção geral e me marcou muito.

Além dela, existem outras pessoas na cidade que o senhor admira?

Sim. Várias pessoas. Eu sempre tive uma admiração muito grande pelo Dom Vaz, pelo Professor José Nogueira Leite, porque são pessoas que conseguiam enxergar muito além do seu tempo. Por e-xemplo: como a Sinhá Moreira conseguiu propor, no final da década de 50, uma escola de eletrônica em uma cidade de economia rural? Seria como se hoje alguém chegasse aqui e quisesse instalar uma instituição de ensino na área de ciência espacial ou da genética! Era uma coisa que estava quase que na ficção científica! Ela tinha tal entusiasmo por isso que trouxe para dirigir a instituição os padres jesuítas, que integram uma organização religiosa, famosa no mundo inteiro, pela sua dedicação à evangelização dos povos e à educação! Basta ver quantas grandes universidades do mundo estão nas mãos dos jesuítas. Mas aí, como você imagina que uma congregação desse porte iria garantir sua colaboração a uma cidade tão pequena como era Santa Rita, no final da década de 50? Nesse contexto, o Padre Vaz foi a figura que se responsabilizou pela implantação definitiva de toda a estrutura da Escola de Eletrônica! Ele ficou aqui 10 anos e meio! Quando veio um novo diretor para substituí-lo, toda a escola de Eletrônica já estava implantada. Foi uma questão de continuar aquele trabalho que já havia sido feito.

Eu também sempre admirei muito o trabalho do padre Raul e sua dedicação ao ensino. Pelas menores coisas que diziam respeito à educação e à escola ele tinha grande entusiasmo. Outra pessoa que sempre deve ser lembrada é o professor Nogueira Leite. Quando ele resolveu fundar o Inatel em Santa Rita integrou-se à comunidade local e começou a dirigir a instituição em condições que poucas pessoas acreditavam ser possível. Parecia que tinha alguma coisa trabalhando contra, mas ele não diminuía o entusiasmo. Infelizmente, um ano e meio depois, ele morreu. Lutou com muita garra até o fim.

Como era a política na cidade?

Naquela época, vereador em nossa cidade não tinha salário. Só recebiam salários os vereadores de grandes cidades ou de capitais. No entanto, você precisava ver como tinha disputa para vereador em Santa Rita! Muitos queriam dar uma contribuição à cidade! A gente lembra que, nessa época, o professor Francisco Ribeiro de Magalhães era vereador, o Senhor Zito da Tipografia era vereador e vários outros. Aqui em Santa Rita, a gente ainda vê pessoas que, tendo suas profissões, nas horas de folga trabalham com afinco como vereadores.  Nas capitais, são políticos profissionais. Eu queria deixar registrado que, naquela época, todos faziam isso sem nenhuma retribuição pecuniária.

No que a cidade deve pensar a partir de agora?

Infraestrutura. Eu acredito que a infra-estrutura de Santa Rita é um poucoprecária. A começar pelas ruas e os passeios que estão muito mal conservados. A gente vê, sistematicamente, lixo espalhado pelas ruas. Eu acho que é uma coisa mínima a que a administração pública tem que se dedicar.

O senhor acha que a cidade precisa olhar mais para a questão cultural e do lazer?

Neste segmento, quase todas as cidades brasileiras deixam muito a desejar. A gente conversa com pessoas que estiveram em países mais ricos e dizem que, nesses lugares, em qualquer cidade existe um bom teatro ou uma boa casa de espetáculos. Há bons clubes com vários tipos de esportes e quase todas as cidades possuem boa biblioteca pública e bons museus. Em Santa Rita há alguns projetos nesse sentido. O PRODARTE, eu acho um movimento fabuloso. Então, a gente percebe que existem importantes iniciativas, mas necessitam de uma participação mais efetiva da comunidade e do poder público.

Esta matéria é um oferecimento de:

2 comentários:

  1. Sensacional!!

    Tenho muito orgulho de ter sido seu aluno na ETE!!

    Me formei em 2001

    Alexandre Simião!

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  2. Mestre Justino, como importante receber a transmissão pelos ensinamentos em 1971. Eu só não podia contar com aquele drático episódio quando o Sr. chegou no Restaurante e eu fui levar a sua refeição. Eu atuava como "GRAÇON" em troca das refeições.Sempre tu eras o último e justamente naquele dia foi feito a limpeza e o piso estava molhado e eu naquele descuido ESCORREGUEI e a BANDEIJA com a REFEIÇÃO voou de minhas mãos como se não quizesse chegar até a mesa. FOI UM TREMENDO DESCONFORTO PARA MIM EM VER AQULA DELICIA IR PARA O AR E CAIR NO CHÃO, CAUSANDO AQUELA TREMENDA FRUSTRAÇÃO.
    Vitória E.S., está aguardando sua visita.

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