quarta-feira, 13 de abril de 2011

Nossas viagens a Santa Rita do Sapucaí

Nasci em Santa Rita do Sapucaí, cidade no sul de Minas, terceira filha do casal Quinzote e Glorinha. Pelo que ouço dos mais velhos, minha mãe teve um problema sério no ouvido quando estava grávida de mim. Na época, não existiam antibióticos e parece que minha mãe padecia com muitas dores. Meu pai, médico, achava que ela só deveria ser operada depois do parto.

Assim que nasci, fui com meus irmãos para a casa da minha avó materna. Meus pais seguiram para o Rio de Janeiro, cidade com mais recursos médicos e por lá permaneceram 8 meses. Durante esse tempo, fui amamentada por uma moça, Rita, que tinha tido um filho, menino, e amamentava a nós dois. Com toda certeza, não me lembro da estada na casa da minha avó, mas, pela importância que elas tiveram por toda a nossa infância, imagino como devo ter sido bem tratada por ela e pelas irmãs da minha mãe, na época ainda solteiras.

No Rio, apareceu para o meu pai a oportunidade de um emprego. Daí a nossa mudança para lá, logo que minha mãe se recuperou das operações a que se submeteu.

Guardo lembranças vívidas e carinhosas da minha avó, mãe da minha mãe, por todos chamada “Dona Maricotinha”, em cuja casa, em Santa Rita, passávamos as nossas férias. Ela sempre atuante, alegre, cheia de projetos.

Todos os anos, para viajar do Rio de Janeiro a Santa Rita, íamos de bonde até a estação da Central, tomávamos o trem que nos levaria a Cruzeiro e fazíamos a baldeação. A viagem era longa e cansativa, os bancos estreitos, sem conforto algum, mas era para nós uma grande alegria, não só pela novidade, como pela perspectiva feliz de férias na casa da avó.

Mamãe nos preparava e dava a cada criança a incumbência de vigiar uma das malas. A chegada a Cruzeiro era outra aventura. Tínhamos que descer de um trem e entrar rapidamente no outro, da RMV (Rede Mineira de Viação). Recordo-me de que, algumas vezes, fui colocada pela janela para guardar os lugares nos bancos. Depois de todos sentados, lugares garantidos, tínhamos por prêmio pastéis que os vendedores apregoavam na plataforma. Acho que minha paixão por pastéis data dessa época. Esse gosto me segue até os dias de hoje, assim como o carinho que tenho por trens, de cujos apitos lamentosos me recordo com ternura.

Minha avó sempre foi muito vaidosa e não poupava dinheiro para que as filhas se apresentassem bem. Era, para mim, um prazer abrir o armário de minhas tias, as “meninas”, como eram chamadas. Vestidos luxuosos, muitos vindos do Rio e até do exterior.

Soube, mais tarde, por tia Mariquinha, irmã da minha avó que, quando minha mãe era solteira e foi eleita rainha dos estudantes, minha avó encomendou um vestido no Rio para a festa de coroação. O vestido não podia amassar e viria de trem. Minha avó comprou dois bilhetes, um para o portador e outro para o vestido, que ocupou todo o banco.

Meu avô morreu com trinta e seis anos, deixando Dona Maricotinha com cinco crianças. A mais velha, minha mãe, com 9 anos e a caçula com apenas alguns meses. Pelo que sei, meu avô foi uma pessoa dinâmica. Era seu o primeiro carro a chegar em Santa Rita e foi ele quem trouxe o primeiro cinema para a cidade. Pedro era o seu nome e mamãe sempre se referiu a ele com orgulho e muito amor. Penso que ela era a única filha a se lembrar dele, por ser a mais velha.

A renda do cinema aliviava o orçamento apertado da minha avó. Dizia-se na cidade que quando se aproximavam as festas em que as filhas tinham que se apresentar com vestidos novos, minha avó mandava vir filmes de Tarzan para que as noites tivessem lotação esgotada.

Embora fôssemos felizes em nossa vida no Rio de Janeiro, era em Santa Rita que desfrutávamos de liberdade, de passeios e do carinho dos familiares. No Rio, nossa vida era voltada para o colégio e nosso lazer maior era, uma vez por semana, aos domingos, ir ao cinema “O Americano”, que acabou se transformando no “Copacabana”, atualmente academia de ginástica.

Não era nada explicito mas, subliminarmente, recebíamos a mensagem de que não devíamos conviver muito com os “cariocas”. Eles eram diferentes de nós, os “mineiros”. No colégio, frequentemente, recebíamos convites para os aniversários das coleguinhas. Como nunca éramos levadas para tais festas, eu nem mais entregava os convites para a minha mãe.              
( Por Marly Barbosa Fontes)

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