terça-feira, 10 de abril de 2012

O juiz eletricista de Santa Rita do Sapucaí

Viva o ressuscitado! Eu já andava compondo um “Adonais” para o
extinto juiz e eletricista de Santa Rita do Sapucaí. (Monteiro Lobato)
No final de 1909, chegou a Santa Rita do Sapucaí um homem magro  que tinha sido nomeado Juiz Municipal, cargo que ocupou até 1918. Era José Godofredo de Moura Rangel, ou simplesmente Godofredo Rangel, filho de João Silvio de Moura Rangel e de Clara Augusta Gorgulho Rangel, nascido em Três Corações, a 21 de novembro de 1884, primo do Dr.Omar Franqueira. A família mudou-se para Silvestre Ferraz, atual Carmo de Minas, e após a morte do pai , quando tinha ainda 12  anos, foi morar em São Paulo, com sua irmã Lavínia Paraguassu. Em 1902 ingressou na Faculdade de Direito da USP onde bacharelou-se em 1906.  Para custear os estudos empregou-se como auxiliar de escrivão na Sub-delegacia do Posto Policial do Braz e foi nesse local que conheceu e fez amizade com Ricardo Gonçalves que era repórter policial do jornal Correio Paulistano. Sendo transferido para o Posto Policial de Belenzinho foi morar num chalé na Rua 21 de Abril. A rua era sem calçamento e o chalé ficava no centro de uma chácara, com laranjeiras, ameixeiras e um pé de romã. Quando Ricardo foi visitar o amigo ficou deslumbrado com a visão que tinha da sacada  e disse: “ Mas é uma torre, Rangel. Veja que amplidão de vista se descortina! Uma torre – um MINARETE! E você um muezim”. O nome se tornou rótulo e a república do Minarete se tornou marco da vida literária. Foi aí que Rangel conheceu Monteiro Lobato numa das reuniões que fazia a turma do Cenáculo. Esse conhecimento selou uma amizade que se desenvolveria por toda a vida, gerando uma correspondência de mais de 40 anos, registrado nos dois volumes de A Barca de Gleyre, de Lobato. A amizade era tão profunda que os dois fizeram um pacto de quem morresse primeiro viria visitar o outro e lhe contar como era o lado de lá. Como tivessem receio de que fossem iludidos por algum espertalhão eles combinaram uma senha. Quem morresse deveria dizer a senha para que o outro tivesse a certeza de que estaria falando com a alma certa. Lobato morreu primeiro e perguntaram a Rangel porque razão ele não falou com a alma do amigo, ao que ele respondeu: ele esqueceu a senha. Bem mais tarde surgiu em Pindamonhangaba, por influência de Lobato, o jornal Minarete. A República do Minarete passou a receber a turma do Cenáculo, que no Café Guarani, onde  se reuniam, eram classificados de “ cainçalha”, onde cada componente recebia o nome de um cão. Rangel era o cachorro caipira e Lobato o buldogue.

Em 1906 bacharelou-se em Direito pela USP e no mesmo ano casou-se com Bárbara Pinto de Andrade, moça que conhecera em Caldas, Minas Gerais, e com ela teve quatro filhos, Nello, Caio, Túlio e Duse. Os vencimentos de um Juiz Municipal era pequeno para cobrir as despesas da família e Rangel procurou outros meios de suplementar o orçamento conseguindo o cargo de tesoureiro da Companhia Sul Mineira de Eletricidade, indo residir numa casa da propriedade dessa Companhia, no local que depois se transformaria na Escola Nossa Senhora de Fátima, e por isso Lobato o chamava de “ eletricista do Sapucaí”. Em 1915, em carta de Santos, Monteiro Lobato carinhosamente diz “Viva o ressuscitado! Eu já andava compondo um “Adonais” para o extinto juiz e eletricista  de Santa Rita do Sapucaí!”

Frequentemente Lobato demons-tra  inveja do amigo por morar numa cidade bucólica ao mesmo passo que o critica  pelo pessimismo:” Morar em Santa Rita... Imagino que seja um tonel de Diógenes, um tonel de paz perpétua num mundo feroz em luta permanente, essa Santa Rita em que moras e onde dás a A o que é de A e a B o que é de B.Como és feliz – e mesmo assim a neurastenia te engrifa! Que mais quererá do mundo, Rangel o Incontentável?“ De Caçapava, em 1917, um ano antes de Rangel deixar esta cidade, Lobato escreve: “Faço tal propaganda de você que todo mundo em São Paulo está de olho em Santa Rita do Sapucaí. Isso aí nem é mais cidadinha mineira: é aquela sarça ardente da Bíblia que Moisés olhava de olho arregalado! Jeovah Shammah!”

Aconselhando o amigo, Lobato revela profunda preocupação com a identidade interior da pessoa : “Você me pede um conselho e atrevidamente eu dou o Grande Conselho: seja você mesmo, porque ou somos nós mesmos ou não somos coisa nenhuma. E para ser si mesmo é preciso um trabalho de mouro e uma vi-gilância incessante na defesa, porque tudo conspira para que sejamos meros números, carneiros de vários rebanhos - os rebanhos políticos, religiosos, estéticos. Há no mundo ódio à exceção - e ser si mesmo é ser exceção.”

Ele assume também a cadeira de  Português no Instituto Moderno de Educação e Ensino, na época conhecido como o “Colégio do Camargo”, pois seu diretor era o Prof. João de Camargo.  Aqui, escreveu Soares Brandão  Filho, no jornal Correio do Sul de dois de setembro de 1951, ele redigiu quilos de cartas para Lobato e ainda encontrava tempo para conversar com os amigos, que admirava bastante, principalmente o Pepedro, para cujo cinema redigia, em linguagem  escorreita, programas com os enredos da Theda Bara, do William Farnum, da Regina Badet e outros astros do celulóide.  Em julho de 1917 escreve uma pequena gramática com o título de “Estudo Práctico de Português”, edição particular, feita pela Tipografia e Papelaria do Correio do Sul, prefaciada pelo Dr. Antonio Affonso de Morais.  Já depois de ter  ido embora desta cidade, em 1937, ele publica no jornal Correio do Sul de 18 de maio, edição especial comemorativa de 25 anos, o conto  Os Besouros, feito especialmente para o jornal e pouco mencionado na sua literatura. Este conto não consta de sua bibliografia, talvez por ser feito especial para o referido jornal.

Em 1943, Lobato lhe escreveu: “Estou datilografando minhas cartas, e espero que estejas fazendo o mesmo”. Godofredo Rangel deixou em testamento que suas cartas jamais deveriam ser publicadas. Por quê? 

Em Belo Horizonte, no dia 04 de Agosto de 1951, aos 66 anos,  morreu o juiz eletricista de Santa Rita,Soares Brandão Filho, ex aluno de Rangel no IMEE, registra seu carinho e admiração pelo escritor;” É interessante a manifestação da simpatia. A gente fica gostando de uma pessoa muitas vezes por uma coisa de nada. E essa predileção caminha conosco tempo além, sem esvaecimento. Godofredo Rangel, que a morte, as primeiras horas da tarde dum sábado Belo-horizontino, carregou de mansinho, era uma dessas pessoas, criatura boa de verdade e não porque tenha morrido”.

Oferecimento:
Entrada: condomínio ao lado do Museu Delfim Moreira.





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