segunda-feira, 12 de março de 2012

A história de fé, garra e grandes conquistas do amigo Luiz Donato

 
O senhor nasceu em Santa Rita?

Eu nasci em Volta Redonda, em 1946, quando meu pai trabalhou na Cia Usina Siderúrgica. Quando voltou para Santa Rita, em 1954, passou a trabalhar em uma escola rural do Bom Retiro e eu aprendi a ler com ele. Nós moramos na roça até quando eu fiquei doente, quando nos mudamos para uma casa atrás do Grupão, emprestada da Dona Adélia Duarte, irmã da minha tia.

Como foi sua infância?

A minha infância foi muito sofrida, não só pela falta de dinheiro, como também pela minha enfermidade.

Conte-nos sobre sua enfermidade.

Quando eu morava no Bom Retiro, apareceu um caroço na minha cabeça. Um cirurgião da época, Dr. Armando Ribeiro, fez a cirurgia em mim, mas o ferimento cresceu. Para o diagnosticar foi preciso fazer uma biópsia, em Varginha. Nos exames, um médico disse que eu teria que tratar com radioterapia e que ela deveria ser feita em São Paulo. Quem pagou nosso tratamento foi a Dona Sinhá Moreira e eu fui atendido por um grande médico chamado José Carvalho, que havia sido colega de ginásio do meu pai. O diagnóstico acusou um hemangioma (tumor benigno no vaso do couro cabeludo) e eu fui encaminhado para o setor de pediatria do Hospital do Câncer. No quarto havia televisão e foi a primeira vez que vi o indiozinho da Tupi na minha vida. De fato, eu não só recebi ajuda moral, como financeira de muita gente. A Dona Sinhá me ajudou muito. A Dona Baget também.

Na hora de fazer o tratamento, aconteceu um acidente. O tumor era bem pequenininho mas o ope-rador do equipamento esqueceu o diafragma aberto. Queimou a metade da minha cabeça e passei a conviver com uma ferida enorme que não fechava. Todo mês eu voltava pra tratar em São Paulo. Eu ia no Cami-nhão da Empresa Vista Alegre.
O senhor também ficou doente da perna?
Logo em seguida, apareceu um caroço na minha perna que doía muito. No hospital do Câncer eles disseram que era uma osteomielite e me mandaram para o Hospital Geral. Como eu não conhecia ninguém, demorou para sermos atendidos. Nos deram uma caixa de terramicina e viemos para Santa Rita. Aqui, o senhor Arlete Telles Pereira e seu irmão Acácio souberam do caso e me levaram para Belo Horizonte, onde conheciam muitos médicos. Quando cheguei ao hospital fizeram a biópsia novamente e eu fiquei na pediatria. Eu era o menorzinho da turma. A molecada era toda barrigudinha e eles diziam: “O que nós temos é exxxquitoxomose!” Um dia, chegou uma enfermeira com sotaque de mineiro e falou: “Quem é o menino que vai cortar a perna?”. Nisso, uma outra tentou consertar a situação e elas foram embora. A história que me contaram foi que eu ia para o Centro Cirúrgico tirar os pontos. Lembro que tinha várias pessoas de Santa Rita rezando e eu achei estranho porque uma enfermeira colocou um crucifixo no meu peito. Antes da cirurgia, um bispo também veio me crismar. Quando eu voltei da cirurgia, notei que tinha uma toalha em cima de mim e que meu pai ficava com o braço em cima. Um hora ele saiu e eu levantei o pano. Quando eu vi que estava sem perna, meu pai começou a chorar e eu falei: “Pai, não fica assim. Se Jesus que era o filho de Deus sofreu tanto, isso pra mim não é nada.” Esse fato repercutiu muito fora dali e, depois da ope-ração, acabou surgindo a hipótese de um milagre.
Como foi sua volta para casa?

Quando voltei pra casa, levantei o colchão da minha cama para pegar uma revista e encontrei uma carta do senhor Acácio Telles Pereira, que dizia: “Estamos enviando um garotinho, diagnosticado com tumor maligno. Por favor, façam tudo por ele porque, segundo os médicos, viverá no máximo seis meses.” Aí eu pensei:
- Eu não quero morrer, não... Eu vou é viver!
Eu subi as escadas do grupão, procurei a dona Carmélia Vono e falei:
- Dona Carmélia, eu não quero esperar a morte chegar. Quero voltar a estudar.
Ela me disse para ir ao quadro, escrever algumas coisas e voltei para a escola.

Conte-nos sobre a sua época de escola.

No Grupão, eu conheci a Dona Ordalina Faria Costa e foi com ela que eu aprendi a declamar. A primeira poesia que declamei foi “Retrato de Mãe”. Uma coisa interessante era que, de um lado do papel, havia uma fotografia de Nossa Senhora e, do outro, a letra da poesia. À medida em que eu lia, ia desenrolando o papel e o rosto de Nossa Senhora ia aparecendo.  As pessoas se emocionaram muito com minha apresentação e foi nesse dia que percebi que tinha o dom da palavra.
E a sua infância dali pra frente?

Nesse tempo eu tinha passagem livre no cinema e não sabia porquê. Foi também nessa época que eu conheci a família do senhor Mário Brandão e fiz amizade com seus filhos. Na casa deles eu jogava futebol e todo mundo achava admirável me ver matar a bola com a muleta e depois chutar. Pular o muro era outra de minhas especialidades.

Mais tarde, o senhor se tornou radialista?

Aos 16 anos, criamos um programa de rádio na difusora chamado “Semana em Revista”. O Paulo Renato fazia crônicas e eu lia poesias e trovas. O Rubens Carvalho era outro amigo que também participava bastante. O programa era de uma hora mais ou menos e a cidade toda ouvia.

O senhor também trabalhou em jornal impresso?

Tudo começou por causa de um amigo que fiz. Certa vez, chegou à cidade um rapaz chamado Gerson Melo. Ele veio fugido da polícia do Rio de Janeiro, por conta de sua participação no movimento estudantil, e havia trabalhado no Jornal do Brasil. Ele escolheu Santa Rita porque queria estudar na ETE e nos convidou para montar um jornal impresso chamado “A cidade”. Desde então, eu passei a escrever a coluna de Esportes.

O senhor também fazia cobertura dos julgamentos?

Eu e o Rubens gostávamos de acompanhar os casos do Fórum. Íamos sempre aos julgamentos e fazíamos a cobertura para o jornal. Em um deles, conhecemos a história de um homem do Bom Retiro que havia matado a esposa porque ela havia se recusado a manter relações com ele na noite de núpcias. O advogado de defesa era o Doutor Arlette que, em seu discurso, disse: “Vejam senhores! Este matuto da zona rural, casou com sua apaixonada e ela o ofendeu moralmente! Esse mineiro, com sua violinha cantava à luz da lua e foi humilhado pela esposa!” No intervalo, eu e o Rubens fomos conversar com o acusado e perguntamos se ele achava que sairia livre. Ele falou: “Estou preocupado... O Doutor Arlete falou que eu estava tocando violinha, mas eu nunca peguei uma viola na vida! Se depender de saber tocar, eu to lascado!”
O senhor continuou trabalhando como radialista por muito tempo?

Nos tempos de faculdade, o Paulo Renato e o Rubens foram para São Paulo e paramos de fazer o jornal do Grêmio Estudantil, na Difusora. Eu então comecei a produzir um jornal chamado “A Marcha dos Esportes” e sempre acompanhava os jogos do excelente time de Vôlei Santarritense. O que eu escrevia, ia para o Rádio e para o Jornal Impresso. Mais tarde, comecei a fazer o Jornal da Paróquia e só parei quando fui estudar medicina.

Como foi sua ida para a faculdade?

Do segundo para o terceiro ano colegial, eu estava na Pensão da Dona Júlia, conversando com um amigo que era médico (Ubiracy) e ele me falou: “Por que você não estuda em Portugal? Lá não tem vestibular.” E foi o que fiz. No comecinho de 68 me inscrevi em Belo Horizonte e, em novembro, recebi uma carta do Ministério da Educação de Portugal, dizendo que eu havia sido aprovado. A viagem foi paga pelo meu irmão Pedro Paulo. Através do Gerson Melo eu soube que a prefeitura tinha uma verba destinada para os estudos e procuramos o Toninho Rennó, Presidente da Câmara, para pedir ajuda. No mês seguinte eu estava em Coimbra.

Conte-nos alguma passagem...

Um caso interessante que aconteceu nos tempos de faculdade foi que eu tinha um grande amigo, chamado Rosário, e ele era de Cabo Verde. A gente conversava muito e, por ser mais idoso do que eu, me dava muitos conselhos. Ao se formar, ele passou a trabalhar em Praia, capital de seu país e nunca mais o vi. Muitos anos depois, fui passar minhas férias em Maceió, estava no consultório do meu filho Juliano e nisso entrou uma senhora negra, falando português de Portugal e disse que havia marcado uma consulta. Quando eu perguntei de onde ela era, ela falou que era de Praia e falei do amigo que eu tinha lá. Ela então me contou: “Eu era cliente do Rosário e ele acabou de falecer. Infarto do miocárdio.” Quando eu soube, quase chorei de tão emocionado que fiquei.
Nos tempos de faculdade você fazia muitas viagens pela Europa?

Quando estava em Coimbra viajava muito de carona. A gente chamava de “pegar boleia”. Nas viagens que fazia a Lisboa, como não conhecia ninguém, passeava o dia todo e depois dormia no aeroporto.
Como eu era muito católico, toda “semana santa” ia para Fátima e passava os dias todos de jejum, rezando. Em uma dessas viagens fiquei muito triste, porque não tinha dinheiro para tirar uma foto minha e encontrei uma maneira de mudar essa situação. Eu notei que havia um casal (uma brasileira e um espanhol) tirando fotos e me ofereci para fotografar os dois. Tudo o que eu queria aconteceu: depois que fiz a foto, eles também se ofereceram para fazer a minha.

Como foi sua volta para Santa Rita?

Foi em 1971. Eu voltei para o Brasil por dificuldades financeiras e comecei a estudar em Itajubá. Nesse tempo, eu ia e voltava todo dia de carona. No último ano, comecei a estagiar no Hospital Antônio Moreira da Costa e trabalhei com o Doutor Kallás que me ajudou muito. Eu também aprendi muito de medicina com o doutor Wilfredo, que eu conheci no Rio da Janeiro.
Mais tarde, o senhor participou da autópsia do nazista Josef Mengele?

Eu sou diretor do grupo de radiologia do IML do Estado de São Paulo e, nessa ocasião, a perícia precisou identificar se o corpo exumado era do Mengele ou não. Eles ficaram sabendo, através de uma interceptação, que o Mengele havia morrido afogado em Bertioga e queriam descobrir se era ele mesmo e o motivo de sua morte. Na nossa equipe trabalharam médicos legistas da Alemanha, dos Estados Unidos e de um grupo de Israel que buscava carrascos nazistas pelo mundo todo. As notícias eram de que ele havia sobrevivido à guerra e que havia morado na Argentina, no Uruguai e no Brasil.

Como descobriram que ele havia morrido?

Num feriado, fizeram a interceptação de uma correspondência do Brasil à Alemanha que contava sobre a morte dele.
Conte-nos sobre as investigações

A partir do que nós sabíamos, começamos a estudar. Nós verificamos que ele andava muito de moto e que havia fraturado a bacia. Outra característica era o diastema que ele tinha (dentes separados) e uma fístula no maxilar superior. Após as investigações, algumas pessoas acharam que não era ele, mas depois foi feito o exame de DNA com um parente na Alemanha e verificou-se que estávamos realmente certos.

Oferecimento:

Nenhum comentário:

Postar um comentário