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O santa-ritense Antonio e sua esposa, Olímpia. |
- Bom dia moça, posso te ajudar? Meu nome é Antonio
Pereira. E nós temos queijos meia cura, carnes, salames, azeitonas para petisco
e até ervas para emagrecimento.
- É mesmo? Que delícia tudo isso. O senhor já provou de
tudo aqui?
- Não. Só o queijo que às vezes a patroa me dá. Prefiro
comer certinho, para manter a saúde. Tenho 84 anos.
- Nossa!? E ainda trabalha aqui no Mercado Municipal (de
Sorocaba)?
- Ah, já faz mais de 15 anos. Na verdade eu trabalho
"picado". Tem dia que venho, tem dia que não. A patroa me liga e eu
venho. Trabalho porque não consigo ficar parado. E também porque consigo um
dinheirinho no final do dia. Tem vez que a patroa me paga R$ 20 ou R$ 30. Às
vezes me dá queijos. Eu me distraio e ela me ajuda.
- Mas o senhor é aposentado, não?
- Sou sim. Já faz uns 20 anos. Não, mais de 30. Ah, não sei.
- E continuou trabalhando?
- Eu tinha me aposentado, estava caminhando aqui no Centro,
quando encontrei um conhecido que me perguntou: "Antonio, você quer
trabalhar?". Eu disse: "Olha, depende" (risos). Aí ele me disse
que tinha vaga para um trabalho num prédio ali na rua da Penha. Conheci a
patroa e combinamos que eu olharia o prédio para ela. Ficava lá abrindo o
portão, fechando. Andando no corredor. Era gostoso. Tinha duas horas de almoço.
Tirava meu cochilo.
- E porque saiu de lá e veio para o Mercado?
- Ah, porque a patroa achou que era melhor eu vir pra cá.
Fiquei uns 15 anos no prédio. Daí ela fechou lá e falou para eu vir pra cá. Mas
eu venho quando dá. Aqui cansa mais que no prédio. E só tenho uma hora de
almoço. Mas almoço na casa da patroa, essa é a vantagem. Não tenho gasto. Mas a
moça não vai comprar nada?
- Ah, eu compro sempre. Mas hoje vim conhecê-lo. Quero contar
sua história no jornal.
- Ah, que bom. O que você quer saber? Sou sorocabano de
coração. Nasci em Minas Gerais. Numa cidade chamada Santa Rita do Sapucaí,
conhece?
- Não. Mas deve ser bacana. E como veio parar aqui?
- Meu pai era fiscal da Receita e um tio lhe disse que no
Paraná ele iria ganhar dinheiro a rodo. Meu pai acreditou e não perguntou como.
Vendeu o que tinha em Minas e seguiu com minha mãe e os oito filhos para
Mandaguari (PR). Eu tinha sete anos. Foi lá que descobriu que iria ganhar
dinheiro na roça. Ô tristeza! Mas de lá fomos para Maringá, onde cresci, me
formei na escola (ensino fundamental) e me casei. Vim para Sorocaba casado e já
com sete filhos, três deles casados. Viemos visitar um parente, gostei, tinha
dinheiro guardado, então comprei um terreno. Quando voltei para o Paraná, decidi:
vou morar em Sorocaba. E mudamos todos para cá. Já faz mais de 35 anos, quando
arranjei emprego na antiga Fábrica Santo Antonio. Eu olhava a portaria.
- Mas então o senhor é casado?
- Sou sim. Há 61 anos. Já fizemos bodas de diamantes.
- Nossa?! Que conquista. Posso conhecê-la?
- Pode sim, vamos lá.
(No outro dia)
- Essa aqui é minha esposa, Olímpia Pereira. Ela também tem
84 anos. Ela é paulista, de Santa Cruz do Rio Pardo - mas nos conhecemos em
Maringá (PR). Tivemos sete filhos, 17 netos e 15 bisnetos.
- E tem uma bisneta nossa que tem 21 anos e vai se casar. Eu
tenho chance de conhecer meu tataraneto, se ela engravidar. Eu queria que fosse
logo. Para eu ser Tataravó.
- É, a família é bem grande. Quando chega época de festas, a
casa enche. Venha conhecê-la. É grande. É nossa. Somos os dois aposentados.
Cada um recebe um salário mínimo, cerca de R$ 700. Mais os trocados que
ganho lá na banca, para me entreter. Não dependemos de ninguém, graças a Deus.
Não tenho do que reclamar.
- Mas se um dia precisarmos, né Antonio? Nossos filhos nos
ajudarão.
- É que ela tem a saúde frágil. Por isso é temerosa de uma
necessidade.
- Tenho problema no coração. Tenho até um marcapasso.
- Na verdade eu só faço bico lá no Mercado se tem alguém para
ficar com ela. Temos uma filha que mora aqui nos fundos que sempre atende a
mãe. E quando não pode, uma outra filha fica. Daí eu posso ir lá no Mercado
atender a patroa.
- Ele não tem parada. Está sempre arranjando o que fazer.
Acho bom se ocupar.
- Antes de vocês chegarem eu estava varrendo a casa.
- A menina vem uma vez por semana e limpa (a casa). Nós
mantemos. Quer dizer, o Antonio. Eu não posso fazer esforço. (Silêncio) E sou
só cinco meses mais velha que ele (emenda).
- Ficamos os dois aqui sozinhos. Brincamos de quem vai (para
o céu) primeiro. Eu sempre digo para ela que sou o último da fila e que, não
sei não, ela está cinco meses na minha frente (gargalhadas).
- Eu achei bom a gente envelhecer junto, ter passado tanto
tempo juntos. Só que ele fala demais.
- Eu? Ela que é muito quieta (risos). Mas está bom assim. Eu
falo e ela escuta.
- E eu escrevo, seu Antonio.
- Isso. Faça isso. Ah, mas sabe? Outro dia ...
Fonte: http://www.cruzeirodosul.inf.br/
Por Leila Gappy
leila.gapy@jcruzeiro.com.br