quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O contador de causos - Por Ivon Luiz Pinto

Não é mentira o que ele conta. Mentira é coisa inventada, sem nada de verdade como fazia aquele homem da Rua da Pedra conhecidíssimo por suas mentiras. Coisas inventadas. Contam que um dia ele estava descendo a rua e os amigos pediram para que contasse uma mentira ao que respondeu que estava com pressa e que tinha que ir buscar um médico pois dona Mariinha tinha caído e estava passando mal. Dito isso seguiu a caminhada. Os amigos ficaram penalizados e foram socorrer dona Mariinha e a encontraram calmamente lavando roupas no tanque. Isso sim é mentira. Meu amigo não é assim, ele toma de uma verdade e a disfarça num manto de camuflagem. Como aquela rede que o exército coloca em cima da artilharia para esconder o perigo das armas. Sempre que nos encontramos ele tem uma  “ novidade “ para contar e a maioria delas relacionadas com morte e fantasmas.
Tenho um amigo que gosta de servir os outros, prestar auxílio aos necessitados, como naquela vez em que morreu um amigo no bairro da Eletrônica. O amigo era tão pobre que não tinham dinheiro para fazer o enterro, nem caixão tinham arrumado. O corpo foi esticado em tábuas que pegaram numa construção próxima, colocadas sobre duas  cadeiras e foram arranjar dinheiro para o sepultamento. Lá pelas tantas da noite, um bêbado se debruçou nos pés do defunto e a tábua cedeu levantando o cadáver. Gritaria geral... corre corre danado... foram todos para a rua, assombrados porque o morto ficou em pé.

Não só de coisas fúnebres são suas histórias. Ele tem várias sobre a danceteria que montou nas Cravinas. Tinha horário para começar e horário para terminar e se dançava no mais completo respeito porque, sem respeito, a coisa avacalharia e se perderia a freguesia. Lá por perto do raiar do dia ele costumava distribuir pão com mortadela, para sua equipe e para alguns amigos. Pão com guaraná. Nada de bebida. Certa vez, para o Carnaval, ele levou pra lá um conjuntinho, pequeno e desafinado, que tinha um cuiqueiro, aquele que toca a cuíca. A cuíca precisa de água para molhar o pano que é atritado no pino central, e o rapaz não encontrou água facilmente, daí resolveu urinar, mijar, numa garrafa de refrigerante e usar o líquido para fazer o som do instrumento. Terminada a brincadeira dançante foi distribuído o pão  com mortadela e o guaraná. Por engano o recipiente com xixi foi pego e tomado. O nome mais alto que se ouviu foi aquele xingamento que mamãe não me deixava falar...

Ele foi meu aluno no Sinhá Moreira e foi na sala de aula que ficamos amigos. Não era um aluno quieto, pelo contrário, era buliçoso e brin-calhão. E nós nos dávamos bem, tanto que certa vez o convidei para conhecer Cambuí. Durante sete anos lecionei no Colégio Antonio Felipe de  Salles, onde vivi momentos inesquecíveis. Minha memória, embora velha e embotada como espelho antigo que fica amarelado, ainda é capaz de mostrar os alunos e professores que comigo viveram a História nesse Colégio. Como são intrigantes as lembranças! Agora, no momento em que escrevo sobre aquele colégio, vários episódios voltam à vida. É como o farol de um carro na curva escura da estrada que ilumina a paisagem escondida pela noite. 

E nós fomos para Cambuí, ele todo alvoroçado por ir conhecer um novo lugar, e lá o apresentei aos professores e alunos como amigo e aluno de Santa Rita. Levei-o para minha sala de aula. Terminado o período, ele me disse que ia para a casa de uma aluna da qual ficara amigo e almoçaria por lá. Eu tinha três turnos, cedo, tarde e noite, cada um com um montante de cinco aulas. Já estávamos no turno da noite quando recebi o recado de que o Clésio iria ficar. E ficou... ficou uma semana e só veio embora muito contrariado.  Hoje, relembrando esse fato, ele dá gostosas gargalhadas...

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