Em meados do século XX, Santa Rita guardava um ar bucólico. A cidade, encravada num vale, cercada de montanhas, banhada pelo Sapucaí, distava a poucos passos da zona rural. As ruas periféricas chamadas de: dos Marques, da Pedra, do Queima e da Ponte eram as vias de acesso à cidade. A quase ausência de veículos automotores era compensada pelos carros de tração animal, como: charretes, carroças e, eventualmente, carros de boi. Era comum, nas ruas citadas, depararmos com cavaleiros transitando, uma vez que elas abrigavam vários estabelecimentos comerciais. O perímetro urbano dispunha de casas com pomares repletos de frutas, hortaliças, pocilgas e vacas leiteiras. Era o campo na cidade. Um detalhe curioso é que, geralmente, as propriedades eram rodeadas de cercas feitas de taquara e cobertas com chuchuzeiros.
Com poucas, ou quase nenhuma indústria, a cidade tinha como fatores econômicos a agricultura e a pecuária. O café, o leite e seus derivados, representavam o ponto alto da economia além, é claro, da produção de grãos. Em relação ao ensino, dispunhámos do Instituto Moderno de Educação e Ensino (Ginásio); a Escola Normal (hoje Escola Estadual “Sinhá Moreira”); o Grupo Escolar (hoje Dr. Delfim Moreira, Grupão); os Baudinos e a Escola de Comércio.
A atração da cidade era a praça. Ocupando uma área retangular extensa, dispunha de um belo jardim florido, uma grama bem cuidada, arbustos de ciprestes bem podados em forma de cones, dois coretos, a fonte luminosa e bancos de cimento, estrategicamente distribuídos para proporcionar conforto àqueles que não dispensavam o prazer de observar o lufa-lufa da praça. Havia uma passarela contornando o jardim, ladeada por um passeio em ressalto ao redor. Ela comportava os jovens que, em alas de 3 ou 4 pessoas, tinham do lado direito os homens e do lado esquerdo as mulheres, em constante movimento circular. Os primeiros, giravam em sentido horário, em contraposição às mulheres, em sentido anti-horário. Sempre na ala feminina, estavam os casais de namorados e os noivos e casados. No entanto, os namorados, nem de leve, podiam se tocar às mãos. Essa prerrogativa era premissa dos noivos e dos casados. Beijar em público? Nem pensar!
A fonte luminosa funcionava, basicamente, aos domingos. Com suas águas multicoloridas, em evoluções constantes, era deleite para aqueles que a circundavam. Em ocasiões especiais, o primeiro coreto, próximo da Igreja Matriz, abrigava a banda de música carinhosamente apelidada de “Furiosa”, capitaneada pelo saudoso “Zequinha Major”. A retreta era apreciada e aplaudida pela multidão. A saudosa praça, hoje transformada, foi testemunha de incontáveis conquistas amorosas que culminaram em casamentos que duram até os dias atuais.
Bar Trianon
Via de regra, antes do início das sessões de cinema, funcionava no próprio prédio, um serviço de alto-falante. Além da programação dos filmes a serem exibidos no mês e comentários sobre os mesmos, também se ouviam músicas da época e intervalos comerciais. Tão logo a exibição do filme começava, a programação se encerrava e tinha início o serviço de alto-falante do bar “Trianon” que se situava onde é hoje a “Casa Caruso”. O referido bar oferecia aos seus “habitués”, além das tradicionais bebidas e sinucas, um delicioso cafézinho e também picolés, sorvetes, “toddy”, leite, pastéis, tudo ao gosto do freguês. Entre o bar e o cinema, na extensão da calçada, ficavam os engraxates. Encostados na mureta frontal ao “Forum” os jovens ofereciam seus pés calçados com “Scatamacchia”, “Polar” , “Tank” entre outras marcas tradicionais de sapatos, para que fossem polidos. Muitos engraxates se notabilizaram pela destreza com que manipulavam a flanela de polimento. Dentro das suas caixas eram guardados os apetrechos de trabalho, tais como: escova para polimento, flanela, escova de dentes, graxa, tinta nas cores marrom e preto (cores únicas). Ao que me parece ainda não havia a graxa incolor.
O Rio
O rio Sapucaí, com pouca vazão na época, vivia permanentemente cheio e conservava ainda boa parte da mata ciliar. Numa de suas margens, atrás do então “Hotel Melo” (hoje Real Pálace Hotel), posicionavam-se os amantes da pesca com linha e anzol. O rio caudaloso, bastante piscoso, oferecia uma gama de espécies de peixes, desde os pequenos lambaris, até os maiores como a piaba e o dourado. O ponto de encontro dos pescadores era junto ao famoso “bosteiro” (com o perdão da má palavra), local de grande concentração das mais variadas espécies. O generoso rio oferecia alimento de graça a quem se dispusesse a pescá-lo.
O Clube
O Clube Santa-ritense, ponto de encontro das elites, além de bailes, oferecia aos seus associados salões de jogos de cartas, biblioteca e sala de música. Os bailes eram realizados em ocasiões especiais, tais como: Carnaval, 11 de agosto, Primavera, Festa de Santa Rita e, eventualmente, na vinda de algum artista famoso da música popular ou de alguma orquestra famosa das muitas que se espalhavam pelo país. Os populares Centro Operario e “José do Patrocínio” (Mimosas Cravinas) tinham no 1º de maio e 13 de maio as suas festas maiores. Afora isso, normalmente, nos finais de semana, ocorriam bailes comuns dos quais participavam, além dos sócios, a população em geral. Próximo a esses clubes ficava o famoso bar do “Bueno” frequentado principalmente pelos jovens que ali faziam suas libações, degustando bebidas de época como: “rabo-de-galo”, “caipirinha”, “high-fi” , “traçado”, “cuba-libre”, além de pinga e cerveja.
A Era do Rádio
Naquela ocasião, o rádio era ouvido naturalmente. Além da emissora local, era costume se ligar na famosa Rádio Nacional, em cuja programação se destacavam as “rádio-novelas”, noticiários como o famoso “Reporter Esso”, as paradas de sucessos musicais capitaneadas pelo querido César de Alencar (aos sábados das 16h00 às 18h00) e o inesquecivel Jorge Cury (aos domingos, ao meio-dia) que tinha o cantor Francisco Alves como pano de fundo. Mais à tarde, Jorge Cury ainda apresentava um programa de calouros, intitulado “A hora do pato”. Isto, sem contar com as quentes tardes esportivas, também “irradiadas” por ele mais o Antonio Cordeiro, com os jogos realizados na então capital Federal, o Rio de Janeiro.
Naquela ocasião, o rádio era ouvido naturalmente. Além da emissora local, era costume se ligar na famosa Rádio Nacional, em cuja programação se destacavam as “rádio-novelas”, noticiários como o famoso “Reporter Esso”, as paradas de sucessos musicais capitaneadas pelo querido César de Alencar (aos sábados das 16h00 às 18h00) e o inesquecivel Jorge Cury (aos domingos, ao meio-dia) que tinha o cantor Francisco Alves como pano de fundo. Mais à tarde, Jorge Cury ainda apresentava um programa de calouros, intitulado “A hora do pato”. Isto, sem contar com as quentes tardes esportivas, também “irradiadas” por ele mais o Antonio Cordeiro, com os jogos realizados na então capital Federal, o Rio de Janeiro.
O Cinema
O cinema era uma atração permanente. De segunda a sábado, o horário de funcionamento das sessões era o das 20 horas. Nos domingos, além da sessão vespertina, destinada principalmente às crianças, havia a sessão noturna que se iniciava também às 20 horas, exceção feita quando o filme era um clássico épico ou bíblico. Neste caso, as sessões se desdobravam nos horários de 18 e 20 horas. O prédio de funcionamento do cinema é o mesmo conservado até hoje, com pequenas modificações. Além da parte térrea, existem duas galerias: a primeira, com espaços reservados às autoridades e a segunda - a geral - popularmente chamada de “galinheiro”, destinada ao frequentador de baixa renda. À guisa de observação, o cinema era, em algumas ocasiões, refúgio para os casais que pretendiam se bolinar. Havia moças que se prestavam a permitir um “rapa”, expressão que definia o popular “mão-nas-coxas”, somado a outros atos libidinosos. Algumas vezes, eram ouvidos suspiros inesperados que nada tinham a ver com o drama que se desenrolava na tela ou, em outras ocasiões, o estalido de um tapa desferido em alguém que escolhia a “caça” errada.
A iniciação sexual dos jovens se dava na famosa rua do “Brejo” (o nome verdadeiro é rua 13 de maio). Em toda a extensão da rua, proliferavam as casas de tolerância, destinadas à exploração do lenocínio. Mulheres famosas distribuíam seus favores sexuais remunerados a inúmeros jovens, ensinando-os a “doce arte de amar”. A rua, de má fama, condenada pela sociedade conservadora dos bons costumes, frequentemente era palco de sangrentas porfias, muitas vezes trágicas.
Vários dos nossos jovens migravam para centros maiores em busca dos seus sonhos de estudo ou trabalho. Os que estudavam, retornavam à cidade nos períodos de férias escolares ou, eventualmente, em ocasiões de festas, como a de Santa Rita. Os que trabalhavam, quando possível, vinham nessas ocasiões ou quando tiravam férias nos seus respectivos trabalhos. Nessas ocasiões, a cidade se tornava festiva. A população da cidade crescia temporariamente fazendo a alegria não só dos pais em receberem os seus filhos, como a dos habituais frequentadores da praça que se fartavam em ouvir as novidades. Interessante é lembrar que muitos dos nossos jovens, ao retornarem eventualmente à terra de origem, traziam no linguajar o sotaque dos locais em que moravam. Muitos carregavam nos “erres” e “esses”, causando uma espécie de gozação aos seus interlocutores.
O Futebol
O Futebol
O futebol era uma das nossas grandes paixões, tanto dos praticantes, como admiradores. A população se dividia entre os seus clubes locais preferidos: Flamour, Flamengo, Madureira, Minas Gerais (Cabeça de vaca), América, Botafogo, dentre outros. Os jogos eram realizados aos domingos e levavam multidões ao estádio. Santa Rita, também no esporte, revelou inúmeros atletas que se destacaram no cenário nacional e internacional. Também, aqui, aportaram times egressos dos grandes centros como o Flamengo, o Vasco, o São Paulo e a Portuguesa.
Os eventos cívicos
Os eventos cívicos
Nos eventos cívicos, principalmente no da Independência, eram tradicionais os desfiles das escolas com todo o seu contingente. O “Tiro de Guerra”, pela sua tradição militar, era o mais imponente sem contudo deslustrar o brilho das escolas. A concentração final dos desfiles se dava em frente à escadaria da Igreja Matriz, local em que se reuniam as diversas autoridades e onde se consumavam os discursos laudatórios, alusivos à ocasião.
Esses excertos são “flashes” de parte da história de Santa Rita, vivenciados por mim na década de 1950. Quando se iniciou a transformação da cidade, ainda no final dessa década e início da seguinte, eu não me encontrava mais morando aqui. No entanto, gostaria que outros conterrâneos que passaram pela mesma experiência minha, se dispusessem a relatar fatos interessantes da nossa querida cidade o que, de certa forma, nos trará muita alegria e boas recordações.
Uma crônica enviada pelo saudoso amigo Carlos José Kallás
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