terça-feira, 15 de março de 2011

Nando Almeida, patrimônio santarritense.

Luiz Fernando de Almeida tem 46 anos e é formado em Arquitetura pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Presidente do Iphan, ele é também coordenador do Programa Monumenta, do Ministério da Cultura, desde 2003.

Durante 16 anos, o santarritense lecionou História da Arquitetura e do Urbanismo, História da Arte e Projeto de Arquitetura na Universidade Católica de Santos, na Fundação Armando Álvares Penteado e na Universidade Paulista. Também atuou em projetos de desenvolvimento urbano e de habitação na Companhia Metropolitana de Habitação, na Empresa Municipal de Urbanização e na Câmara Municipal de São Paulo. É também fundador da revista “Óculum”. 

Nesta edição do Empório, Nando, como é conhecido, conta um pouco de suas experiências em Santa Rita e suas idéias sobre a situação política de nossa cidade.
Você conhece alguma história sobre o nosso carnaval?

Essa história eu não vivi porque foi há muito tempo, mas uma das lendas mais famosas sobre o Democráticos foi que uma vez o bloco desfilou fantasiado de diabo. Todo mundo vestido de diabinho. Quando um dos integrantes do Ride Palhaço viu uma pessoa fantasiada subindo o morro, disse: “Essa sua fantasia de diabo não tem rabo!” Daí, quando o folião dos Democráticos chegou à concentração e comentou a história, a saída foi improvisar uma marchinha. Eles cantavam: “A nossa fantasia é do Diabo! Só falta o rabo! Só falta o rabo!” Com isso, eles teriam resolvido o problema e vencido o carnaval novamente. (Risos)
  
Você foi um dos criadores do Feirão Folclórico?

Sim. Nós tínhamos um grupo todo em torno do Marcos Flávio. Nesse grupo, nós estávamos insatisfeitos com a monotonia cotidiana e queríamos fazer alguma coisa. Nós tínhamos entre 17 e 18 anos e começou a surgir uma série de atividades similares aqui no sul de Minas. Foi um momento em que vários festivais começaram a acontecer na cidade e existia a influência muito forte dos festivais que aconteciam na ETE. A dona Terezinha, nessa época, promovia uma festa Junina na ETE e também buscava criar uma atividade com um pouco mais de cultura. Então a gente resolveu propor que ela transformasse essa festa em um festival para a cidade toda. Aí apareceu a proposta do Feirão Folclórico. O evento consistia em três dias de ocupação da Praça Santa Rita com todo o tipo de atividades artísticas que pudéssemos mobilizar. Tivemos exposição de fotografias antigas, gincanas, shows e diversas intervenções na praça. Em uma dessas intervenções nós colocamos um chapéu de baiana na estátua do Chico Moreira e alguma outra coisa na estátua do Joaquim Inácio. Foi um escândalo. Naquele ano, nós fizemos exposições de fotografias no BEMGE e na Loja Sampaio. Fomos passando de casa em casa para pedir fotografias antigas emprestadas. Foi um sucesso enorme. Tivemos também algumas intervenções contemporâneas. O Paulinho Shimidt, um artista plástico nascido em Santa Rita, fez uma exposição com fotos belíssimas no porão de uma daquelas casas que foram demolidas. Nós espalhamos ao redor da praça várias atividades culturais. A ilustração do primeiro evento foi uma cópia da capa do segundo livro do Drummond, chamado “A rosa do povo”.

O desfile de cavaleiros começou junto com o Feirão Folclórico?


Sim. Na mesma época em que surgia o Feirão, apareceu uma pessoa que tinha a idéia de fazer um Desfile de Cavaleiros e a gente buscou incorporar essa idéia e convencer aquela pessoa de que aquele era o momento de promover o evento. Nós queríamos juntar várias iniciativas que existiam na cidade e traduzir todas elas em um grande movimento.
O tradicional “Pão Cheio” surgiu em Santa Rita?

Nós ainda não fizemos um levantamento sobre isso, mas eu não conheço outra cidade aqui da região que tenha Pão cheio.  A idéia de um pão recheado está presente na culinária portuguesa e na culinária italiana. Agora, um pão recheado com queijo minas e com linguiça eu acho que só tem aqui! (risos) O pão cheio devia ser vendido em todos os locais de Santa Rita como uma especialidade daqui. Da mesma forma, a Pasta Flora, que foi trazida por imigrantes europeus, mas que é encontrada de maneira diferente na Itália e na Espanha, acabou se introduzindo aqui como um doce típico de Santa Rita.

Você morou no Hotel Melo?

Naquele local sempre existiram dois prédios, um ao lado do outro. O da esquina era o mais antigo. No prédio mais alto ficava o Hotel. No mais baixo, a minha casa. Nós morávamos em cima do Banco da Lavoura. Existia uma passarela que ligava um prédio ao outro. Eu morei ali até os 5 anos. Meu pai morreu quando eu tinha 6 anos. As grandes recordações que eu tenho do meu pai estão ali no Hotel. Também acho que o meu gosto pela diversidade veio dessa experiência de morar em um local onde passavam tantas pessoas diferentes. Uma vez, apareceu um mágico que tirava uma bola do meu nariz. Outra vez, apareceu um russo que só comia sopa de cebola. Isso, no meu imaginário, construiu a idéia da diversidade. Passei a entender que existem pessoas incomuns e que tais pessoas tinham uma cultura diferente daquela cultura que a gente tinha por aqui.

Você guarda muitas experiências da Rua da Ponte?

Eu tive o privilégio de nascer e morar os primeiros anos da minha vida na Rua da Ponte. Na minha opinião, aquela rua era o local mais diverso que tinha na cidade. A Rua da Ponte era o Mediterrâneo de Santa Rita. Um lugar onde as diferentes culturas do Mediterrâneo se juntavam. Todas as casas da Rua da Ponte tinham uma parreira no fundo do quintal. Isso é cultura do Mediterrâneo. Não existia uma outra rua da cidade com uma presença tão forte de imigrantes. Tínhamos portugueses, libaneses e italianos. A Rua da Ponte estabeleceu um mundo novo para a cidade, quando foi implantada a estrada de ferro. Naquela rua foi a primeira vez em que eu vi uma pessoa falando uma outra língua. Na minha opinião, é a rua mais importante de Santa Rita. Ela reciclou a cidade. É ela que dá sentido à localização da cidade e que, durante muito tempo, deu à comunidade de Santa Rita a noção de que existia a diversidade.

Na sua adolescência em Santa Rita, qual foi a pessoa mais importante para a sua formação cultural?

Durante pelo menos duas décadas em Santa Rita, o Marcos Flávio foi a pessoa mais importante sob o ponto de vista de formação de um grupo de pessoas esclarecidas. Ele transformou a casa dele em um centro cultural. Um local onde você encontrava todas as músicas que você não tinha em casa, todos os livros a que você não tinha acesso, e fez isso de uma maneira muito generosa. Eu tive a oportunidade de ter a minha formação muito determinada por essa generosidade dele. Lembro que, na entrada do porão da casa dele, tinha uma frase do livro “O lobo da estepe”, de Hermann Hesse que dizia: “Circo Mágico. Teatro do absurdo. Passagem só para loucos. Entrada só para raros.”

Na sua opinião, o que difere Santa Rita das outras cidades?

Temos em nossa história, uma tradição empreendedora. Que cidade do porte de Santa Rita construiu duas escolas, antes da década de 20, com o porte do Sinhá Moreira e do Grupo Delfim Moreira? Que outro lugar, naquela época, construiu uma escola com o porte do Instituto Moderno de Educação e Ensino? Em resumo, Santa Rita é uma cidade que, no início do século XX, fez um investimento em educação. Isso a difere de boa parte das outras.
O que você pensa sobre a saída de algumas empresas da cidade?

Você lembra aquela famosa frase do Marxismo: “O capitalismo não tem pátria”? Essa história das empresas que se instalam por aqui e que vão embora quando não está bom, acontece no mundo todo. Capitalismo não tem pátria.

Tem havido um movimento na cidade para que o capitalismo seja dono da pátria?

Na medida em que uma cidade como Santa Rita cresce mas, ao mesmo tempo, você vê que a infra-estrutura da cidade está cada vez pior, tem uma contradição que precisa ser resolvida. Como é que pode uma cidade crescer, cada vez produzir mais, gerar mais empregos, faturar 1 bilhão por ano e, cada vez mais, estar sucateada? Qual é o problema? O problema é que esse modelo industrial não tem significado uma melhoria de qualidade de vida. Pelo menos de qualidade de vida coletiva. E onde se verificaria essa melhoria de qualidade coletiva? No viver na cidade.

Você acha que a cidade está virando um barracão de fábrica gigante?

Sob o ponto de vista da qualidade de vida, a cidade piorou muito. Há quanto tempo não se faz uma grande praça na cidade ou um espaço de encontro? As pessoas não se encontram mais. Há quanto tempo Santa Rita não tem um cinema? Santa Rita não tem um teatro! No meu ponto de vista, jogar as possibilidades de investimento em doação de casas e isenção de impostos é absolutamente furado. Nós não disputamos a localização de uma indústria como acontece com uma cidade como Ouro Fino. Aqui existe uma especificidade. Aqui existe a produção de uma mão de obra pensante e isso tem que ser aproveitado. Isso precisa criar um modelo de desenvolvimento diferenciado. Repetir o modelo de desenvolvimento de lugares que não deram certo é um erro. Santa Rita é muito legal, justamente porque é diferente. Ou vamos preferir concorrer com Pouso Alegre, isentando mais impostos do que eles? O que está em jogo é como montar um modelo de desenvolvimento diferenciado.

8 comentários:

  1. Muito boa a entrevista. Convivi com o Nando por alguns anos, inclusive em sua formatura e fico muito feliz com seu sucesso. Concordo com tudo que ele disse sobre Santa Rita e sobre o saudoso Marcos Flavio, realmente uma pessoa sensacional.

    Grande abraço e sucesso.

    Mamão

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  2. Papo lúcido. Pena que o Marcos já se foi. E o Nando não vem. Aí fica difícil. Sem saudosismo, está tudo uma tosta mesmo.

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  3. Nando Almeida. Um cara desse na cidade e teríamos uma outra Santa Rita...

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  4. Fantástica essa entrevista! Mexeu com a minha saudade de tanta gente boa e tanta coisa boa...

    Eu me lembro, por muitas vezes, as reuniões do Feirão Folclórico na casa da vó Tonha e tia Alice com o Marcos Flávio até altas horas da noite e confesso que eu ficava de expectadora da "prosa" dos dois.

    Rita Ceres
    Adorava...
    Mas o Nando está coberto de razão sobre o fato da cidade ter tanto potencial e estar nesse abandono.
    Onde já se viu, uma cidade com tantos recursos estar com o prédio do cinema em ruínas... Podre!

    A cidade, os jovens, os adultos e as crianças precisam se "enlevar" com coisas como o Feirão Folclórico (evento cultural), Calouríadas(evento esportivo), e o Carnaval que a família toda participava, confeccionando fantasias, carros alegórios...
    Hoje toda diversão da cidade é apenas visando lucros, ou seja: tudo com presença de bebida, que leva a outros males...
    Tanta energia dos jovens sem proveito.

    Tomara que as coisas mudem pois meu sonho é voltar a morar em Santa Rita e poder criar meus filhos no lugar onde tenho a maior estima que é esta cidade!

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  5. Só mesmo o Empório para nos apresentar uma pessoa tão lúcida quanto esse Nando! Não sabia que tínhamos alguém tão genial quanto ele aqui. Entrevista ótima! Parabéns!

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  6. Alguém saberia a receita da Pasta Flora? Era um dos doces que meu pai mais apreciava e gostaria de saber fazer...

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  7. Patrícia! Vou procurar saber e posto aqui pra você viu?

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  8. MARINÊS DE AZEVEDO ESTEVES SCHMITZ14 de agosto de 2011 às 00:16

    FIQUEI FELIZ EM SABER SOBRE O IRMÃO DE MINHA EX QUERIDA COLEGA A RITA ALMEIDA. cOMO É BOM SABER DOS SANTARRITENSES QUE VI AINDA CRIANÇAS. sAUDADES DE MINHA TERRA DE QUE ME ORGULHO AO VER NOTICIAS E PELA QUAL TORÇO A DISTÂNCIA E DA QUAL O DESTINO ME LEVOU PRA BEM DISTANTE.

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