quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Apenas um quarto (Por Salatiel Correia)

As batidas do coração aceleravam à medida em que o meu carro passava pelo trevo de Santa Rita do Sapucaí. Trevo, hoje, embelezado com uma escultura da santa da qual porta o nome. Fazia bem uns trinta anos desde que pisara pela última vez na terra de dona Sinhá Moreira.
De imediato, senti uma necessidade, vinda do interior da alma, no sentido de atar as duas pontas de minha vida. Naquele momento, consegui unir o que hoje sinto com o que um dia senti, quando cheguei, pelas rodas da Transul, a um lugar ao qual jamais tinha ido. A lupa de meu tempo voltou há 38 anos, quando, ainda um rapazola mal saído da adolescência e repleto de insegurança, aventurei-me a navegar em mares, por mim, nunca antes navegados.

A sensação dessa junção momentânea de meu passado distante se tornou presente. Bateu-me, então, um misto de melancolia e alegria. Era natural essa sensação, pois o atar das duas pontas da vida cria um fluxo momentâneo em que passado e presente se fundem numa coisa só.

“Aqui em Santa Rita, basta dar uma volta na praça ou ir ao mercado para encontrar todo mundo.” Assim me disse o simpático porteiro do Hotel Tadini. Fiz o que ele me disse. Já era assim há 38 anos. Santa Rita, embora tenha crescido, continua acolhedora. Ainda encontramos pessoas conhecidas no centro da cidade.

É bem verdade que velhos hábitos já não existem mais. Não existe mais o vaivém de um lado para o outro da praça, quando a missa acaba, mas o coreto da praça continua o mesmo. Como continuam os mesmos o prédio do fórum e o velho cinema, a igreja São Benedito e a casa do meu saudoso amigo Mauro Longuinho.

Nesse meu trafegar na terra de dona Sinhá, meu coração acelerou mais no momento em que me aproximei da mais profunda lembrança. Chegara ao mercado, bem de frente onde, por três anos, morei nos meus tempos de Santa Rita. A loja estava lá do mesmo jeito que a vi pela última vez, há mais de trinta anos: a Casa Marques, do meu querido amigo José Élcio Marques, carinhosamente conhecido por Brechó.

Parei o carro. As lembranças, cada vez mais intensas, impulsionavam mais ainda as batidas do coração. Atravessei a rua.

- Goiano, quanto tempo! - Assim me recebeu a simpática dona Dita, esposa de um querido amigo. Senti aquela alegria interior que a gente sente quando quer bem um ao outro.
- Cadê o Élcio? - Indaguei.
-Está lá no fundo da loja, - respondeu dona Dita.
Segui, em passos acelerados, rumo ao fundo da loja. Ia do presente ao encontro de meu passado. Lá estava ele, de costas, tomando café com a nora e um dos filhos, o Janilton. Este, quando eu morava no fundo da loja do pai, engatinhava. Hoje é um homem feito, pai de família. Como o tempo passa!

Toquei no ombro de meu dileto amigo que, naqueles tempos, foi um pai para mim. Ele se voltou com aqueles olhos verde-claros que nunca me saíram da memória. Deu-me um caloroso abraço fraterno. Abraço de dois amigos com uma amizade solidificada pelo tempo.
- Vem cá, goiano, ver como está seu quarto! - O coração disparou mais ainda. Era apenas um quarto, mas significava muito para mim.

- Fiz dele um depósito - me disse Élcio.
- Tem ainda o banheiro? - Perguntei.
- Sim. Não mexi nele.

Nisso, o atar das duas pontas de minha vida acelerou o fluxo entre o início e o fim desses 38 anos. Quanta água correu neste rio. Quantas alegrias! Quantas intempéries vencidas ou esquecidas! Amadureci. E lá estava eu recordando um rapazola na procura incessante pelo seu porto seguro. Hoje, caminhando para a terceira fase da vida, restou-me dizer ao Élcio e à dona Dita Marques o quanto eles foram uma família para mim. Foi uma alegria rever essa gente tão generosa para com o próximo. Gente que tanto quero bem. Amigos para sempre e que carrego no fundo do coração!

(Salatiel Correia é Engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em Planejamento. É autor, entre outras obras, do livro Cheiro de Biblioteca. Obras que fazem nossa época.)

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