segunda-feira, 2 de junho de 2014

Castro Alves e eu (Por Ivon Luiz Pinto)

Auriverde pendão 
de minha terra, 
Que a brisa do Brasil 
beija e balança, 
Estandarte que a 
luz do sol encerra 
E as promessas 
divinas da esperança... 
Tu que, da liberdade 
após a guerra, 
Foste hasteado 
dos heróis na lança 
Antes te houvessem 
roto na batalha, 
Que servires 
a um povo de mortalha!... 
Navio Negreiro – Castro Alves

Castro Alves marcou muito a minha juventude e eu ficava preso à sua poesia, acorrentado, não só nos versos de Navio Negreiro e Vozes d´Africa, como também na sensualidade de Adormecida. Mas o predileto era Navio Negreiro, poema que sabia de cor e recitava com entusiasmo na mais simples oportunidade. Nunca tinha visto navio, não sabia o que era o mar. Minha vida eram as montanhas frias cobertas de marmelais onde o vento da tarde anunciava o frio da noite. Meu pai fora educado com seu padrinho, Dr. Albino Alves, sogro do escritor Bernardo José da Silva Guimarães, autor de Escrava Isaura. Por esse  motivo, e só por isso, tive que ler esse romance e então comecei a me interessar por escravos. Daí a predileção pelos poemas de Castro Alves. Nunca tinha visto um escravo, mas gostava de dizer que era escravo da beleza desta ou daquela menina e elas achavam isso bonito. Só bem mais tarde substituí o gosto da beleza dos poemas, pela piedade e tristeza dos sofrimentos que vim a saber que essa gente padecia. Trabalho e castigo é a gangorra que ficou formada em minha mente. Certa vez quis visitar um quilombo existente entre Delfim Moreira e Itajubá, hoje na cidade de Wenceslau Braz. A palavra “Quilombo” ou “Calhambo” é de origem Bantu, e significa acampamento ou fortaleza. O escravagismo foi introduzido no Brasil por volta de 1530, quando Martim Afonso trouxe da África alguns escravos para trabalhar em São Vicente, no engenho que ainda existe como ruínas do Engenho dos Erasmos. Daí para a frente, o comércio de escravos se tornou produtivo e o Brasil foi seu  maior importador.

Quando foi fundada a povoação de Santa Rita, aqui existiam grandes proprietários de terra e com eles uma grande quantidade de escravos. O Arquivo Público Mineiro tem em seu registro documentos que comprovam a existência de escravos nesta terra. Por exemplo, o capitão Braz Fernandes Ribas, co-fundador da cidade, dono de grande sesmaria e respeitado pela Igreja e pelo Estado, tinha a posse de 47 escravos; o Capitão João Antonio Dias possuía 17 escravos; o tenente Vitor Modesto Ribeiro, 22 escravos, Francisco Tomaz Vilela possuía 57 cativos, sendo ao todo 484 escravos. Os escravos eram utilizados como força tarefa nos mais diversos trabalhos e também como moeda de compra e barganha. O capitão João Antonio Dias utilizava muito do recurso de receber escravos em pagamento de dívidas e hipotecas. Um documento de cinco de maio de 1862 registra que o capitão recebeu em hipoteca cinco escravos de Antonio Ribeiro do Vale: “Saibão quanto estas virem que no anno de nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e sessenta e dous, nesta freguesia de Santa Ritta da Boa Vista do município de Pouso Alegre Minas e comarca de Jaguary em  meo cartório e ahi perante mim e testemunhas abaixo assignadas aparecerão de uma parte o capitam João Antonio Dias e de outra José Justino Carneiro de Faria como procurador de Antonio Ribeiro do Vale...etc.. que devendo um conto e trezentos mil reis conforme documento em poder do cobrador Capitão João Antonio Dias e como não pode pagar entrega ao cobrador cinco escravos sadios e novos...” Não foi apenas o capitão a usar desse recurso para receber dívidas e aumentar sua senzala. O alferes  Custódio Ribeiro Pereira recebeu duas escravas em hipoteca de Manuel Gonçalves Teixeira e sua mulher, em 12 de janeiro de 1863. Em 4 de maio de 1867 foi lavrada uma escritura de compra ou permuta de escravos entre Affonso Ribeiro e Joaquim Candido Rodrigues. Esses documentos são interessantes para entendermos a história desta cidade. A utilização da mão de obra escrava tinha sido introduzida no Brasil por volta de 1532 por Martim Afonso de Souza que os utilizou no Engenho do Governador na Vila de São Vicente. A partir daí, o costume se alastrou por todo o Brasil em desrespeito aos direitos naturais do homem. A História do Brasil e a do mundo contém exemplos terríveis dos maus-tratos, castigos e mutilações por eles sofridos. Em linha geral, os piores castigos eram executados pelos capitães do mato e pelos capangas, ambos mulatos, mestiços de branco e negro e, por isso mesmo, marginalizados tanto pelos brancos como pelos negros por serem  tidos como sangue contaminado e daí sua fúria contra os negros já que a fúria contra os brancos era impotente. Contudo, aqui nesta terra, foram poucos os senhores que usaram de maus-tratos. Talvez dois. Os demais, se não foram benevolentes, pelo menos usaram de mais cautela e paciência.  Alguns fatos provam esse índole generosa dos senhores de escravos em Santa Rita. No dia 09 de fevereiro de 1840 o Coronel Braz Fernandes Ribas registra em testamento que, após sua morte, deveria ser concedida a liberdade a seus escravos e cita-os nominalmente. O coronel faleceu em 1848, quarenta anos antes da lei Áurea. Outro fato ocorreu em 18 de março de 1888, quando  trinta e três proprietários rurais deram liberdade a seus escravos. Quase dois meses antes de se fazer a abolição total decretada pela Princesa Isabel.

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