domingo, 3 de fevereiro de 2013

Relatos do dia em que quase aconteceu uma catástrofe em Santa Rita


Um dos episódios mais polêmicos da história de Santa Rita do Sapucaí aconteceu no início da década de 40 e envolveu o Vigário, o Coronel Francisco Moreira da Costa e alguns membros influentes da sociedade santa-ritense na época. Trata-se de uma passagem em que uma multidão se revoltou durante uma pregação na igreja Matriz e dirigiu-se ao cinema para invadi-lo. Para conhecermos um pouco desse episódio sombrio de nossa história, recolhemos trechos do relato de Cônego Carvalhinho – vigário na época – publicado no livro “Trem de Manobra” e o depoimento feito por Marly Fontes – neta da dona do cinema – em sua obra “Casos e Causos – histórias de gente comum.” Acompanhe, a seguir, o fato sob dois pontos de vista. 
O relato do Cônego Carvalhinho

De volta a Santa Rita, pensei numa missão redentorista. Ela poderia muito bem modificar a face da terra. Foi o que fiz. Parti para Aparecida e lá, com a ajuda de padres muito amigos, consegui o que parecia impossível: uma missão para setembro (15 dias), mas com apenas 3 padres, já que a Congregação não tinha outros missionários disponíveis no momento.

A princípio, correu tudo bem. Os Missionários ficaram contentes com a receptividade dos fiéis, já que chegaram prevenidos com as notícias alarmantes sobre Santa Rita. Eu, no entanto, percebi que aquela aparente trégua dos meus inimigos era prenúncio de lutas à vista. 

Nos últimos dias, começaram os insultos. Do cinema, justamente à hora da pregação dos missionários, a sirene tocava irritantemente com intuito premeditado de abafar os altofalantes da Matriz. Para agravar ainda mais a situação, bandos de motoqueiros começaram a rodear a praça, todas as noites, bem na hora das pregações. Como se não bastassem as afrontas, a fase elétrica por onde vinha a força para a igreja, passou a ser interrompida diversas vezes, tendo o missionário que parar a sua pregação.

Para o último dia das missões, estava marcada uma Apoteose. Às 8 da noite, o missionário avisaria os fiéis sobre a iluminação do Santo Cruzeiro, colocado no alto da Rua Nova. À tardinha, porém, o Zé do Quiqui bisbilhotou pelos arraiais da Companhia Sul Mineira de Eletricidade e ouviu o seguinte: a apoteose não se realizaria. O vigário e os missionários ficariam decepcionados ao anunciar a iluminação do Cruzeiro. Os Empregados da Cia já estavam encarregados de interceptar a iluminação.

O Padre Antônio não perdeu tempo. Sumiu e ninguém ficou sabendo onde ele foi. Ele, o Zé do Quiqui e mais o meus compadres Aprígio e Antônio do Sobradinho, às escondidas, pelos fundos do quintal do Sr. Olavo Marques, improvisaram uma rede com fios emprestados pelo Sr. Nilo Silva, então dono do armazém de café da Rua dos Marques. 

Às 8 e meia, com um atraso de meia hora, o Missionário avisou: “Agora, vamos olhar para o alto, que aparecerá a grande apoteose!” Ao som do terceiro foguete, lá nos Marques, o Aprígio e o Antônio ligaram a chave secreta, nos fundos do quintal do Sr. Olavo Marques. Acenderam-se as luzes!

Minutos depois, estando o chefe dos missionários fazendo a despedida, passaram os motoqueiros que foram barrados atrás da igreja, onde os Marianos haviam colocado uma corda de um poste a outro, em frente à residência do Sr. Zico Rennó. Em seguida, entrou a sirene do cinema com seu som ensurdecedor, abafando a voz do Missionário. Este, então, não aguentou mais. Armou-se o desastre total.

Enquanto recolhíamos o andor e retirávamos do púlpito o Missionário transtornado, uma voz levantou-se no meio da multidão: “Vamos ao cinema! Vamos defender Nossa Senhora Aparecida!” 

Enquanto acomodava os Missionário na Casa Paroquial, uma multidão de homens se aglomerou em frente ao cinema. Os homens foram obrigados por suas mulheres a se armarem e engrossaram a multidão. Em frente ao cinema, soldados trazidos pelo delegado defendiam os que estavam no interior do prédio, cuja sessão estava prestes a acabar. A maioria daquela gente nada tinha a ver com o que se passara lá fora.

O Coronel Francisco Moreira acudiu logo ao local da catástrofe que era iminente. Ouviu, então, um dos soldados que lhe disse: “Coronel, dê um jeito nisso, senão viramos os fuzis para eles.” O Seu Chico pediu que tivessem um pouco de paciência, até me encontrar, pois eu era o único homem capaz de controlar a situação. O sargento voltou a dizer: “Coronel, nós esperamos 15 minutos. Peça ao Seu Cônego que haja com presteza senão vai haver uma sangueira dos infernos. Enquanto o Sr. não voltar, daqui ninguém sai e ninguém entra.”

Em 10 minutos, enquanto o Coronel voltava para avisar o sargento, proclamei pelos altofalantes: “Eu vos peço que se retirem da praça imediatamente. Se não for atendido, ama-nhã mesmo irei com os Missionários embora daqui, deixando para sempre a minha querida Santa Rita!” 

Imediatamente, a praça começou a esvaziar-se. Corri ao cinema. Lá, me ajuntei ao Cel. Moreira, ao Juiz de Direito Dr. Alcino Dantas e mais alguns senhores que apaziguaram os exaltados. Quando abriram as portas, os que estavam dentro, repletos de medo, saíram graças à minha intervenção e do Seu Chico. Tudo era paz.
Ao acabar tudo, voltei à Casa Paroquial. Antes, passei pela Matriz e, diante do SS Sacramento, apenas pude balbuciar: “Obrigado, senhor...”

O relato de Marly Fontes 
(Neta da proprietária do Cinema - Dona Maricotinha)

Marly Fontes é neta de Dona Maricotinha, a proprietária do cinema durante aquele acontecimento que parou a cidade. Em sua obra, “Casos e Causos”, ela conta como sua família entendeu o acontecido. Leia, a seguir, trechos de seu relato:

Conta-se que, certa vez, um padre missionário veio à cidade para pregar na igreja. O missionário começava a pregar no final da tarde, comecinho da noite e, como de hábito, a sirene do cinema tocava por três vezes, avisando do início da sessão. O Padre se incomodava muito porque, em meio ao seu sermão, ao ouvir a sirene, muitos fiéis deixavam a igreja. O padre foi, aos poucos, convencendo os fiéis a não irem mais ao cine-ma, devido às cenas de beijos que havia sempre nos filmes. Aos poucos, parte da população foi tomando o partido do padre, chegando ao cúmulo de planejar apedrejar e invadir o cinema. Minha avó, tendo sido avisada de que o assalto seria em determinada hora, convocou o tio Chico Moreira e seus irmãos, Benedito, Zico e Rennozinho para auxiliá-la. No momento da invasão, aqueles homens sérios e respeitados por toda a população, simplesmente se colocaram defronte do cinema. Posso imaginar a cena: aqueles homens de terno, gravata e colete, o traje comum da época, sem armas nem nada nas mãos para se defender. Simplesmente com sua coragem, passaporte da decência, aguardando os invasores. Ao vê-los, as pessoas que chegavam para o ataque com pedras e paus foram, aos poucos, desistindo de seu intento e se recolhendo aos seus lares. Essa história me foi contada por diferentes pessoas, mas todos unânimes em afirmar que o que demoveu a população do ataque foi a presença séria dos meus tios-avós.

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