terça-feira, 3 de maio de 2011

O primeiro voo de Hermes Moreira

Hermes prepara-se para pilotar Caça da Força Aérea Brasileira.
 O senhor tem origem humilde?

Papai era ferroviário. Entrou na Rede Mineira de Viação aos 16 anos e mais tarde foi transferido para Santa Rita. Quando viemos de Borda da Mata eu tinha 4 anos. Frequentei pela primeira vez a escola aos 6 anos. No último ano do primário, a minha mãe me matriculou na Escola Santa Terezinha, que ficava onde hoje é o Edifício Mendonça. Essa escola era particular e até o terceiro ano minha mãe pagava. Na ocasião, eu não sei como ela conseguiu que Sinhá Moreira custeasse meus estudos. Dali pra frente, comecei a estudar por conta dela. Depois do quinto ano do primário, continuei até a quarta série do ginásio, na Escola Normal, e trabalhei com o senhor Vladas. Eu tinha 14 anos e tomava conta do bar que ficava em um porão em frente ao cinema. Saía da escola e servia algumas figuras como Clarivaldo, Zé Pipoca e outros frequentadores que ficavam lá até as duas da madrugada. No outro dia, às sete horas da manhã, estava eu na escola. Ainda assim, era sempre o primeiro ou o segundo da turma.
Hermes e sua esposa em visita do Papa João Paulo II ao Brasil.
Quando o senhor tomou contato com a aviação?

Certa vez, em outubro de 1953, o Chico Moreira fez um campo de aviação nas terras do pai do Zizinho. Ele comprou com o dinheiro dele o terreno e pediu ao Chiquito Garcia que criasse uma pista de 1300 metros. Quando terminou o serviço, disse que só entregaria a pista de pouso se o Ministro da Aeronáutica viesse inaugurar. Para isso, pediu ao genro, o deputado Bilac Pinto – da UDN – que fizesse o convite. O deputado foi ao ministério e conversou com o chefe de gabinete sobre a possibilidade de Nero Moura vir para Santa Rita. Muito tempo depois, esse ministro teve uma ligação muito forte comigo e até passou alguns dias na minha casa, três meses antes de falecer. Bilac Pinto esperou uma semana, dez dias, duas semanas, e resolveu ligar novamente ao gabinete. Ele soube que teria a resposta em dois dias, pois o ministro teria uma reunião muito importante com o presidente antes disso. Em conversa com Getúlio Vargas, Nero Moura comentou sobre uma cidadezinha no Sul de Minas chamada Santa Rita que havia feito um campinho e que pedia a presença dele. O presidente então falou: “Ô Nero, em Santa Rita tem um deputado chamado Bilac Pinto. Vá em homenagem a ele!” E Nero respondeu: “Mas ele é da UDN!” (Partido de oposição). E Vargas disse: “Sim, mas é o deputado mais sério que existe dentro do partido. Esse é um inimigo que eu respeito!”
No dia 12 de outubro, ele pousou em um avião Douglas C47 e vieram mais dois aviões T6. Chegou às 10 horas aqui com as escolas todas na rua, tremulando bandeirinhas. O ministro almoçou na casa da Sinhá e, às duas horas da tarde, voltou para o Rio. Ele deixou dois chefes de gabinete para assinar a documentação de recebimento do campo de aviação e sua transferência para a prefeitura. Quando deram seis e meia da tarde, a Dona Maria José me chamou e pediu para que reunisse meus colegas para conversar com a Sinhá. Às sete horas, chegamos lá e fomos apresentados como estudantes da cidade. Veja só como são as coisas... Sinhá Moreira apresentou aqueles capitães vindos com o ministro que contaram a ela que a aeronáutica havia aberto uma escola que preparava alunos para a Academia da Força Aérea. A escolha era feita por concurso e as provas seriam em São Paulo. O capitão então perguntou se nós gostaríamos de fazer a prova e nós dissemos que sim.
Inauguração do Campo de Aviação pelo Ministro Nero Moura.
Como foi a viagem?

Alguns dias depois, Sinhá Moreira nos falou: “O exame será no dia 5 de janeiro e já está tudo acertado. Já comprei as passagens para vocês irem às sete da manhã.” Fomos de jardineira, debaixo de um temporal, passando por Cachoeirinha e Ouros para chegar às cinco horas da tarde em Paraisópolis. De lá, embarcamos em um ônibus que nos levaria até São José dos Campos. Dez horas da noite pegamos outra baldeação e só foi chegar ao seu destino por volta da meia noite. Quando botamos os pés em São Paulo, havia um senhor, com dois carros pretos, esperando a gente. Ele tinha uma lista com os nomes de cada um de nós e foi chamando um a um. O homem era ninguém menos que Walter de Carvalho, o gerente do Banco Nacional na capital paulista. Dona Sinhá tinha pedido e ele que nos recebesse.

Como foram as provas?

As provas eram enormes. Tivemos exames a semana inteira, alojados na Base Aérea. Português, ciências, história, geografia, inglês e Francês. Eram 1800 alunos para 120 vagas. Ao terminar a seleção, nós debandamos para Santa Rita e ficamos esperando o resultado. Passou o mês de janeiro todo e nada. No dia 5 de fevereiro, o papai estava na estação daqui de Santa Rita quando o Lima, que era o chefe dos Correios, disse: “Alcides, você viu o jornal? Parabéns, heim! O Hermes passou!” Eu deveria ter me apresentado no dia dois de janeiro e fui correndo falar para a Dona Sinhá. Ela perguntou como é que eu não tinha visto e eu contei que o telegrama devia ter se extraviado.
As filhas de Hermes brincam com o Presidente João Figueiredo.
Os exames continuaram?

Sim. Quando cheguei a São Paulo, fui fazer um exame de saúde na Policlínica da Aeronáutica e um dos médicos disse que eu deveria fazer uma operação de amígdala. Eu disse a ele que se me operassem eu toparia. Eu fui para um hospital no Campo de Marte, onde o cirurgião era o próprio médico que havia me examinado. Naquela época, eles colocavam um laço de aço na amígdala e cortavam. Eu passei 10 dias no hospital. A comida era pão, água e leite. Perdi 10 quilos e saí de lá um caco.

Depois disso, teríamos que fazer um exame psicotécnico no Rio. Estava lá, operado, sem um tostão no bolso e fiquei desesperado quando soube que teria que viajar sem dinheiro. Decidi então ir ao Banco Nacional e falar com o doutor Walter. Quando cheguei, vi que era um banco monstruoso. Ao me dirigir ao balcão de atendimento pedi para falar com ele:

- Eu queria falar com o gerente.
- Quê?
- O gerente não é o Doutor Walter? Eu queria falar com ele...
- Você é de onde?
- Sou da terra dele. Ele me esperou na rodoviária outro dia para fazer o exame da aeronática.

Quando eu falei que fiz prova na aeronáutica, um homem sentado em um banco, ao lado do guichê, perguntou: “Você está indo estudar em Barbacena? Eu sou sargento da aeronáutica! Eu sirvo aqui no quartel na Zona F.” E eu disse: “Eu to hospedado lá! Comendo o pão que o diabo amassou!” Ele riu e falou: “É assim mesmo... Para quem está começando é desse jeito. E você está querendo falar com o gerente? Saiba que estou esperando há 3 horas para falar com ele e nada! Ninguém fala com ele fácil não!” Nesse momento, eu pedi à atendente para dizer que era o Hermes Moreira. Sabe o que aconteceu? Quando ela contou que eu estava lá, uma porta enorme de carvalho se abriu, o Walter saiu e gritou: “Vem cá menino!” O sargento olhou pra mim com uma cara assustadíssima. Daí eu disse que precisava ir ao Rio de Janeiro fazer exame psicotécnico e que não tinha nenhum dinheiro. Ele me perguntou quanto eu precisava e eu falei que queria um dinheiro para ficar no bolso, uns cinquenta mil Réis. Sabe quanto ele meu? Quinhentos mil Réis! Era dinheiro a dar com o pau! Valeria uns cinco mil Reais hoje. Eu perguntei como faria para pagar e ele me disse para deixar com ele. Nunca mais vi aquela conta.
Hermes (Primeiro à esquerda) em recepção à Miss Universo.
Eu fui para o Rio de Janeiro, fiz o psicotécnico e depois viajei para Barbacena, onde estudaria. Papai só me viu em maio, quando foi a Belo Horizonte e passou para me visitar. Estudei o primeiro e o segundo ano do segundo grau em Barbacena. No terceiro, já nos transferiram para a escola de aeronáutica, no Rio de Janeiro. Nessa época eu saí como aspirante e iniciei o curso na escola de aeronáutica ali mesmo. De lá, fui para Fortaleza e voei nos primeiros caças que haviam no mundo. Éramos nove pilotos de caça e, ao terminar o curso em Fortaleza, voltei para o Rio como instrutor. Nessa época, eu me encontrava muito com a Sinhá Moreira que estava no Rio de Janeiro para fazer um tratamento de câncer. Uma noite, liguei para a casa da Dona Carminha e pedi para visitar a irmã. Eu saí da casa de um colega meu e levei uma amiga – noiva dele. Fomos ao encontro de Sinhá Moreira. Dona Carminha morava em uma casa na Vieira Souto. Hoje, no local, está construído um prédio e diversos santarritenses têm apartamento lá. Quando chegamos, Bilac não se encontrava. Estavam apenas Carminha e Sinhá. A sala era uma penumbra. Ao começarmos a conversar eu disse que estava indo embora e que estava muito alegre e ela quis saber das minhas peripécias. Conversamos das oito às onze da noite. Na despedida, quando nos levou até o portão, Sinhá olhou para a minha amiga e perguntou: “É noiva?” Eu disse que não e ela respondeu: “Você tem que se casar com uma moça de Santa Rita, viu?”. Três meses depois, Sinhá faleceu.

Um pouco da carreira de Hermes Moreira, nos anos que se seguiram:

Em 65, Hermes foi para Pirassununga, onde trabalhou como chefe de manutenção e instrutor. Casou-se no mesmo ano com Regina, em Santa Rita – com quem teve três filhas. No dia da cerimônia, diz a lenda que um piloto que veio assistir ao casamento, teria passado com um avião por baixo da ponte velha. Em 1976, Hermes fez o curso de Estado Maior no Rio. Em 1978, tornou-se diretor de ensino na Base Aérea de São Paulo. Em 1979, passou a comandar a Base Aérea de BH e, três anos mais tarde, foi nomeado subcomandante da Base de Natal. Em 1984, fez o curso de política estratégica aeroespacial na Escola do Estado Maior e, no ano seguinte, tornou-se vice-chefe da aeronáutica no gabinete presidencial. Com a morte do presidente Tancredo Neves, viajou com José Sarney por dois anos até ser designado Adido da Aeronáutica em Paris, onde morou até 1989. No retorno ao Brasil, se tornou Vice Chefe da Secretaria de Inteligência da Aeronáutica e Chefe do Centro de Comunicação Social. Em 1990, o presidente da República o nomeou Brigadeiro. Dois anos depois,  foi subchefe do Enfa, hoje Ministério da Defesa. De 92 a 93, com a patente de Major Brigadeiro, foi comandante do 5º Comando Aéreo Regional, em Porto Alegre. Em 1996, mudou-se para Brasília onde ocupou o cargo de subchefe de ensino aéreo. Após 46 anos de FAB, ocupando alguns dos mais altos postos da carreira militar, em 1997, Hermes entrou para a reserva e voltou para a Santa Rita do Sapucaí, onde vive até os dias de hoje.

11 comentários:

  1. Nunca me canso de ler a história da vida deste grande homem!
    Meu pai é um homem maravilhoso, de quem tenho muito orgulho!!!
    Obrigada por esta linda homenagem!

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  2. Muito obrigada por esta linda homenagem ao meu pai.
    Homem valente, guerreiro, honesto, batalhador, que só nos orgulha!
    Ele é exemplo para mim e toda minha família!
    Amo demais este meu velho!!!
    Parabens pela reportagem!
    Mais uma vez obrigada!
    Juliana Moreira Hupalo

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  3. Olá Juliana!
    Realmente, seu pai tem uma das histórias mais interessantes e bonitas que já vi. Daria um excelente filme! Um abraço a todos de sua família e obrigado pela visita!
    Carlos Romero.

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  4. Realmente o nosso País precisa de mais pessoas com esse caráter coisa rara hj em dia, parabéns pelo exemplo que é o pai de vcs. Da amiga Bia Carvalho...

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  5. Marianna Moreira Parry16 de maio de 2011 às 12:33

    Realmente! Esse homem é um homem de garra e persistencia. Veio de uma familia humilde e chegou aonde chegou! Tenho muito orgulho dele ser meu avô!
    Obrigada pela homenagem à ele
    Marianna Moreira Parry

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  6. Conhecí o brigadeiro Hermes Moreira em Fortaleza,Ceará em 1960, quando lá estive passando uma temporada.Na época um jovem oficial.Soube que esteve doente. Gostaría de saber noticias...

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  7. O então Major Av.Hermes Moreira foi meu Comandante, na Escola de Especialistas de Aeronáutica (E.E.Aer) Guaratinguetá/SP, em meados dos anos 70. Oficial de grande gabarito, muito respeitado pelos seus superiores hierárquicos, pares e subordinados. Homem sério e disciplinador, mas de um CORAÇÃO altamente generoso. Não nos via, apenas, como Alunos, mas como Jovens que ali chegava para se profissionalizar e se tornar homens de BEM, por isso, tive o privilégio de ficar atento em tudo que Ele nos preconizava, nas suas palestras, nos preparando para sermos vencedores no campo Pessoal e para o Futuro da Força Aérea Brasileira e do Brasil. Tempos Bons... Onde o Senhor estiver Brig. Moreira, Deus continue o iluminado. Valeu apena seus ensinamentos. ANTONIO BRITO

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  8. Grande perda para todos nós que tanto reverenciamos como um grande herói, descanse Deus está te esperando.Lourival gomes cruz.Locutor da santa Rita FM

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  9. Grande perda para nossa gente, descanse Deus está te esperando.

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  10. Uma estrela nunca morre, ela so muda de lugar!

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  11. Conheci Hermes Moreira no Rio de Janeiro, em casa de amigos comuns. Sabem o que ele me perguntou? E a Regina do Dr Arlete, como vai? Já era apaixonado por ela...Logo depois veio a Sta Rita e começou o namoro que durou até que ele partiu para o Céu. Grande amigo de minha família, seu coração era do tamanho do mundo. Que descanse em Paz, no Reino de Deus.

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