domingo, 13 de dezembro de 2015

Sadiah Rafiz, uma muçulmana em Santa Rita

Conte-nos um pouquinho sobre a senhora?

Moro em Santa Rita há 6 anos. Sou brasileira, casada com um egípcio que conheci em uma Mesquita. Meu marido é um empresário no Cairo. Sua empresa é do ramo de produtos descartáveis, preservativos e produção de materiais plásticos que são exportados para todo o Oriente Médio. Além de empreendedor ele também é arqueólogo.

Como foi sua vinda para Santa Rita?

Minha irmã, moradora de Santa Rita, não estava em condições financeiras boas e eu vim para ajudá-la. Depois disso, minha mãe teve um AVC e acabei ficando para cuidar dela. Atualmente, minha irmã trabalha na prefeitura de Santa Rita do Sapucaí.

O restante da sua família também é muçulmana?

Apenas eu sou Muçulmana. Minha mãe é católica e  minha irmã é protestante. Eu frequento as Mesquitas de Taubaté e Santo Amaro .

Como conheceu o Islã?

Primeiro, eu fiz história na USP, sou historiadora. Em seguida, estudei geografia, também na USP, mestrado em Geologia Isotópica e cursei pedagogia nos anos em que dirigi uma escola em São Paulo. Quando terminei estes cursos, comecei a cursar Teologia na Universidade Braz Cubas, em Mogi das Cruzes e me apaixonei pelo islã. Desde então, tornei-me Muçulmana.

O que diz a sua crença?

Acreditamos em Alá como o único Deus. Minha religião prega apenas amor, misericórdia, verdade e paz... tão somente isso. Segundo minha crença, temos que ser misericordiosos para com todos. Minha religião não prega violência ou guerras, muito pelo contrário. O Islã diz que “Maldito é aquele que derrama o sangue.”

Qual é a direção de Meca em Santa Rita?

Se pegarmos como referência a Prefeitura, diria que a direção de Meca seja a estátua de Santa Rita, na entrada da cidade. É para lá que eu me dirijo durante as cinco orações que eu faço por dia.

O que vocês pensam sobre os atentados como o acontecido em Paris?

O que está acontecendo em Paris e no mundo Oriental tem sido feito por pessoas doentes. Eles não são verdadeiramente muçulmanos e não seguem os ensinamentos do Islã. Na minha opinião, eles foram criados pelos Estados Unidos que têm uma gana muito grande de dominar o mundo e controlar o petróleo. 

A senhora já foi hostilizada por aqui?

As pessoas que me chamam de “mulher bomba”, “esposa de Bin Laden” e outros adjetivos são infelizes porque desconhecem a minha religião, não buscam conhecimento ou porque querem mostrar aos outros que são capazes de me ridicularizar.
Mas é tratada bem, de maneira geral?

As pessoas me abraçam, me chamam de princesa e me tratam muito bem aqui em Santa Rita. Aqui, sou conhecida como “A Muçulmana” e todos os comerciantes gostam muito de mim. Acontece que, em alguns casos, sofro certo tipo de hostilidade que, vez ou outra, me contraria. As minhas caminhadas, por exemplo, tive que parar porque, na minha rua, havia um rapaz que me hostilizava. Na semana passada, um jovem passou de moto e gritou “Ela é islâmica! Cuidado com a bomba!”. Não são todas as pessoas. São apenas alguns jovens que não sabem o que é ser uma mulher Muçulmana.

Poderia contar algum caso de ofensa?

Há alguns dias, fui comprar algo em um comércio e um homem disse, talvez por inocência, pra eu deixar a bomba antes de entrar no local. Já no supermercado, aconteceu uma coisa horrível. Um funcionário ficava me seguindo. Como eu ligo o tempo todo para casa para saber como está minha mãe, quando eu fui guardar o celular, fui abordada por ele. O rapaz me pediu para que abrisse a bolsa que queria examinar. Naquele momento, eu procurei o gerente, contei a história a ele e pedi que chamasse a polícia para que pudesse mostrar o que tinha na bolsa e, posteriormente, tomar minhas providências. O gerente, que já me conhecia de longa data, ficou horrorizado com o acontecido e me pediu muitas desculpas. Eu gosto muito deste supermercado e dos funcionários... creio que aquele foi um caso isolado. 

Gostaria de deixar claro que não sou hostilizada pelo povo de Santa Rita. Pelo contrário, sou muito bem tratada. O que acontecem são casos isolados, com pessoas mal esclarecidas. Algumas pessoas me chamam de irmã, imaginando que eu seja um freira e eu conto que sou muçulmana. Isso não me incomoda, já que o Islã nos ensina a tratar com respeito todas as religiões. 

Poderia nos contar sua visão sobre a cidade?

Eu lamento que esta cidade tão acolhedora e tão boa tenha dois aspectos que considero negativos. Em primeiro lugar, é a desarborização. Enquanto, no Cairo, você tem temperatura de mais de cinquenta graus e a sensação térmica não é tão grande por conta da brisa gerada pelas árvores, em Santa Rita, temperaturas muito menores fazem as pessoas sentirem um calor muito grande. Em segundo lugar, vejo como a falta de opções para os jovens. Porque os jovens não são apenas aqueles que têm dinheiro para se divertir em Pouso Alegre. Muitos ficam por aqui e precisam de divertimentos. Eu vi algumas vezes, nos finais de semana, os jovens menores de idade tomando vinho no gargalo e achei um absurdo aquilo. Nos países muçulmanos, isso não acontece e gostaria que fosse assim por aqui também.

A senhora está indo embora da cidade?

Eu vou embora no dia 15 de janeiro porque a minha casa é no Cairo. Tenho filho e marido no Egito e minha casa verdadeira não é no Brasil. Eu gosto das pessoas daqui, mas preciso voltar para o meu lar. 

E pretende retornar algum dia ao Brasil?

Sem arrependimentos, eu não volto mais porque, se eu estou em São Paulo, corro o risco de ser hostilizada no reduto dos judeus. Se chego à rodoviária de lá, os jovens também me atacam. 

Embora o Brasil não tenha conhecimento disso, temos um milhão e seiscentos mil muçulmanos no país. O Islamismo é a religião que mais cresce por aqui. Para se ter uma ideia, na França há um milhão de muçulmanos. 

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