sábado, 19 de dezembro de 2015

Santa-ritense esteve em Mariana e conta o que viu (Por Kátia Gomes)

Aquele foi um dia muito triste, e estar ali de pé diante daquele estrago, mexeu comigo de um jeito que não sei explicar. Eu chorei e pedi perdão! Para quem? Perdão a Deus, ao planeta e a toda energia que me cerca e que parecia estar de luto naquele silêncio mórbido, cheio de destruição e morte.
Não tenho orgulho das imagens que fiz em Bento Rodrigues - Distrito de Mariana, em MG. Fui até lá sem saber o que encontraria e na intenção de registrar em imagens o ocorrido, mas o que ficou ali depois da lama é tão feio que hoje não tenho orgulho nem de ser quem sou… Não é possível ter a dimensão sem estar, sem sentir a tristeza até no canto dos pássaros que insistiram em ficar nas árvores ao redor. 

Chegamos a Mariana na terça feira, 17 de Novembro, por volta das 12 horas. Fomos recebidos pelo Tavo amigo do Caio Amado (EntãoToma Produções) que foi comigo para registrar em vídeo a tragédia. Logo na entrada de Mariana já notamos uma grande movimentação de carros, muitos caminhões com doações e muitas pessoas andando de um lado para outro. Nossa primeira parada foi o local onde estão recebendo as doações. Deixamos o que foi enviado pelas pessoas de Santa Rita e, enquanto estivemos lá, doações não pararam de chegar em carros com placas de diversos lugares. Um galpão gigante, lotado de tudo que se possa imaginar e muitos voluntários ajudando na organização. 

Saímos de lá com instruções de como chegar e fomos em direção a Bento Rodrigues onde não se nota visualmente qualquer problema até uma determinada curva, onde, de repente, se abre uma cratera que os olhos não alcançam o final do estrago e continuar de carro se torna impossível. Largamos o carro ali, atravessamos um trecho onde parecia seguro e onde percebe-se, passava uma ponte e um rio que se funde com a lama. Para nós que não conhecemos a região antes do desastre fica bem difícil saber o tamanho do rio que antes passava por esse trecho. Seguimos uns 30 minutos caminhando de galochas, por uma estrada lateral à margem dessa cratera de lama onde parece que um meteoro caiu. Chovia, e nós seguimos por essa estrada querendo ver Bento Rodrigues que havia sido diretamente afetada e, mais uma vez, depois de uma curva, se leva um susto. Uma cratera ainda maior, mas agora com casas e carros no meio dela e um caminho de lama e destruição que não acaba até onde a vista alcança. De onde ficamos fotografando e filmando é possível ouvir o barulho de máquinas trabalhando vindo de algum lugar. Pensamos em tentar chegar ao vilarejo, mas encontramos dois rapazes que nos alertaram do perigo em tentar cruzar a lama. Esses mesmos rapazes nos contaram que o aviso que salvou as pessoas de uma tragédia humana ainda maior veio de uma mulher que trabalhava na Vale e que chegou de moto até o Vilarejo. Foi ela que deu o alarme para que as pessoas abandonassem tudo e fugissem, porque a barragem havia rompido. Segundo eles, a lama tomou conta de tudo e de maneira muito rápida, mais ou menos uns 40 minutos depois do aviso. 

O que ficou para mim depois de ver aquele local destruído é muita vergonha de fazer parte de uma raça que explora, em nome da própria sobrevivência e luxúria. Uma raça que vem acabando com todos os recursos deste planeta lindo e incrível que não precisa de nenhum de nós para absolutamente nada.

Não tenho aqui intenção de defender ou julgar quem quer que seja. Na minha dispensável opinião, essa tragédia é tão culpa da Vale, Governo e Samarco quanto de todos nós em nossa vida moderna que precisa de cada vez mais recursos naturais para manter um estilo de vida que vai acabar por destruir o planeta, e isso certamente me inclui.  Eu nunca nem pensei em cobrar que fiscalizações fossem feitas e, até ontem, nunca tinha parado para pensar que um mísero alarme nos vilarejos próximos a essas barragens poderia salvar a vida das pessoas no caso de um acidente. Eu também adoro carros americanos com seus mega motores e tração 4x4 que precisam de 1 litro de gasolina para percorrer 5 míseros kms; eu também tenho smartphone; uso internet; consumo produtos servidos em latas e garrafas pet. Fazemos todos parte desse cotidiano industrializado que precisa dos recursos que dali e de tantos outros lugares do mundo são retirados de maneira vil e indiscriminada. Se por um lado é, sim, muito bonito ver todas aquelas doações para os atingidos, e todo o esforço das pessoas em todos os cantos do nosso país e do mundo para minimizar o sofrimento daquelas famílias, também é muito triste perceber que não conseguimos, enquanto humanidade, existir sem matar nosso maior bem e coexistir com a natureza. 

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