Paris, em um dia qualquer de dezembro de 2013. Estava nessa
cidade, a qual tenho por hábito revisitar a cada dois anos. Desço do metrô na Praça
San Michel, no coração do bairro famoso pelas livrarias, cafés, pelos
majestosos jardins de Luxemburgo e pela Universidade de Sorbonne que lá se
localizam: o Quartier Latin. O frio estava de lascar. Entro num café e faço, ao garçom, num francês hoje fluente,
meu pedido:
─ Por gentileza, um bolo Madeleine e um chá quente.
Não se passaram mais que cinco minutos e lá veio o simpático
garçom com minha solicitação prontamente atendida. Um bolo Madeleine, uma xícara
de chá e Paris. Tudo se encaixava com o maior romance — em tamanho e
envergadura — escrito pelo grande escritor francês do século XX: Marcel Proust.
Marcel Proust, no seu magistral "Em Busca do Tempo Perdido",
expressa, em seis volumes, que totalizam 3 mil páginas, o lento passar do tempo
naquela bucólica, mas já cosmopolita Paris do início do século XX, tão repleta
de saraus, de passeios a pé pela Avenida dos Campos Elísios.
Degustar uma xícara de chá, para ele, era como voltar à sua primeira
infância, passada na pequena Combray, quando Proust lá passava as férias na
casa da avó. A vida de criança, as primeiras paixões da adolescência, a vida
adulta em Paris, enfim: o lento passar do tempo vinha à memória deste grande
escritor, enquanto tomava uma xícara de chá, saboreando um Madeleine. O lento e
contínuo fluxo do tempo transcorria.
Confesso que, estar em Paris e repetir o hábito de Proust,
já tendo enfrentado sua obra-prima, veio-me à memória a minha Combray dos
tempos em que eu era ainda um jovem estudante na pequena e agradável Santa Rita
do Sapucaí.
Ao primeiro gole e à primeira mordida no Madeleine, vieram-me
cenas do frio de maio, quando eu subia a pé a João de Camargo. Eu ia atrás, na minha
frente, seguia um jovem estudante de
uma turma anterior à minha e que, anos mais tarde, tornar-se-ia um grande
gestor do nosso querido Inatel: Wander Chaves. Parece que foi ontem, quando,
pela João de Camargo, eu trafegava e via o nosso querido professor Justino
montado na sua Brasília conduzida vagarosamente. Jaleco branco... a barba preta
ornamentava uma alma generosa e ávida por nos transmitir seu imenso conhecimento.
Na descida da João de Camargo, a primeira pessoa que me vem à memória, enquanto
aprecio meu chá, é a figura mãe dos estudantes que nossa querida dona Hespanha
representava para muitos de nós que tivemos o prazer de conhecê-la. Sua figura
maternal, na janela de sua casa, vendo os estudantes saírem da escola permanece
viva em mim até hoje. Descer a João de Camargo era parar no bar do primo ou do
Didi para tomar uma Coca-Cola e degustar um delicioso salgadinho ou, então,
parar em frente da casa de meu saudoso amigo Mauro Longuinho para bater um
papo.
Continuo a mexer minha xícara de chá e a apreciar mais um
pedaço do Madeleine. A imagem que agora embevece meu rememorar de vida santaritense
se centra na figura do nosso amigo Rosário Perrota, pai do Giovanni. Parece que
foi ontem. Lá estava eu tomando aquela deliciosa coalhada com maçã servida no
seu estabelecimento comercial. Lá eu também comprava revistas ou simplesmente jogava
conversa fora com seu Rosário e sua encantadora esposa. De quem também me
lembro é da saudosa figura do Candião, com seu restaurante na rodoviária, no
qual, bom de garfo que sempre fui, almoçava todo o santo dia. Como também se
torna uma viva lembrança, para mim, a Casa Marques, de meu dileto amigo José Élcio
Marques, também, conhecido, carinhosamente, pelo apelido de Brechó. Brechó é pessoa
generosa, um amigo de toda uma vida. Até hoje, quando a saudade aperta,
mantenho conversas ao telefone com ele e sua família. Morei bem uns três anos
nos fundos de seu estabelecimento. Estão ainda vivas dentro de mim nossos dedos
de prosa no findar da tarde.
Mais gole de chá, acompanhado de mais uma degustada no Madeleine,
fazem-me lembrar outra figura generosa dos anos vividos na terra de Sinhá
Moreira: o Modesto e sua lanchonete. Para lá ia eu todas as noites apreciar o melhor sanduíche e a
melhor vitamina da cidade. O bar do Wladas, com seu bife delicioso, que valia
ouro, acompanha meu paladar até os dias de hoje.
Mais um gole de chá, acompanhado de um pedaço do Madeleine,
agora, fazem-me recordar alguns de meus colegas vivos ou que já se foram que
habitavam a pequena Santa Rita. É o caso do mais espirituoso deles, o Francisco
Martins Portelinha, hoje, professor da Universidade Federal de Itajubá. Do
magnata Toninho Maglioni, dono do supermercado Alvorada; do sempre risonho Cláudio
Dias da Costa; e daquele cuja timidez e inteligência caracterizavam seu ser: o
Carlos Guerra Godoi. Outro colega do qual não me esqueço é do Flavinho Ulhôa.
Este exalava em todos nós aquela tranquilidade típica dos monges tibetanos. Pena
não estar mais entre nós um de meus mais próximos amigos e do qual me tornei um
habitué de sua casa nos meus tempos de Inatel: o Benedito João Maia Costa.
Um derradeiro gole de chá e uma última degustada no
Madeleine me trazem uma última lembrança de meus tempos juvenis na pequena e
aprazível Santa Rita. Vem-me na lembrança a figura de meus amigos Cesar Romero,
tio do Carlos Romero do Empório de Notícias, e do seu amigo, que se tornou
também uma boa lembrança neste meu rememorar da vida, na terra de Voltaire: o meu
vizinho Clemilton, que hoje reside na vizinha Cristina. A vida é fluxo contínuo,
em que sempre é bom trazer à memória a lembrança de pessoas pelas quais nutrimos
sentimentos que nos conduzem leveza quando delas nos recordamos.
Termino meu deliciar do bolo Madeleine, acompanhado de uma xícara
de chá. Pago a conta. O frio não impede de tomar novamente o metrô e seguir
para o bairro dos artistas, Monmartre, para agora me deleitar com belas obras
de arte expostas nas ruas do bairro ao som dos realejos. Só mesmo Paris para
nos fazer saudosistas de tempos que se foram. São coisas como essas, regadas
com deleite, que as obras dos artistas de rua e de museus como o Louvre nos
proporcionam e fazem da cidade luz um lugar único o qual tem de ser sempre
revisitado. Quando nos cansamos das lembranças que nos marcam e do apreciar o
que está implícito numa verdadeira obra de arte que rega nossos espíritos é
porque simplesmente cansamos de apreciar o belo. Sem o apreciar do belo e as
recordações que carregamos dentro de nós, vive-se uma vida que não merece ser
vivida.
Salatiel Correia é Engenheiro,
Administrador de Empresas, Mestre em
Planejamento Energético. É autor, entre outras obras, do livro A Energia na Região
do Agronegócio.
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