terça-feira, 9 de julho de 2013

Três gerações da família de um italiano que virou palhaço, trocou de nome e fez história

Vitorino Franchini chegou ao Brasil na última década do Século XIX junto com uma multidão de imigrantes italianos que desembarcaram no porto do Rio de Janeiro. Aos seis meses de idade, perdeu a mãe e uma irmã, vítimas da peste e foi adotado por uma família que mantinha uma gráfica na Rua do Ouvidor. Apesar de todo o carinho que recebeu de sua nova família, o garoto soube que seus outros irmãos haviam se mudado para a cidade de Pedreira e decidiu que queria conhecê-los, quando ficasse mais velho.
Certo dia, ao ver que um circo iria partir da então capital do Brasil para percorrer o interior, decidiu que aquela poderia ser uma boa maneira de encontrar os irmãos e pediu emprego aos saltimbancos.

No dia seguinte, as imediações da Rua do Ouvidor amanheceram coalhadas de panfletos que seus pais adotivos imprimiram às pressas, em busca do rapaz. Tarde demais. A caravana já havia partido e Vitorino perdeu-se entre as vielas empoeiradas do país.

Se, no início, o italiano desempenhava pequenas funções no circo, com o tempo aprendeu novas habilidades e tornou-se palhaço e malabarista. Nos dias de apresentação, preparava doces de leite para serem vendidos aos visitantes, fantasiava-se de palhaço, fazia graça e corria aos bastidores para vestir uma roupa apertada e retornar ao palco onde faria difíceis acrobacias.

Vitorino passou boa parte da juventude viajando entre uma cidade e outra e experimentando a dura vida dos nômades. Depois de muitas idas e vindas, os trilhos da Rede Mineira de Viação levaram os artistas a Santa Rita do Sapucaí e, naquela cidade minúscula, Vitorino veria sua vida ser transformada para sempre. Enquanto seus amigos retiravam as cargas do vagão e procuravam um bom terreno para armar a tenda, o italiano subiu em uma carroça e foi transportado por diversas ruas da empoeirada cidade para promover o espetáculo. Vestido de palhaço, o rapaz fazia graça, gritava o horário das apresentações e procurava conquistar os moradores com suas trapalhadas.

Ao contornar a praça da Matriz com suas ruas de terra batida e rodeada por uma cerca viva para evitar que animais destruíssem o jardim, o artista chamou a atenção de uma garota de 16 anos que passou a observá-lo de longe. As dificuldades de transporte e a au-sência de atrações tornavam as estadas mais demoradas, fato que facilitou a aproximação do casal. Quando o circo partiu, Adolfina Ribeiro seguiu o grupo de artistas e foi contratada pelo circo.

Em 1914, tinha início a I Guerra Mundial e o italiano sofreu uma série de perseguições por parte dos brasileiros. Com medo das represálias, Vitorino mudou seu nome para Antônio Luiz e arrematou com o sobrenome Souza, em homenagem aos pais adotivos. Nos meses seguintes, o rapaz casou-se e conheceu os irmãos em Pedreira. Chegava o momento de encontrar um porto seguro às margens do Sapucaí.
Um ano e meio depois, Adolfina, retornava com seu marido à Santa Rita e foi presenteada com um terreno onde, atualmente, está localizada a Sorveteria Itajubá. Ali, construíram um sobrado e tiveram 3 filhos. Como a cidade havia acabado de passar por uma enchente que levou embora sua precária ponte de madeira, Antônio Luiz (Vitorino) passou a desempenhar um trabalho um tanto curioso. O italiano comprou duas carroças e deixou, cada uma, de um lado do rio. Assim que o trem parava na estação, ele transportava as bagagens até a beira do Sapucaí, colocava tudo nas costas e fazia a travessia com água até o pescoço. No outro lado, colocava tudo na carroça e entregava as encomendas (a maioria de libaneses), em seus respectivos destinos.

Certo dia, ao chegar em casa para almoçar, o rapaz notou que a comida não estava pronta. Adolfina, então com 17 anos, brincava com a amiga Lídia Caputo e esqueceu os afazeres. Antes de buscar a lenha para acender o fogo, o italiano construiu um balanço bem no meio da sala e divertiu-se com a inocência da esposa.
 
Ao anoitecer, Antônio (Vitorino), preparava doces de leite – cortados em forma de losango – e ia para a porta do cinema levantar alguns trocados. A procura por seus doces era tamanha que não tardou a alugar um ponto no porão de um casarão, em frente ao Cine Teatro e ganhou ponto fixo.

A vida andava sacrificada, mas feliz, quando Antônio foi acometido por um ataque cardíaco e a esposa teve que cuidar sozinha dos negócios. Como Adolfina não sabia cortar corretamente os doces, colocava a tábua sobre o peito do marido para que ele fizesse o serviço. De noite, duas de suas três filhas penduravam o tabuleiro no pescoço e iam para a porta do cinema.
Se com a enfermidade de Antônio a vida havia ficado dura para aquela família, as dificuldades se tornariam ainda maiores quando faleceu com apenas 29 anos. Sozinha, Adolfina passou a produzir as guloseimas. Uma delas, o delicioso canudo de doce de leite em forma de cone, era a especialidade da moça e muito apreciado pelos santa-ritenses. A maneira de prepará-lo, porém, mudou quando ela viu uma criança jogar a ponta fora por não conter recheio. Desapontada, ela fez vários moldes com um cabo de vassoura e inventou os canudos com fundo chato que são vendidos – até hoje – pelos comerciantes da cidade.

Depois de alguns anos, Adolfina casou-se com Antônio Silva, que trabalhava em seu estabelecimento. A jornada do casal começava logo pela madrugada. A moça acordava às quatro e meia da manhã, preparava um bule de café e o colocava em um balde cheio de brasa. Depois de fritar alguns pastéis, corriam até a estação Afonso Pena e esperavam chegar o trem das cinco para oferecer o café da manhã, servido em xícaras de porcelana branca que ficavam na própria estação.

Juntos, a nova família prosperou e o casal teve mais 6 crianças. Jandyra, uma das filhas do primeiro marido e que sempre ajudava nos afazeres domésticos aprendeu desde cedo o ofício e tornou-se a mais afamada doceira da região. Para qualquer tipo de festa ou banquete, a moça era requisitada e produzia lindos bolos ornamentados, em parceria com Maria Bonita. Uma de suas fãs mais fervorosas era Dona Sinhá Moreira que sempre a contratava ao oferecer banquetes às autoridades que visitavam Santa Rita.
Até os anos 70, Jandyra foi a única doceira de bolos da cidade e viajava muito pela região para oferecer seus serviços. Enquanto isso, Stela, uma de suas 6 filhas, passava dias e dias na casa de Adolfina e ouvia dezenas de histórias sobre seu avô italiano que deixou Mantova recém-nascido e viveu intensamente sua breve existência.

Hoje, ao ouvirmos as histórias contadas por Stela Garcia, que tenta produzir uma colcha de retalhos com pedaços de histórias, percebemos as milhares de experiências que se somam para formar a pessoa que está bem ao lado. Cada Ser é um amontoado de vidas que se sobrepõe e influenciam gerações, sem que se deem conta. Desta história tão rica, surgem lições que podem inspirar toda uma comunidade. E, por tal razão, homenageamos esta família tão importante que – através de muito trabalho e coragem – tornou a vida dos santa-ritenses um pouco mais doce.

(Por Carlos Romero Carneiro)

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7 comentários:

  1. Adorei a reportagem pois desconhecia que D.Adolfina tinha sido casada antes de casar com Sr Toninho- Jandyra vinha a Belo Horizonte fazer as festas de meu filho desde 1966. Era grande doceira e ótima amiga. Conheço a família toda e foi muito bom ler o que eu não sabia Janda BHte

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  2. Queria copiar a reportagem para enviar AO POVO DE SANTA RITA mas o jornal impede que se faça isto Costumo copiar do Vale Independente e fiquei chocada com a proibição Janda

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  3. Janda
    não fico mais chocado com nada. A vida é assim. Estamos ai na luta. Quem quiser que nos valorize. Senão o mundo fará. Tenho orgulho de ser de SRita apesar de não viver muito tempo por lá. Mas tenho minha familia - que ficou por lá - e muitos amigos de infância e juventude. Santa Rita é minha terra e falo isso onde vou.
    Eloi

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  4. Não liberei a cópia porque pretendo lançá-lo em livro. Abraços a todos e obrigado pela visita.

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  5. Esse relato me lembra o trabalho feito ao Museu da Pessoa, de SP. É muito interessante desvendar o microcosmo de uma pessoa e seus descendentes para mostrar os hábitos e o contexto histórico ao longo das décadas. Vejam que interessante este link a seguir. É de um fazendeiro de café bem conhecido no país que cresceu em Santos, primo da Marta Suplicy, conservador mas democrata, e tem uma vida rica de histórias. Seria interessante fazer isso em Santa Rita, com depoimentos.
    http://www.museudapessoa.net/_index.php/historia/5251-um-depoimento-sobre-familia_juventude-e-agricultura?historia=integra
    Marcelo Santos

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  6. Muito legal esse site Marcelo! Vou fazer algumas Pesquisas nele! Obrigado pela contribuição! Abraço!

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  7. Procuro informações sobre minha família, especificamente meus bisavós que são de Santa Rita, minha bisavó Ana Ramos e Antônio Luiz país de minha avó e Teotonio Ribeiro Pinto e Jorgina Virgolina da Costa país de meu avô, gostaria de saber se o município contém arquivo público com acesso para pesquisas.

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