segunda-feira, 19 de março de 2012

Bentinho, o santarritense que conquistou o Brasil

 Viagens sonoras

Na era do rádio, inúmeros artistas deixaram os mais remotos rincões do país para se transformarem em lendas que habitam o imaginário popular até hoje. Como ainda não existia televisão até a primeira metade do Século XX, a diversão do brasileiro era reunir a família em torno do aparelho disposto no alto da estante e viajar por suas melodiosas ondas. Em Santa Rita do Sapucaí não era diferente. Nossos conterrâneos também se encantavam com essa grande invenção. Entretanto, para nós, havia um estímulo a mais naquele ritual. Dentre os grandes artistas que figuravam no repertório das maiores emissoras nacionais, estava Bentinho, um querido santarritense.

Simplesmente Zezinho

José Antônio Vono Filho. Era esse o nome de Bentinho. Nascido no dia 24 de abril de 1914, o futuro nome da música brasileira de raiz era conhecido na cidade como Zezinho. Sua paixão pela música teve início logo cedo, incentivada pelo pai. Aos 8 anos, o menino já recebia suas primeiras aulas de piano. A austeridade de sua mãe fez com que ele não perdesse o foco nos estudos e transformasse sua criatividade em evoluções sonoras.

Aos 14 anos, Bentinho já dominava muito bem o piano e não tardou que a orquestra da cidade o convidasse a fazer parte do grupo. Na adolescência, já era chamado pelos conterrâneos de “maestro” e tocava no Cine Theatro Santa Rita, quando os filmes ainda eram mudos. Como ele sabia todas as músicas de cor, ia vendo o filme e dedilhando. Muitas vezes, se identificava tanto com a trama que se desconcentrava e esquecia a música, mas sempre dava um jeitinho. Em uma das grandes enchentes que atingiram a cidade, Bentinho chegou ao cinema e encontrou o piano boiando. Foi preciso reunir outros músicos e ficar segurando o instrumento no ar até a água baixar.

Mal terminou seus estudos no Instituto Moderno de Educação e Ensino, Bentinho se mudou para Belo Horizonte onde se matriculou no curso de Química Industrial da Escola de Engenharia da Universidade de Minas Gerais. Para chegar à capital do estado, era um sacrifício: 36 horas de trem, com 3 baldeações. Sempre que precisava telefonar para casa era preciso mandar uma carta, alguns dias antes, para que os pais esperassem a ligação na companhia telefônica.
O início no rádio

Um ano após o surgimento da Radio Inconfidência, uma das mais importantes emissoras do país, Bentinho iniciou carreira artística seguindo os passos do irmão mais velho, o médico Vicente Vono, que se tornou famoso em 1936 com o nome de “Cumpadre Belarmino”. O sucesso de seu irmão era tão grande que, conta-se, um dos ouvintes viajava 10 léguas para chegar a um armazém com rádio, só para escutar o programa. “Eu trabalhava com o meu irmão que era muito bem relacionado em Belo Horizonte. Nas folgas da escola de Medicina, ele saía com sua turma pelas praças e avenidas da cidade fazendo shows para conseguir dinheiro para comprar livros e custear a festa de formatura. Nessa época, devido ao grande sucesso dos shows, ele conheceu Benedito Valadares, Israel Pinheiro e Juscelino Kubitschek, que ainda não eram famosos, mas que o incentivaram a iniciar carreira na Rádio Inconfidência.” - relembrou Bentinho.

Começando de baixo

Na Rádio Inconfidência, Bentinho atuava como uma espécie de secretário do irmão mais velho, abrindo cartas e datilografando piadas. Quanto mais ele vivia aquela realidade, mais certo ficava do que queria fazer da vida. Para ele, os “200 Merréis” que faturava por mês eram mais que bem pagos para que fizesse o que tanto gostava.

A viagem ao Rio de Janeiro

Após sua formatura em Química Industrial, Bentinho foi para o Rio de Janeiro onde começou a trabalhar em uma fábrica alemã de Anilinas (Corantes). Lá, hospedou-se na pensão dos pais das cantoras Linda e Dircinha Batista, então estrelas da Rádio Nacional. Todas as noites, quando chegava do trabalho, Bentinho alegrava a todos contando causos engraçados com humor e música. Ao ver os espetáculos, as irmãs Batista sentiram que ele tinha uma grande força artística e o incentivaram a fazer um teste na Rádio Nacional. Bentinho foi contratado em 1938, em um Programa chamado “Noite na Roça”. Naquele mesmo ano, figurou no filme “Banana da Terra”, junto com Linda e Dircinha Batista, Emilinha Borba, Carlos Galhardo, Orlando Silva, Aurora e Carmen Miranda. Foi nesse filme que “A Pequena Notável”, Carmen Miranda, apareceu pela primeira vez com o famosíssimo traje de baiana.

Com a visibilidade que ganhou na capital do país, Bentinho foi convidado a criar parceria com Alvarenga, formando a dupla “Alvarenga & Bentinho”. A união não era definitiva. O santarritense apenas substituía “Ranchinho” que, não raramente, tomava um chá de sumiço. Como o cantor titular - sempre que voltava - reivindicava seu lugar na dupla, Bentinho resolveu se juntar ao artista “Xerém” e formar a parceria que o tornou realmente famoso. Desde então, a dupla “Xerém & Bentinho” virou atração cativa em grandes rádios como Mayrink Veiga, Nacional e Tupi.
O sucesso

Com o sucesso da parceria, Xerém e Bentinho conseguiram uma grande popularidade e, assim como o rádio alcançava os mais afastados recantos do país, a dupla passou a excursionar por tudo que era canto. Quando não encontravam palco, atuavam em cima de mesas de bilhar, caixotes de banha ou em vagões da estrada de ferro. Juntos, gravaram cerca de 40 discos “78 rotações”. Um de seus grandes sucessos, a canção “Avoa Jacutinga”, vendeu cerca de 30 mil cópias. Um fenômeno para a época.

Ao término da parceria, em 1956, Bentinho retornou a Belo Horizonte. Ele dizia que havia saído muito cedo de Santa Rita do Sapucaí e queria estar mais próximo de sua mãe, já velhinha. Na capital mineira, passou a apresentar o programa “Hora do Sertão”, patrocinado pelos “Fogos Caramuru. Os únicos que não dão xabu.”, dentre outros anunciantes. O artista tocou o seu programa até o início da década de noventa, quando se mudou para São Gonçalo do Sapucaí, onde faleceu no ano de 1993. Como não poderia ser diferente, o sepultamento aconteceu em sua amada terra: Santa Rita do Sapucaí, com a presença de muitos entes queridos.
Homenagem

Em Santa Rita do Sapucaí, grande parte dos habitantes não sabe que uma figura tão ilustre dos anos de ouro do rádio compartilhou conosco a mesma origem. As únicas referências que nossos conterrâneos tinham é que o artista fazia parte da querida família Vono, famosa na cidade pela inteligência e criatividade em tudo o que empreendem. Hoje, cabe a nós a feliz missão de homenagear este homem que tantas alegrias trouxe ao país e fazer com que nossa terra relembre um nome que projetou nossas tradições através dos potentes transmissores de ondas curtas.

Texto baseado na obra “Ô Trem bão Danado”, escrito pelas filhas de Bentinho, Augusta Vono e Ana Vono. Agradecemos também a ajuda imprescíndível do neto do artista, Geraldo de Campos Carvalhaes Neto, que zela  por um rico acervo.

Oferecimento:

2 comentários:

  1. Gostei muito das informações contidas no texto. Gostaria de adquirir o livro "ô trem bão danado", de autoria da Augusta e da Ana Vono.
    O arquivo do Geraldo Campos Carvalho Neto tem partituras das músicas de Bentinho?
    Cordialmente - Antônio de Paiva Moura

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