quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

José Luiz, um apaixonado pelo tradicional Bloco dos Democráticos

Há algumas décadas, os tradicionais blocos de carnaval, Ride e Democráticos, não eram feitos para exibição, mas para que as pessoas se divertissem de verdade. Naquele tempo, a leveza das fantasias permitia que as pessoas continuassem com elas após o término dos desfiles ou nos bailes do Country Clube. O carros alegóricos, feitos pelos geniais irmãos De Franco, eram menores e infinitamente mais baratos, mas nem por isso menos sofisticados. Era uma época em que a união incondicional das famílias frequentadoras do morro do José da Silva era tão grande, que o simples prazer da convivência já valia as noites e noites de trabalho duro nas casas de costura. Até o início da década de 80, nossos blocos tinham música ao vivo. Os músicos, todos fantasiados ou com uniforme se espalhavam entre os foliões e animavam a todos com músicas inesquecíveis. Sim, aquele tempo era mágico. E foi nessa época que viveu José Luiz: uma das figuras mais apaixonadas pelos Democráticos de que a cidade já teve notícia.
A paixão de José Luiz pelos Democráticos começou por intermédio de sua sogra. Dona Conceição Rennó passou a morar em frente ao grupão e, desde então, ambos viveram um caso de amor incondicional com o bloco. No início, sua esposa, Wanda, ainda não desfilava. Ela realizou o sonho apenas depois de casada, já com a presença do animado companheiro.

Até a década de 60, José Luiz não trabalhava na direção da agremiação. Era apenas um folião comum. Mas não demorou muito para que ele se tornasse um dos diretores do bloco, sob influência de Dona Conceição. Aquela dupla faria história.

Wanda Rennó conta que seu marido, certa vez, enquanto jogava poker com os amigos Rubens Amaral, Mauro Mendes, Carmin Mesquita e Dito Zeferino - toda vez que ganhava -  separava o dinheiro do lado e dizia: “Esse é pra fitinha”. Seus amigos, com excessão de Carmin, todos do Ride Palhaço, nem imaginavam que ele não estava brincando. A recomendação que Dona Irene Faria havia feito a ele naquele dia era justamente conseguir mais dinheiro para comprar as fitinhas que enfeitariam as fantasias.

No dia do desfile, quem viu a fantasia simples, diz que não achou grandes coisas até que, pela primeira vez em Santa Rita, as luzes dos postinhos se acenderam para iluminar o bloco. Ao refletir nas benditas fitinhas, um incrível efeito de luzes fez o morro brilhar e deixou todo mundo extasiado. Aquele ano foi dos Democráticos.

No decorrer do ano, uma das funções de José Luiz era correr o livro de ouro para arrecadar dinheiro para o bloco e ele se aborrecia muito quando recebia um não como resposta. Em uma dessas missões impossíveis, conta-se que, ao pedir uma contribuição a um amigo, ouviu o seguinte: “Larga a mão de carnaval. Eu só quero saber é de cuidar das minhas vaquinhas!” No dia do desfile, qual não foi a surpresa do carnavalesco ao encontrar o fazendeiro jogando confete, entre os foliões do bloco. Sem papas na língua, José Luiz se dirigiu ao amigo - aos risos - e disse: “Pra fora! Vai jogar confete nas suas vaquinhas!”

Outros foliões também se lembram do dia em que José Luiz se dirigiu ao amigo Chicão e disse: “Não deixa esse gerador morrer na praça, senão você está perdido!” Ao chegar à praça, quando percebeu que o cabo de iluminação havia se soltado, Chicão agarrou os fios com as mãos e tomou um tremendo choque, só para não desapontar o amigo.

Conta-se também que, ao perceber que havia poucos músicos na banda, José Luiz sugeriu ao Maestro João do Carmelo que colocasse mais um pistonista.  João, por sua vez, respondeu: “Deixa disso! Eu estouro mas não paro de tocar!” Ao chegar à praça, o maestro, já cansado, disse ao carnavalesco que precisava dar uma parada. A resposta foi: “Estamos na praça! Agora você estoura!” Ambos cairam na risada.

No período em que dirigiu o bloco, os ensaios sempre começavam 10 dias antes dos desfiles e José Luiz fazia questão de criar as evoluções. Para quem vivia a rotina dos Democráticos era mais do que comum ouvir um forte grito entre os foliões: “Agora as de branco! Recuem o corpo do Bloco!” Tais minúcias tornavam o bloco mais vivo do que nunca e proporcionava grande admiração ao público.

De todas as participações de José Luiz junto ao Bloco dos Democráticos, talvez a mais inesquecível tenha sido no “ano da Bandeira Branca”. Afinal, foi sua a ideia de, pela primeira vez, revezar o hino do bloco com uma marchinha de sucesso.

Em 1979, José Luiz, já acometido por um câncer, buscou tratamento no Rio de Janeiro e estava nas últimas - uma semana antes do carnaval. As fantasias já estavam todas prontas, os carros todos montados, mas um de seus membros mais apaixonados estava no leito de morte. Apesar de muito doente, o folião estava lúcido e todos se emocionaram quando ele disse, quase sem forças: “Me levem para Santa Rita que eu quero ver o meu bloco passar.” Depois de muita insistência, seu pedido foi atendido. Sua esposa armou um esquema de guerra para trasladá-lo e, com duas ambulâncias, pegaram o rumo do Vale. Ao chegar na serra de piquete, veio o coma. José Luiz não resistiu. Em seu sepultamento, uma multidão se aglomerou para dar o último adeus. Todos se comoveram com aquele homem genial que era absolutamente apaixonado pelos habitantes do morro.

Alguns dias depois, veio o carnaval. O bloco estava em um impasse: desfilava ou não? Nisso, Wanda recebeu uma visita do amigo Padre Vaz que, respeitosamente, perguntou se ela se incomodaria se os Democráticos saíssem aquele ano. Sua resposta foi a de que ele ficaria muito satisfeito se acontecesse o desfile e que, onde estivesse, não perderia por nada seu bloco do coração. Naquele ano, o Democráticos esteve lindo, como se quisesse se despedir da figura que tanto o amou.
(Carlos Magno Romero Carneiro)
Oferecimento:

Um comentário: