sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Entrevistamos o amigo Décio de Almeida Azevedo

 Fale sobre o seu pai

Meu pai, José de Abreu Azevedo, era médico e exercia a profissão como um sacerdócio. Minha mãe, sempre muito preocupada com a criação dos filhos, sabia que, se ele faltasse, passaria por muitas dificuldades. Ao perceber seu pranto, meu pai foi até ela e disse: “Aquiete o seu coração. O que tenho não é pouco, nem muito. É o suficiente. Não temos grandes fortunas, mas nosso dinheiro não provém de órfãos e nem de lágrimas de viúvas.” Noventa dias depois, meu pai faleceu.

E como sua mãe fez?

Nosso arrimo foi meu irmão mais velho, Pedrinho, que estava na base aérea de Natal, pronto para ir para a guerra. Minha mãe enviou um carta para o Ministro Gaspar Dutra, pedindo sua liberação e ele foi transferido para o 8º Regimento de Pouso Alegre. Aos 21 anos, meu irmão educou 7 irmãos. Naquela época, só a Edméa era casada. Ele foi tão bom que, enquanto todos não se formaram, ele não foi cuidar dos próprios interesses.

Conte-nos algo sobre sua infância

Uma das minhas lembranças mais antigas é de que meu pai acendia um cigarro no outro e sempre colocava a camisa por dentro da cueca. Para mim, aquela era a referência masculina. Certa vez, aos 8 anos, cheguei nele e disse: “Pai, acho que o Edmur (noivo da irmã) não é homem! Meu pai, atemorizado com aquilo, pediu que eu explicasse e eu disse: “O Edmur não fuma e nem usa camisa por dentro da cueca. Não deve ser homem!” A imagem que eu tinha de homem era o meu pai e me assustei com alguém que não fazia nada da-quilo.

Quando o senhor começou a trabalhar?

Comecei como engraxate. Sempre que alguém ia consultar com o meu pai corria com a caixinha e o-ferecia meus serviços. Já a profissão de Dentista escolhi por ser detalhista. Para trabalhar com ela é preciso ser minucioso e essa característica sempre tive. Uma outra motivação foi por eu gostar da área biológica, mas ter visto o meu pai abdicar da própria vida em benefício dos outros. Quando você é médico, precisa deixar sua família de lado em muitas ocasiões e eu não queria aquilo pra mim.
O senhor é apaixonado por Trovas, não?

Sempre gostei de poesia, principalmente das trovas. Eu tenho uma trovinha pra cada situação. Recordo que, em um baile, estava dançando com a minha namorada e, no calor da juventude, minha mão acabava descendo abaixo de sua cintura. Você sabe como é, né? A mão do homem é pesada e acaba escorregando... De tanto puxar minha mão pra cima, uma hora ela ficou tão brava que brigou comigo. Pra consertar, eu fiz essa trova:

Se na contradança eu me apego,
Colocando a mão fora do trato.
Eu desculpo que o amor é cego,
Por isso, eu uso o tato.
Depois disso, fizemos a pazes e ficou tudo certo...


Conte-nos sobre seu parceiro de consultório

Em 1977, eu me preparava para voltar à Odontologia, após 17 anos afastado. Eu havia deixado de lado o consultório para acudir um irmão que passava por dificuldades. Quando ele se encaminhou, trabalhei de graça em São José por 4 meses para aprender de novo a profissão. Um dia, recebi a visita do Paulinho, que me foi levar alguns livros. Quando eu disse que estava procurando um cômodo ele me convidou para trabalhar com ele. Eu até pensei que ele quisesse repartir o aluguel, mas ele queria dividir os clientes comigo. Eu então falei: “Não é justo isso, meu amigo. O grande patrimônio de um dentista é sua clientela. Você não pode me dar os seus!” Mas ele insistiu e explicou o motivo: “A Leda acabou de me convidar para ir ao cinema, mas eu disse que não gostava do filme. A verdade é que eu não tenho dinheiro nem pra comprar pipoca! Se você vier trabalhar comigo eu vou dar meus clientes para você, sim, mas tenho certeza de que vou ganhar dinheiro!”

Por que ele tinha dificuldades?

Financeiro é dom. Cobrar é dom. Escolher cliente é dom. O Paulinho era igual ao meu pai: se preocupava em cuidar das pessoas, mas não pensava em si mesmo. Outra dificuldade era controlar a renda. Por isso, ele pediu para que fizesse um caixa e não entregasse todo o lucro que havia ganhado. No final do ano, até tentei mostrar pra ele o livro caixa, mas ele afastou meu braço e falou: “Se for pra eu conferir conta sua, desmancha a sociedade que é mais fácil pra mim!” Quando ouvi aquilo, até fiquei meio chateado, mas depois entendi que era força de expressão para mostrar confiança!

E como foram esses 17 anos juntos?

Eu não sei se fui pai ou filho dele. Porque o que ele me ensinou na parte biológica, eu lhe ensinei nas finanças. O que eu lhe ensinei no setor adminis-trativo, ele me ensinou a ser compassivo. Enquanto eu lhe ensinava que em alguns momentos é preciso ser firme, ele me ensinava a ser carinhoso. Ele me ensinou que cliente nenhum pode sair com dor e eu lhe ensinei que a caridade é muito importante, mas que também devemos ter nosso sustento.

Nos últimos anos, ele deixou a profissão de lado e foi cuidar do Vale da Eletrônica. Mais tarde, ficou doente e morreu. Nesse momento eu decidi que, sem ele, não queria mais trabalhar. (Nesse momento Decinho interrompe a entrevista e chora.) Sem a presença dele, não fazia o menor sentido.

O senhor foi amigo do Carlos Alfano?

Demais! Sei muitas histórias dele. Certa vez, estávamos no Vladas (Bife de Ouro) quando vimos o Pedro Rufino em frente à Estátua de Santa Rita. Nisso, o Carlos Alfano se escondeu atrás da estátua e começou a escutar a conversa! O Pedro dizia: “Santa Rita, ajuda o Pedro Rufino! Pedro Rufino anda desestimulado!” Quando ele terminou a oração, fez o sinal da cruz e já ia saindo, quando o Carlos Alfano gritou com voz de mulher: “Pedrinho! Pedrinho! Vorta cá, deixa eu te dar uns conselhos!” E o Rufino respondeu enfezado: “Ah, vai pro inferno! Santo não fala!” (Risos)

O senhor lembra de outra história com seus amigos?

Na juventude, nós nos reuníamos em uma vitrine em frente ao Armazém do Zé da Silva. Nessa época, na rua de cima, morava o Esaul: um mutilado de guerra que havia se aposentado pelo governo. Um dia estávamos conversando quando o ex-soldado chegou, interrompeu a conversa e começou a contar uma história que não acabava nunca. Meia noite e cacetada, o personagem do causo ainda estava em Careaçu e não havia meio de vir logo pra Santa Rita. O Carlos Alfano, incomodado com aquilo, virou pra ele e diz: “O Esaul, deixa pra contar o resto amanhã. Está armando chuva e com essa estrada barrenta que nós temos o homem vai acabar atolando no meio do caminho!” Essa foi a deixa pra todo mundo sair e voltar pra casa.

O senhor sabe outra história parecida, não?

Sei sim. No velório do Senhor Henrique Amorim, o senhor Almeida estava lá e começou a contar uma história dos tempos em que foi funcionário de uma fábrica de pólvora. Ele começou a explicar, nos mínimos detalhes, como era o seu trabalho e as minúcias eram tantas que o povo começou a ficar incomodado. Numa certa altura, o Almeida virou pra nós e falou: “Agora eu vou contar como armazena a pólvora! Nesse lugar, não pode nem acender a luz porque a menor faísca já é um perigo danado!” Nisso, o Zé Cunha, sogro do Mané Pinga, me pega uma caixa de fósforo, acende um palito e joga no meio da roda: “Pronto! Deixa eu explodir logo essa fábrica senão essa história não termina hoje!” Foi uma gargalhada só no velório! (Risos)

Conte-nos alguma história sobre o Marinho do Putieu

Onde é o Caruso hoje, era o Bar do Júlio e tinha – no fundo – os reservados. Cada reservado era uma salinha pequena em que cabia quatro cadeiras e uma mesinha. Um dia, estávamos em oito lá dentro e o Mário do Putieu bateu na porta. Pra você ter uma ideia, na hora que ele foi entrar, foi preciso tirar uma cadeira e uma pessoa sair, porque a porta abria pra dentro. E o que ele fez? Foi lá, pegou uma bomba cabeça de nego, acendeu e jogou dentro da garrafa! Até hoje eu não sei como coube tanta gente embaixo da mesa! Os cacos de garrafa ficaram encravados na parede! (Risos)

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