O seu bisavô era tropeiro?
O meu bisavô era conhecido como Costinha e era o responsável pelo transporte da produção daqui do nosso bairro para Parati. Todo o trajeto era feito no lombo de burro. Os tropeiros partiam com rapadura, queijo, arroz e feijão, para encontrar a tropa de um senhor chamado Mizael Mesquita, que havia saído do Rio de Janeiro com sal, açúcar, querosene e outros produtos.
Acontece que, com a morte do doutor Mizael, o meu bisavô casou-se com a viúva de seu antigo parceiro comercial – Maria Rita - e a trouxe para o sul de Minas. Dessa união, surgiu a família Costa de Santa Rita do Sapucaí.
Assim que meu bisavô faleceu, deixou uma fazenda para cada um dos filhos. Um deles, Neco Costa, era meu tio e morava em um lugarejo chamado Pinhalzinho, nas redondezas de São José do Alegre. Foi lá que meu avô, conhecido como Zé Paixão – acabou encontrando uma namorada, que veio a se tornar minha avó.
O seu avô trabalhou no Porto Sapucaí?
Na época, meu avô não tinha dinheiro para casar. A saída foi trabalhar no vapor do Porto Sapucaí para juntar dinheiro e trazer a namorada para Santa Rita. As viagens eram feitas pelo Rio Sapucaí e iam até um porto chamado Cubatão. Eles desciam por trás da serra, em um lugar que, antigamente, era conhecido como Volta Grande. As viagens partiam daqui na quarta-feira e retornavam no sábado. O vapor ia carregado de produtos de Santa Rita e voltava carregado de marolo! (Risos) A obrigação do meu avô era carregar um trolinho com as mercadorias e armazenar os produtos no porão para viajar.
O senhor se recorda de mais informações sobre esse Porto?
Esse Porto Sapucaí deveria ter sido construído aqui nas terras do José Carlos. Por influência política do senhor Paulo Ribeiro, que era o “can can” aqui das redondezas, levaram o vapor mais pra baixo. Se você olhar bem, vai notar que até hoje existe um desvio de trem no local onde deveria ter sido construído o porto.
E a Revolução de 1932?
Na revolução de 1932, os paulistas chegaram bem perto de nós e deixaram todos bastante assustados. Todo mundo morreu de medo e chegou a se esconder quando passou um avião, pela primeira vez aqui, por causa da guerra. Foi preciso os mineiros retirarem os trilhos e desmancharem uma ponte aqui nas redondezas para que eles não atacassem Santa Rita. Sem ter como passar, os paulistas ficaram todos escondidos naquele morro perto do trevo que dá acesso a Cachoeira de Minas. Nesse época, nós aqui do Córrego Raso não ficamos em casa. Meu pai juntou minha mãe e a criançada e levou todo mundo para se esconder em um cafezal aqui pra cima!
O senhor nasceu em São José do Alegre?
Eu nasci lá. Quando me mudei para Santa Rita, o meu avô pediu para eu trazer os porcos dele que estavam lá e eu tive que tocar os bichos até chegar aqui. Mas eu trouxe uns carneiros que meu avô tinha me dado também. Quando cheguei, minha avó gostou tanto dos carneiros que quis trocar por uns novilhos que ela tinha. Por causa disso, chegou um certo tempo em que eu tinha mais gado no curral dela do que ela mesma! (Risos)
Havia muitas festas na sua infância?
Mês de junho era uma época de que eu gostava muito. Íamos todos dormir na casa da vovó para levantar a bandeira de São João e soltar foguete de madrugada! Já na Semana Santa, a gente alugava uma casa na cidade e ia a família toda para rezar a semana inteira. Lembro que em uma dessas vezes, a minha avó me pegou pelo pescoço e me levou para confessar com o padre. Quando ele me perguntou quais eram os meus pecados eu respondi: “Eu só não matei e não roubei, de resto põe na conta que eu já fiz tudo!” (Risos) Quando o padre ouviu aquilo, botou as mãos na cabeça e falou: “Reza bastante e corre pra comunhão!”
O senhor trabalhou na infância?
Quando eu criança, todo dia eu ia de cavalo para Santa Rita vender o leite que a gente tirava aqui. Eu levava cinco garrafas dentro de cada piquá (um tipo de bolsa rudimentar, feita de pano). De cada lado do cavalo a gente colocava 20 garrafas. A última rua em que eu passava era sempre a rua da biquinha (Rua do Rosário). Na ida, eu ia deixando o leite e, na volta, passava pegando as garrafas para levar de volta. Os pagamentos eram feitos por mês. Quando eu chegava aqui na roça, ainda tinha que lavar os vasilhames e ir para o Abertão estudar.
Como foi o seu casamento?
No meu casamento, o engraçado foi que eu chamei um tio meu para ser padrinho, mas ele não foi. Mandou um filho dele! Quando o rapazinho chegou lá, falou: “O pai não quis vir e mandou eu no lugar dele.” Daí eu respondi: “Se não serve ele, você também não serve!” Então eu fui lá no morro da Vista Alegre e convidei um amigo meu, o Antônio Barbosa. Na mesma hora ele já foi em casa, tomou banho, trocou de roupa e fomos para a igreja. Quem fez o casamento foi o Monsenhor Calasans.
O senhor morou no Timburé?
Quando eu casei, fui morar no Timburé, onde hoje é a fazenda do Kallás. Eu construí uma casa ao lado de uma bica. Quando eu estava deitado na cama, ficava escutando a água. Depois de um ano, decidi voltar para cá. A saída foi desmontar a casa de pau à pique, colocar em cima do carro de boi e montar aqui de novo. Essa casa existe até hoje!
Quantos filhos o senhor teve?
Eu tive 7 filhos e todos eles estudaram. Todo dia eu os colocava em uma carroça e mandava para a escola. Na cidade, eles amarravam o cavalo em uma jabuticabeira que tinha no terreno da Dona Chiquinha e iam a pé para a Escola Joaquim Inácio. Quando eles ganharam bicicleta, a minha mulher fazia biscoito e dava para a criançada entregar lá na cidade, antes da aula. Cada um ia com um saco de biscoito na bagageira! (Risos)
Houve períodos de dificuldade?
Uma pessoa de Santa Rita a quem até hoje eu sou muito grato é o senhor Elias Rezeck, sogro do Bento. Teve um período em que eu tinha uma venda aqui na roça e passei por uma grande dificuldade. Chegou uma época em que a dificuldade foi tão grande que eu tive que fechar o estabelecimento e o senhor Elias ficou sabendo. Ele me chamou lá e falou: “Traz a carroça lá que eu vou encher de mercadorias pra você!” Eu peguei duas carroças e lotei de mercadorias para reabrir a venda na roça. Depois disso, comecei a colher arroz e milho e levar a mercadoria para pagar o senhor Elias.
O senhor trabalhou no antigo Mercado Municipal?
A gente vendia verdura todo sábado e domingo. Bem no meio tinha um chafariz onde se vendia peixe e verdura. Em cada duas ou três bancas, tinha um balança da prefeitura para pesar os produtos. Lá dentro era muito bacana! Em volta, ficavam os comerciantes que vendiam capados. Do lado de fora também ficavam alguns comerciantes que vendiam verdura. Nos meus tempos de Timburé também usava a máquina de polvilho do meu sogro para fazer farinha de mandioca e vender no mercadão! Depois que eu parei, o Pedrão e o Ademir ainda trabalharam lá por muito tempo.
Quando o senhor veio para o Córrego Raso?
Eu me mudei para cá porque eu comprei uma terra dos herdeiros do meu avô. Na verdade, eu não tinha todo o dinheiro, mas o Benedito Antônio – meu sogro – contou para um amigo dele que acabou arrumando com um outro amigo o valor de que eu precisava! (Risos).
Nisso chegou a rodovia?
Quando a rodovia chegou, eu tinha acabado de plantar um mandiocal. Eu achava que a estrada iria ser construída ao lado da ferrovia. Quando eu menos esperava, apontou um trator lá no alto do morro e foi arrancando minhas mandiocas todas! A rodovia cortou minhas terras no meio. Nessa época, o manda-chuva da cidade era o Chico Moreira. Enquanto ele estava por aqui ninguém invadia minhas terras. Foi só ele sair de Santa Rita para visitar umas fazendas que tinha fora para o pessoal entrar e sair cortando tudo. Eu ainda tentei reclamar. Cheguei até a mandar uma carta para o Getúlio Vargas e ele me respondeu dizendo que tinha mandado um dinheiro para me indenizar. Se essa grana chegou eu nunca vi, porque não me repassaram.
Esta matéria é um oferecimento de:
Grande entrevista. Gostamos bastante, o senhor Geraldo é um exemplo de sabedoria. Família Martelli - Itápolis / SP
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