segunda-feira, 4 de abril de 2011

Visionários da eletrônica

Entre os pioneiros da pesquisa tecnológica no Brasil, destacam-se um padre e uma normalista

A eletrônica tem sido um dos ramos científicos e tecnológicos de vasta aplicação desde as primeiras décadas do século XX, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. Fruto da revolução científico-tecnológica do final do século XIX, essa área constituiu-se numa das mais importantes conquistas contemporâneas. Provocou mudanças significativas na sociedade e tornou correntes os termos “revolução eletrônica”, “revolução microeletrônica” ou “terceira revolução industrial”. 

 À normalista Luzia Rennó Moreira (1907-1963), senhora da elite agrária de uma pequena cidade do sul de Minas Gerais, Santa Rita do Sapucaí, caberia uma grande iniciativa no campo da educação, da pesquisa e da indústria na área da eletrônica.

 Ela pertenceu a uma influente família de políticos. Mais conhecida como “Sinhá Moreira” ou apenas “Sinhá”– curiosa forma como os escravos ainda tratavam as suas senhoras –, seu pai, Francisco Moreira da Costa, proprietário de fazendas em Minas, São Paulo e Paraná, foi vereador, presidente da Câmara e prefeito municipal por mais de vinte anos; era também sobrinha do ex-presidente da República Delfim Moreira e cunhada do deputado federal Olavo Bilac Pinto.

 Na época, foi pelas mãos desse deputado que Luzia conseguiu estabelecer contatos pessoais com o presidente Juscelino Kubitschek e o ministro da Educação e Cultura Clóvis Salgado buscando obter amparo legal para instituir a primeira Escola Técnica de Eletrônica da América Latina e a sexta no mundo. Em 1959, a escola foi implantada com sucesso e passou a ter importante papel na qualificação profissional de pessoas oriundas da própria cidade, de vários estados do país e do exterior.

 Por não possuir tradição na área técnica, a cidade vivia fundamentalmente da agropecuária (leite e café), estando dois terços da população na zona rural. São muitas as versões e motivações que impulsionaram a normalista na concretização de seu projeto. Era seu desejo constituir uma classe média local entre o reduzido grupo de fazendeiros e a maioria pobre da população, conforme teria dito a um de seus conterrâneos e amigo. Além da escola de eletrônica, a construção de uma fábrica de tecidos ou de uma escola de química, em função do desenvolvimento da indústria automobilística, da petroquímica e dos plásticos, também era comentada. Tratava-se de criar oportunidades de educação e emprego para a fixação dos jovens ali e – bordão recorrente – “dar perspectivas para as moças solteiras da cidade”.

Francisco Assis de Queiroz é professor de História da Ciência da Universidade de São Paulo e autor de A Revolução Microeletrônica: Pioneirismos Brasileiros e Utopias Tecnotrônicas (Annablume/Fapesp, 2007).

 A respeito de Luzia Moreira, não fosse sua visão de amplo alcance e tenacidade, seria possível concordar com o que disse, algum tempo depois, um empresário paulista ao ex-aluno da Escola Técnica de Eletrônica quando trabalhava em São Paulo – mais tarde, ele se tornaria empresário de eletrônica em Santa Rita e presidente da Associação Industrial – sobre a maluquice de se construir uma escola de eletrônica no meio do mato. Com a implantação da escola, que leva o nome do pai de Luzia, do Instituto Nacional de Telecomunicações (1965), da Faculdade de Administração e Informática (1971), bem como a instalação de indústrias a partir do final dos anos 1970 por egressos dessas escolas, a cidade de Santa Rita do Sapucaí passou a ser conhecida como Vale da Eletrônica, em referência ao Vale do Silício, na Califórnia, EUA.

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