segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Toninho, um grande homem.

Toninho tem 56 anos, nasceu em Casca Dura, Rio de Janeiro, mas vive em Santa Rita desde os 3 anos de idade. Considerado uma lenda local, nosso amigo tem como maiores paixões a pesca e a mecânica. Como bom pescador, suas histórias são sempre espetaculares e cheias de reviravoltas surpreendentes. Durante a entrevista, nós percebemos que aquele homem simples e humilde que dividia conosco suas idéias, revelava também uma grande experiência de vida e uma bondade fora do comum. Conheça agora um pouco da vida de Toninho: uma das figuras mais queridas e autênticas que já passaram por aqui.
Todo pescador tem grandes histórias. Conte-nos uma das suas.

Uma vez fui pescar com dois amigos, um era o Vandinho e o outro era o Paulino, já falecido. Naquele dia, não tínhamos pescado nada e o Paulino arrumou uma desculpa pra gente se afastar dele. Ele disse: “Vão ali pegar uma lenha pra gente fazer almoço”. A gente sempre almoçava na beira do rio, fazia comida por ali mesmo. Quando nós voltamos, tinha uma lingüiça assada no espeto. Nós comemos a lingüiça inteira e estava muito boa. Só depois foi que nós ficamos sabendo que aquilo era uma cobra que ele tinha assado! (risos) O Vandinho sentiu mal, tivemos que trazê-lo pra casa. Muito tempo depois foi que a gente ficou sabendo que a cobra que ele tinha preparado pra nós era, simplesmente, uma cascavel!

O Senhor presenciou a enchente de 2000 em Santa Rita?

A enchente foi uma coisa muito triste que aconteceu por aqui. Socorri muitas pessoas. Eu vi muitas coisas tristes, mas também vi muitas coisas bonitas. Com a enchente eu aprendi a ser mais amoroso com as pessoas. Antes eu não me importava muito não. Era mais desligado. O que mais me chamou a atenção naquela ocasião foi quando eu vi uma mulher de 70 anos, já velhinha e doente, pular na enchente pra poder salvar o gatinho dela. Aquilo me chamou a atenção demais. Espero que Deus ajude para que não aconteça outra enchente, né?

Também ajudou a socorrer as vítimas da velha ponte?

Eu estava sentado aqui no bar do peixe junto com o Vandinho. Foi num domingo, eu não lembro bem o horário. Acho que era umas três e pouco, quando nós ouvimos o primeiro estalo da ponte. Não esqueço essa imagem até hoje. Todo mundo dentro da água, naquele desespero. O Vandinho pulou na água e ajudou a socorrer muita gente. Já eu, não sei nadar até hoje. Daquela tragédia, quase todos que morreram eram muito amigos meus, principalmente, o Vitinho. Por incrível que pareça, não sei se por destino, eu tirei todos eles de lá. Eu vou te falar uma coisa: a vida é algo que é preciso dar valor. A gente vê tantas pessoas que Deus deu tudo, se destruindo...

Como é a história da sua vinda de táxi do Rio de Janeiro?

Eu fui para o Rio de Janeiro, na casa de uma prima. Eu fiquei uns 15 dias lá, mas comecei a querer vir embora. O problema é que eu estava sem dinheiro. Como do lado da casa dela tinha um ponto de táxi, certo dia eu tive uma idéia. Eu cheguei lá e falei: “Eu sou um grande fazendeiro do Sul de Minas, vim aqui negociar um apartamento e tenho que ir em Santa Rita pegar o dinheiro. Como eu não mexo com banco e nem com cheque, tenho que ir pra lá imediatamente e quero que você me leve!” O homem ficou desconfiado, mas consegui convencê-lo. Então nós viemos do Rio para Santa Rita de Táxi! O rapaz às vezes virava pra mim durante a viagem e perguntava: “Então você é bem de vida?” E eu respondia: “Aúúúú! Sou bem de vida demais!” Quando chegou aqui, como eu menti e não tinha dinheiro nenhum, meus amigos tiveram que fazer uma vaquinha pra pagar o taxista! (Risos)

E na profissão de mecânico? Tem alguma boa história?

Eu tenho um amigo conhecido como Morfino. O nome verdadeiro dele é Roberto. Uma vez, fomos tirar a caixa de câmbio de um Chevrolet lá na oficina. Era uma peça pesada, devia ter uns 80 quilos. Nós precisávamos remover o assoalho, pra poder tirar o câmbio. Ele, muito inteligente, amarrou uma ponta da corda no câmbio e a outra ponta no pescoço. Quando eu puxei a caixa por baixo, ele sentou a cara no painel do caminhão e  perdeu tudo que era dente. Até hoje o apelido dele é “Morfino” por causa disso.

O senhor também gosta de um carteado?

Eu gosto muito de jogar baralho. Eu jogo truco, tranca, caxeta... Só não gosto de vinte e um. Uma vez eu estava jogando na casa de um colega meu, apostando dinheiro.  Naquela altura eu já tinha perdido tudo que tinha no bolso. Quase um salário inteiro já tinha acabado. Quando já não tinha mais nada, resolvi ir embora. No caminho de casa, eu achei dois Reais na rua e voltei pro jogo. Por incrível que pareça, eu recuperei tudo o que eu perdi e ainda ganhei mais um bom dinheiro! Tudo isso com dois Reais! (Risos)
E como eram os seus tempos de escola?

Eu passei por muitas escolas. Estudei no grupão, no colégio, no Sanico. Na verdade eu estudei em todas elas. Eu estudava uns dois anos em uma, era expulso, mudava pra outra, era expulso de novo... Eu era muito brigão, muito bravo. Naquela época o Hildeu Garcia era o moleque mais enjoado da escola. Ele ia pra escola com aquelas merendas boas e eu acabei arranjando um jeito de tomar a merenda dele. Todo dia eu dava um couro nele pra comer o lanche. Até hoje ele brinca comigo por causa disso. Quando eu entrava na escola a professora já falava: “Chegou o enguiço!” Hoje em dia eu sou tranqüilo, sou mais pacato. A gente tem que acalmar, né? Hoje eu aposentei o ringue.

O Senhor era amigo do lendário Dito Cutuba?

O Dito Cutuba foi um grande amigo. Pra mim foi um pai. Com o Dito eu aprendi muitas coisas. Eu aprendi com ele a pescar, aprendi a conhecer remédios no mato, aprendi a ser humilde. Apesar dele não ter estudo, era uma pessoa encantadora. Se você conversasse com ele uma hora, já ficava amigo a vida inteira. Ele viveu muitos anos no Amazonas, no meio dos índios, então ele falava o Tupi Guarani corretamente. Além do mais, ele era uma pessoa simples, humilde. De caça ele sabia tudo. Sabia o que era bom pra comer e o que não era. Remédios naturais ele conhecia todos os que você poderia imaginar. Ele era uma pessoa que não gostava de mentiras. O que ele tinha que falar, ele falava. O Dito morou muito tempo em uma palhoça na beira do Rio. Na casa dele não tinha parede, nem nada. Então eu passava de barco em frente e ficávamos conversando. Era uma pessoa que estava à frente do seu tempo, sabia falar sobre tudo. Já vi muita gente instruída chegar pra conversar com ele e sair dizendo que ele era fora do normal. Seu cabelo era muito comprido, com um cipó amarrado na testa, tinha cara de índio mesmo. 
Engraçado, pelo que eu me lembro, a comida que ele fazia nunca levava sal, mas tinha um sabor delicioso! Não sei qual era o seu segredo. O Paulinho sempre falava: “Meus Deus, o que será que o Dito faz pro peixe ficar tão bom? Tem que ter alguma coisa.” Ele preparava a carne na sua frente e você não via ele usando sal. Quando você perguntava pra ele o que era, ele respondia: “Isso é uma coisa que eu aprendi com os índios.” Remédios naturais ele também conhecia. Naquela época eu bebia muito, daí quando estava passando mal, chegava pra ele e dizia: “Dito, acho que eu carquei meio demais!” Ele saía pro mato e quando voltava com umas plantas na mão, você não sabia nem o que era. Você tomava o remédio e,  dez minutos depois, estava ótimo! Outra coisa que eu me lembro é que ele era o maior nadador que existia. O povo fala desse tal de Michael Phelps das olimpíadas... o Dito era além da imaginação! Muito melhor! Ele pulava de cima da ponte velha com as mãos e os pés amarrados! Quando ele atravessava do outro lado da ponte, você já não via ele. O povo achava que ele tinha morrido. Ele só ia aparecer de novo 300 metros rio abaixo. Era fora de série esse pajé! Ele gostava que chamasse ele de pajé. De Cutuba ele não gostava que chamasse não. Ele foi de tudo. Foi Toureiro, foi palhaço de circo. Outra coisa que eu me lembro era que a mãe dele lia a sorte. Uma vez, ela jogou as cartas e previu que ele ia morrer sozinho no meio do mato e só seria encontrado dois dias depois. Tudo o que ela falou aconteceu.

Como é morar na Rua do Queima?

A rua do Queima é fantástica. Todo mundo é seu amigo, todo mundo te ajuda. Na verdade, tem alguns que além de não ajudar ainda atrapalham, mas a maioria dos vizinhos são muito bons. Eu gosto muito de morar aqui. Só pretendo sair daqui depois de morto.

Como anda a situação do Rio Sapucaí hoje em dia?

O rio está quase morto. Antes tinha muito peixe. Agora não tem mais nada. Sumiram os dourados. Uma vez eu pesquei um dourado que tinha 17 quilos. O peixe era maior que eu! Hoje tem muita rede de esgoto. Você abre o peixe e percebe que tem bicho dentro. Se você pescar um pouco acima da rede de esgoto dá pra perceber que até o gosto do peixe é outro. Eu acho que deveriam tratar a água que a cidade despeja nos rios enquanto dá tempo. Da forma como está indo, vai acabar. Bagre por exemplo, era um peixe que tinha demais, até irritava a gente. Hoje não existe mais. Tinha um peixe chamado Quitéria também que eu nunca mais vi. Tinha Tabarana também. Nessa época era difícil voltar pra casa e não trazer um ou dois Dourados. Eu vivia de pesca! A retificação do rio foi uma das causas. O que segura o peixe são as curvas do rio. Depois da retífica, o rio ficou mais raso e as árvores à beira do rio estão caindo. O Paulino sempre falava: “Depois que mexeram nas veias da Terra, o sangue foi esgotado”. É a mais pura verdade. Hoje em dia, tem lugares que não é possível navegar. É preciso descer do barco e arrastar. Isso nunca aconteceu antes.

Um comentário:

  1. Grande Toninho uma figurassssa mesmo, ja trabalhou na transpotadora de meu pai transportadora Cassiano, freguentava minha casa trocava muitas ideias com pai hoje falicido era uma pessoa cativante e bom de serviço muitas historias mesmo e veridicas alem de tudo muito simples e de um coração enorme, parabéns pela homenagem para este pequeno grande homem.

    Aristides Cassiano

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