segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A rivalidade que une dois grandes blocos de carnaval

Bloco dos Democráticos. Este carro foi premiado até em Belo Horizonte.
O início da rivalidade

A disputa entre os blocos mais tradicionais da cidade, Ride e Democráticos, acontece desde a fundação das duas agremiações. O Democráticos, na verdade, foi fundado por um dos criadores do Ride, Ângelo Bonorino, um ano depois, em 1935.
Disputa que atravessou décadas

Em Santa Rita, nos tempos em que a rivalidade estava no auge, era comum você conhecer alguma pessoa da cidade e ela perguntar o seu nome e para qual bloco você torcia. Em famílias em que os integrantes eram do Bloco dos Democráticos, por exemplo, havia uma resistência precoce por fantasias de palhaço, desde a infância. Já nas famílias formadas por integrantes do Ride, usar roupas com as cores “Preta e Branca” nem no sonho. A rivalidade era tanta que os dois blocos mal podiam se encontrar sem que rolasse alguma provocação ou brincadeira de uma das partes. Isso só aumentou a paixão de seus foliões e fez com que essa disputa atravessasse mais de 7 décadas.
José da Silva e sua companheira Dinorah. A paixão era tanta que o morro dos Democráticos ganhou o seu nome.
A rivalidade e o morro

Para os Democráticos, que sempre iniciavam os desfiles do “Morro do José da Silva”, era inadmissível a hipótese de o Ride descer aquela rua com seus carros. Aquela descida era como uma marca registrada. Quando os blocos partiam da Rua Antônio Moreira era comum o corre-corre dos organizadores dos Democráticos quando o Ride resolvia subir um pouco mais com seus carros. Bastava o caminhão do gerador chegar à altura da casa da dona Lydia para que aquele gesto “i-nocente” fosse interpretado como uma provocação sem tamanho. Há quem diga que a Dona Dinorah, que sempre morou no alto do morro conhecido pelo nome do seu marido, nunca viu o Ride Palhaço desfilar em toda a sua vida.
Torcida Organizada do Bloco Ride Palhaço. Tempo bom quando os desfiles ainda era na praça.
Bandeira Branca e Turbilhão

Os mais antigos costumam dizer que o ápice da disputa aconteceu no final da década de 70. Naquele mesmo período, o Ride passou a executar a música “Turbilhão” como marco de um ano em que teria vencido o rival e o Democráticos, por sua vez, passou a executar a marcha “Bandeira Branca” por considerar que naquele ano teria vencido também.
As três filhas do amigo Tito de Oliveira encantam durante desfile do Ride Palhaço.
A peteca

Certa vez, em um ano em que o Ride deixou de desfilar, alguns dos foliões mais fanáticos dos Democráticos encontraram uma peteca gigante no barracão dos escultores conhecidos como “Irmãos De Franco” e resolveram propor uma brincadeira com o Ride. A proposta foi aceita por unanimidade. Em pouco tempo, uma enorme peteca vermelha foi ins-talada em um dos carros alegóricos com os seguintes dizeres: “Do nosso lado ela não cai”. E o bloco desceu. Entretanto, o que os foliões não esperavam era que as penas gigantes da peteca ameaçassem cair logo que o bloco chegou à praça Santa Rita. Há quem diga que as penas quase foram derrubadas com a força da mente dos furiosos adversários. O importante foi que a peteca não caiu e os Democráticos conseguiram dar a volta sem maiores contratempos.
Década de 80. Três garotinhas fazem pausa para fotografia em frente ao cinema.
O Carimbo

Outro episódio muito comentado foi quando os foliões dos Democráticos resolveram criar um carimbo gigante, feito com chapas recortadas de raio-x e sair carimbando a cidade inteira com o lema do bloco naquele ano: “Agora e sempre”. No calor da brincadeira, carimbaram até o muro da casa do Caponi. Aquilo rendeu. Logo os integrantes do Ride também criariam um carimbo com a palavra “Perdendo” e sairiam pelas ruas da cidade, na calada da noite, completando a frase dos adversários.
Quando o navio do Capitão Gancho invadiu as ruas de Santa Rita do Sapucaí.
O caçador de Rolinhas

No passado, os dois blocos escondiam seus carros a sete chaves. Os trabalhadores dos barracões eram terminantemente proibidos de contar como seriam os carros alegóricos e o suspense pairava sobre a cidade até chegar o momento dos desfiles. Certa vez, os trabalhos no barracão dos Democráticos estavam a pleno vapor quando foi ouvido um barulho suspeito vindo de trás do prédio. Qual não foi a surpresa ao descobrirem que a movimentação era de um integrante do bloco adversário que estava “supostamente” tentando espiar as esculturas. Ao ser questionado sobre a sua presença naquele local, o rapaz respondeu a primeira coisa que passou pela sua cabeça: “Estava caçando rolinhas, oras!” A resposta virou apelido. Até hoje o curioso é conhecido como “Rolinha”.
Nem a paixão pelos blocos do coração é capaz de separar o amor em família.
 A disputa continua

No últimos anos, a rivalidade diminuiu muito, mas ainda acontece, vez ou outra. Hoje em dia é comum a presença de foliões tradicionais de um bloco adentrarem os cordões do bloco rival para cumprimentarem grandes amigos ou mesmo posarem para fotografias juntos, cada qual com a camiseta do seu bloco do coração. No entanto, aquela brincadeira sadia de dizer que o seu lado está mais forte, ainda existe e tem sido a tônica deste dois grandes grupos de artistas. No aniversário de 70 anos do Democráticos, por exemplo, a camiseta do Ride exibia o irônico texto “70 + 1”. No mesmo ano, o carro da “Ira” - o tema do Ride era “Os 7 pecados Capitais” - acabou “quebrando” em um ponto estratégico para que o Democráticos terminasse o desfile e retornasse ao morro. Nos últimos tempos, tem sido comum o Ride aplicar uma cartolinha, símbolo do Democráticos, em seus prospectos impressos e escrever “Cartola de Mágico” como justificativa. No entanto, com essas brincadeiras, a tradição sempre foi mantida. Através desse amor pelos blocos, o espetáculo já dura quase 75 anos e a alegria revive a cada fevereiro. O negócio é aguardar. O Ride Palhaço conseguirá vencer em 2009? Os Democráticos conseguirão conquistar o 74º campeonato consecutivo? Brincadeira, Brincadeira... Que vençam os dois blocos, simultaneamente, como sempre aconteceu desde que o mundo é mundo. Sempre com muito respeito, com muita alegria e com a perfeita harmonia entre os opostos que, no fundo, mas bem no fundo mesmo, se amam de paixão. 
(Carlos Romero Carneiro)

2 comentários:

  1. Será que vai ficar tudo na saudade?
    Ou vamos virar este jogo?

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  2. Linda matéria Carlos,parabéns.
    Não podemos deixar esta tradição acabar.

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