Manejando a enxada, com pouca força no braço, trabalhava o menino de treze anos nas lavouras de milho e feijão. Com limitados recursos essa era a maneira que Adir encontrava de colaborar no sustento da família Canestraro. Da vida dura no campo, o rapaz magro e esguio tornou-se “meia colher” (nome dado os serventes de pedreiro iniciantes) e fazia de tudo um pouco. Quase sem estudo, era preciso correr atrás. Se um dia transportava sacos de cimento ou ajudava a assentar tijolos, no outro servia como ajudante de caminhoneiro e carregava carretas com lenha que partiam de Curitiba.
Ao 22 anos, Adir conseguiu emprego de motorista na construtora “Andrade & Gutierrez” e passou a transportar os operários durante a construção da Régis Bittencourt. Ao término da obra, integrou o comboio de caminhões Alpha Romeo que fariam a construção da BR-459. Foi nessa curva da história que cruzou com Santa Rita do Sapucaí, cidade que o marcaria para sempre.
Chegada a Santa Rita
Quando a construtora se instalou na cidade, foram montados alojamentos com casas simples de madeira.O primeiro deles, em um terreno onde viria a ser tornar a Escola Estadual Sanico Telles, abrigava os construtores casados e suas famílias. O outro, nas imediações do Santa Rita Country Clube, dava guarida
aos solteiros.
Em companhia de Adir, operários que se tornariam conhecidos pelos santa-ritenses, foram trazidos para o início das obras. Modesto, criador da lanchonete que leva o seu nome e Girino dos Santos, que viveu na Rua do Rosário, foram alguns dos forasteiros, acolhidos naquela obra.
Entre um serviço e outro atrás da direção, Adir apaixonou-se por Iveta, integrante de uma família tradicional e Chiquito Garcia negou-se a aprovar o namoro da filha, até conhecer a família do pretendente.
Viagem a Curitiba
Lá se foram Adir e a família de sua futura esposa em direção a São Paulo, onde embarcariam rumo à capital paranaense. No guichê da rodoviária, o grupo foi abordado por um homem que dizia ser taxista e que toparia levá-los de carro, pelo preço das passagens. Eles aceitaram a oferta e partiram debaixo de tempestade em direção à “rodovia da morte”. O homem pescava, saía da pista, cochilava e deixava os passageiros cada vez mais apreensivos. Pressentindo que a história não acabaria bem, Chiquito Garcia soube que o homem estava naquele bate e volta, sem dormir, a mais de dois dias e se ofereceu para assumir o volante. “Passa pra trás e deixa comigo!” – sentenciou o santa-ritense. O taxista espremeu-se entre os passageiros, encolheu as pernas e só acordou quando o Mercury chegou à propriedade dos Canestraro, no exato momento em que o ônibus que rejeitaram passou.
O encontro foi bem sucedido e Chiquito aprovou o namoro. Em 63, aconteceria o enlace, quando as famílias se reuniriam para sacramentar a união. O que Adir não imaginava é que, em pouco tempo, a construtora iria enviá-lo a Porongaba (SP), ocasião em que deveria permanecer longe da esposa. Como se não bastasse, depois de seis meses o motorista foi notificado sobre uma nova viagem. Seria mandado para uma tal Transamazônica, sem opção de recusa. O motorista pediu as contas e mudou-se para Santa Rita, onde viveria dali em diante.
De mala e cuia
Em Santa Rita, o novo ofício foi de motorista da FEBEM. Naquele local deprimente, tomou contato com a realidade dura dos internos e presenciou cenas que não consegue apagar. “Ia sempre aos Correios buscar as correspondências e, na volta, era cercado pelos meninos que esperavam notícias da família. Não me esqueço do semblante triste quando a carta de algum deles não vinha. Era de partir o coração.”
Quando a instituição fechou, nos meados dos anos 60, vários empregados buscaram se recolocar, nas raras empresas locais. A oportunidade que Adir encontrou proporcionaria uma das experiências mais enriquecedoras de sua vida e faria dele muito reverenciado, nos anos que se seguiram. “Consegui emprego no Posto de Puericultura e aprendi tudo na prática. Não sabia aplicar injeção, nem executar os serviços e recebi orientações de amigos como Eugênio Grillo, Elza Julidori, Ofélia, Oswaldo Cruz e do farmacêutico, Ruy Carneiro Pinto.”
Um de seus dois filhos, Giovani Canestraro, conta que o pai fazia de tudo um pouco e que era responsável, inclusive, pela limpeza do Posto. “Ele botava eu e meu irmão, Rogério, para fazer faxina. Como pagamento, nos dava balas, doces ou um bauru no Modesto.”
Bom humor
Com muito bom humor, Adir tornava o ambiente de trabalho mais leve e, a todo momento, bolava algum tipo de brincadeira. Não rara-mente, botava bosta de cachorro em uma latinha e morria de rir quando o Sr. Ruy ficava surpreso com o resultado da análise. Nem sua nora, Dulce, escapava das piadas e ainda se lembra de uma de suas peças: “Ele me deu uma caixa de isopor enorme, escrito “Vende-se picolés” e pediu que eu pegasse um ônibus a Pouso Alegre para buscar medicamentos. Só quando vi colocarem uma injeção minúscula na caixa foi que descobri que não passava de brincadeira.”
Sempre ativo e trabalhador, Adir comprou um ponto de táxi em frente aos velhos casarões da praça e passou a fazer corridas, nos intervalos do expediente. Quando instalaram um telefone para atender os fregueses, manteve o hábito de pregar peças nos amigos e ligou para seu vizinho de ponto, que correu para atender. “Alô! Aqui é da Embratel. Por gentileza, pegue o telefone com a mão esquerda e abaixe um pouco. Isso... agora levante o aparelho o máximo que puder e gire um pouco a cabeça. Muito bem...” Quando o companheiro de profissão tomou conhecimento de que era piada, ficou uma fera e não conseguia entender como foi tão inocente.
Reconhecimento
Em 1989, um fato marcou a vida de Adir. Foi motivo de grande orgulho quando soube que foi eleito vereador na cidade adotiva, com expressiva votação. O período foi de grande aprendizado e muitas indicações foram feitas, enquanto nos representou, por duas gestões.
De lá para cá...
Entre uma sessão e outra, Adir usava seu fusquinha vermelho para dar aulas de direção e recorda, com meio sorriso, de sua primeira aluna: “Coitada! Não tirou carteira até hoje!” Como seu sonho era ter uma auto-escola mas, para isso, era requisitado o segundo grau, foi preciso sacudir a poeira e procurar se reciclar. Matriculou-se no Sanico Telles e completou o Ginásio; fez o Colegial por cor-respondência e realizou o seu sonho.
Aos 75 anos, o honorário santa-ritense credita à família o sucesso na vida e passa as poucas horas livres em um sítio na Cruz das Caveiras. Vez ou outra é requisitado na auto-escola, mas sabe que chegou o mo-mento de descansar. Em companhia de Iveta, com quem é casado há meio século, vive rodeado dos filhos, que demonstram um orgulho danado ao falarem do pai. Felizes e realizados, são herdeiros de um legado que o homem simples carrega: aprenderam que, através da honestidade, do amor e de muito, mas muito trabalho, conquista-se algo invisível, mas que não se pode mensurar o valor.
(Carlos Romero Carneiro)
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