Kochi-Ken é uma cidade japonesa localizada no sul da ilha de Shikoku, de frente para o Oceano Pacífico. A região é famosa por possuir alguns dos rios mais limpos do país, como o Shimanto, que corre na parte ocidental da província, descendo pelo Monte Ishizuchi, até a Baía de Tosa.
Nascido em 1940, Kesato Ueta é filho de agricultores daquela região e passou a infância toda brincando naquelas águas cristalinas, escalando suas verdes montanhas e ajudando sua família na lavoura.
Das lembranças que carrega da II Guerra, Kesato recorda-se de poucas. A mais marcante é da recomendação que os adultos faziam às crianças para não usarem chapéus brancos, o que poderia facilitar a identificação pelos aviões inimigos. Como estava longe dos grandes centros, Kochi-Ken não foi bombardeada. Os únicos efeitos foram o racionamento de comida, a falta de energia elétrica e a dificuldade para comprar peças metálicas.
Seu pai, Mituyoshi, sempre gostou de lidar com máquinas, aptidão que transmitiu ao filho. Em sua aldeia, o lavrador era o único que tinha um rádio, fato que atraía a atenção da vizinhança. Quando cresceu, o garoto aprendeu a consertar tratores, automóveis e outras máquinas, conhecimento que lhe seria muito útil no futuro.
A situação na província não era das mais promissoras, quando Kesato soube que havia oportunidade de trabalho nas lavouras brasileiras e decidiu arriscar tudo no novo mundo. Com apenas 137 dólares no bolso, o rapaz embarcou no navio Sakura Maru, em setembro de 63, com destino à cidade paulista de São Roque, onde teria emprego por um ano.
Após 35 dias de viagem, o navio desembarcou no Porto de Santos com um bom número de imigrantes. Para Kesato, entretanto, as dificuldades estavam apenas começando. O japonês não conhecia uma única palavra de nosso idioma e tinha dificuldade até para dizer que estava com sede. Quando terminou o contrato, período em que trabalhou na lavoura, foi preciso cair no mundo e encarar uma série de desafios. Separado por uma língua completamente diferente, teve muita dificuldade para se locomover, lidar com pequenas negociações ou realizar entrevistas de emprego.
Depois de muito sufoco, Kesato conseguiu trabalho na empresa Alpha Romeo e, além do baixo salário que recebia, ganhou algo que carregaria por toda a vida. Foi na linha de montagem da empresa francesa que um conterrâneo que o chefiava passou a chamá-lo de Napoleão, alcunha que o identifica até hoje. Em 1970, ao ser batizado para que pudesse casar com Emiko, uma brasileira descendente de japoneses, foi a primeira vez que o apelido constou em documentos oficiais.
Ao terminar o contrato de 5 ou 6 meses com a indústria automobilística, Kesato passou a atuar na cidade de Mauá, bem na época em que a empresa fechou. Sem alternativa, foi convidado por um freguês a vir buscar serviço no sul de Minas e acabou aceitando.
O japonês chegou em Cachoeirinha no início da década de 80 e, por 2 anos, trabalhou em uma plantação de arroz. Em busca de um trabalho que oferecesse melhores condições, veio para Santa Rita e bateu na porta de todas as oficinas que encontrou, sem obter sucesso. Como nada em sua vida veio de maneira fácil, decidiu abrir uma oficina na Várzea e passou a contar com a sorte para conquistar os primeiros clientes.
No início, a situação era difícil para Napoleão. As pessoas ainda não o conheciam, não tinham confiança em seu trabalho e levou certo tempo para que descobrissem o quanto era talentoso e confiável. Depois de alguns meses, sua oficina tornou-se disputadíssima e era preciso agendar com grande antecedência para realizar um reparo.
Apesar de reservado, o japonês tornou-se muito estimado pelos santa-ritenses que fazem questão de cumprimentá-lo quando o encontram pelas ruas da cidade. Com a enfermidade de sua esposa, Kesato fechou a oficina e, sempre muito solícito, passou a cuidar dos serviços domésticos e dar a atenção de que ela tanto precisava.
Ao fazer um balanço de sua vida, desde que abriu a oficina, em 1985, Napoleão diz que sente grande admiração pelos santa-ritenses, por ter sido acolhido com carinho e consideração. Ele conta que, apesar de não ter nenhum contato com os parentes no Japão, espera poder retornar à terra natal e rever as águas que o marcaram na infância. “Em 2003, recebi uma carta de uma sobrinha. Ela avisava que minha mãe havia falecido e solicitava minha assinatura para dar prosseguimento ao inventário”. – conta o mecânico, que ainda carrega um forte sotaque.
Para finalizar, mandou uma mensagem a Santa Rita: “Gostaria de agradecer aos santa-ritenses pelo apoio. Quando caminho pelas ruas, muitas pessoas que não consigo reconhecer ou que mudaram de feição me cumprimentam, mas não consigo me recordar de todas. Quero que saibam que tenho orgulho de viver aqui e de contar com a amizade de todos vocês. Muito obrigado!”
(Carlos Romero Carneiro)
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