segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O curral do conselho (Por Ivon Luiz Pinto)

Um dos problemas que toda cidade  do interior teve e, em certas ocasiões, ainda tem, é concernente a animais soltos pelas ruas. É bastante desagradável e também perigoso encontrar cavalos, vacas e cachorros transitando pelos caminhos que temos que fazer.  Já houve caso de vaca cair na piscina residencial de amigos. O caso foi tão inusitado que a EPTV veio registrar o ocorrido e a vaca saiu na televisão... Essa situação de animais na rua não é coisa recente. Ela vem desde muito tempo, não só na cidade como também no Brasil. Se levarmos em conta que houve um tempo em que não havia automóveis, caminhões e o meio de transporte era no lombo de animais, vamos perceber que a população equina, principalmente, era muito grande. O carro de bois supria a necessidade de transporte de carga pesada e a tropa de muares supria o de longa distância. Era bonito ouvir o cantar do carro puxado por muitas juntas de bois, quase sempre de cores iguais. As juntas eram unidas pela canga, presas pelo canzil e por uma correia que passava em baixo do pescoço e que tinha o nome de brocha. Eita nome que dá medo! Na frente, os dois bois de guia, mais mansos e obedientes ao comando do carreiro e, junto à mesa do carro, a junta de coice. Mais atarracados e mais fortes, eram eles que aguentavam o maior peso. 
Um carro de bois é formado por uma prancha longa onde se coloca a mercadoria e é chamada de mesa e tem uma ponta triangular de onde sai uma trave comprida, o cabeçalho, que une o corpo do carro às cangas. A mesa possui furos laterais onde se coloca os fueros que, em alguns casos, suportam uma esteira de bambu. O condutor do carro de bois é o carreiro, com sua longa vara de ferrão. 

O condutor da tropa era o tropeiro. Um dos mais importantes tropeiros desta cidade foi o Capitão João Antonio Dias, possuidor de várias tropas para fazer  transporte. Atento aos negócios da região, o Capitão fazia comércio levando, no lombo de sua tropa de mais de cem burros casta-nhos, produtos da terra para o vale do Paraíba e, daí, seguindo para Parati, através de Guaratinguetá e Cunha. Muitas vezes, alargava a caminhada e chegava até o Rio. Seu filho, Antonio Paulino, era companheiro nas viagens e, quando o pai já estava cansado, empreendia a responsabilidade total. Isso foi lá por 1834. A maioria dos pastos era aberta e, frequentemente, se encontravam animais pela cidade. Foi então necessário colocar ordem  e a Câmara Municipal legislou proibindo que se deixasse animais soltos, criando o Curral do Conselho  que era o local, adequado pelo Conselho Municipal, onde a prefeitura guardava os animais soltos nas ruas, como num curral, até que os donos viessem buscá-los. O nosso Curral ficava ao lado do Mercado Municipal. Esse mercado foi assassinado e, em seu lugar, apareceu a Praça Dr. Delfim Moreira Jr, hoje Praça do Kridão. No lugar do Curral, ergueram um barracão que já serviu para uma fábrica de confecções, a Katrin. A proibição de animais soltos nas ruas e praças é  oriunda de Portugal, vem com os primeiros colonizadores e está prevista nas leis do Conselho Ultramarino, órgão português para cuidar da colônias além mar. A proibição existiu em todas as cidades e vilas e, em alguns lugares, houve situações hilárias, como em Batatais que a Câmara Municipal instruiu os proprietários de vacas a colocarem, de noite, lanternas em seus chifres para que as pessoas não tropeçassem. 

As Câmaras Municipais existem desde 1532, quando foi fundada a Vila de São Vicente. Martim Afonso de Souza nomeou alguns  “homens bons” com a função de verear, isto é, governar a vila e fazer justiça. Não existia o cargo de prefeito. Quem exercia o poder executivo era o Presidente da Câmara que, posteriormente, delegou o poder de fazer justiça aos  juízes ordinários.

Em  1916, existia aqui uma Câmara Municipal e o Presidente dela é quem governava o Município. Na época, o Presidente da Câmara era o Cel. Francisco Moreira da Costa que, em 10 de junho de 1916, sancionou a lei 241, denominada Estatuto Municipal.  O Art. 76 era claro nas suas proibições.

A partir de então, os animais soltos eram recolhidos por homens corajosos que enfrentavam o chifre dos bovinos e os coices dos muares. Os cães soltos eram apanhados pelo “homem da carrocinha”, assim chamado por conduzir uma carroça onde se colocava esses animais. Todos eram levados para o Curral e depois vendidos ou abatidos, se os donos não os procurassem. Dizia-se que eram vendidos para as fábricas de salame. Daí chamar os cavalos magros de salameiros. Certa vez, desapareceu meu cachorro Sultão. Eu gosto muito de salame. Será que comi meu cachorro?

Oferecimento:

Um comentário:

  1. Belo relato que chega em um momento mais que oportuno. Afinal, se estamos ainda imbuídos do propósito de transformar esta cidade em uma cidade criativa e feliz, fazer conexões, no caso, entre passado e presente, é, e será sempre, muito bem vindo. Parabéns meu caro Ivon, com meus votos de que possa trazer outras contribuições de modo a fortalecer ainda mais este belo e encantador movimento que estamos construindo em SRS,

    ResponderExcluir