quinta-feira, 17 de julho de 2014

Os causos do temido Minhocão (Por Cônego Carvalhinho)

O início de uma lenda que balançou as estruturas de Santa Rita

O ribeirão do Mosquito só podia ter esse nome pela abundância de pernilongos concentrados na Lagoa do Bicho, situada numa depressão de terreno algumas braças acima da desembocadura de suas águas, à margem direita do Sapucaí. A temível lagoa guardava uma lenda que os nativos das região (índios) transmitiram aos primeiros habitantes que chegaram àquelas paragens: o terrível Minhocão.  Os índios Sapucaias, não sabendo explicar os fenômenos dos deslizes de terras na montanha e alarmados com as pororocas que se repetiam na lagoa por ocasião das enchentes no Rio Sapucaí, imaginaram uma única causa para a erosão nas fraldas dos morros em que se situavam as minas formadoras da hidrografia da região. Criou-se, então, a Lenda da Lagoa do Bicho que chega até os nossos dias.  Desde 1935, já ouvia falar do Minhocão que morava no fundo das águas lodosas, perto das tubulações e das bocas de lobo, indicando que boa parte dos esgotos da cidade desembocavam por ali. Os garotinhos do bairro Matadouro Velho, ao verem a efervescência das águas, juravam de pés juntos que o minhocão estava ali e botavam a correr...

O pavor que varou  o século

Em 1934, ladrões assaltaram a igreja Matriz e roubaram tudo o que puderam: vasos sagrados, dinheiro dos cofres, toalhas de linho e, com requintes de sacrilégio, arrombaram o sacrário retirando as píxides, espalhando as hóstias sagradas pelo chão. Monsenhor Calazans, o piedosíssimo Vigário, pouco se importou com a vultuosidade do roubo, mas chorou o atentado ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia.

Na ocasião, os ladrões não se esqueceram de levar consigo um molho de chaves que encontraram na sacristia. Com elas, abriram o Sacrário, os cofres e as gavetas das cômodas, onde se encontravam as toalhas e algumas alfaias. Antes de deixar a igreja, tiveram o atrevimento de escrever com carvão do turíbulo, na parede do fundo da sacristia, o seguinte recado: “Monsenhor Calazans, as chaves estão no fundo da Lagoa do Bicho. Mande o Artur Sacristão buscá-las, se não tiver medo do Minhocão.” Tal recado tirou um sorriso de desdém do velho Padre, sorriso que, lá no seu íntimo, era um ódio sagrado pelo que tinham aprontado os ladrões.  Para um bom número de pessoas, o fato só trouxe mais pavor do Bicho, que ainda morava no fundo da lagoa. 

Desde muito tempo, a Lagoa do Bicho secou. Um aterro de 8 metros, desde o nível das águas do Sapucaí, aplainou toda a área alagada para construir a moderna Escola Técnica de Eletrônica. Com isso, Dona Sinhá e os padres Jesuítas levantaram um monumento que veio a ser a maior escola do gênero no Brasil. Ao destruírem a lagoa e canalizando o ribeirão do Mosquito, afastaram para sempre o pavor que os santa-ritenses nutriam pelo Minhocão, acabaram com o inferno dos pernilongos e exorcizaram o fantasma das epidemias. O folclore, no entanto, permanece para o conhecimento dos novos santa-ritenses e dos alienígenas que aportaram em Santa Rita nos dias atuais. Se assim procedi, contando a história do temido Michocão, é porque, como históriador da terra que estimo como minha, jamais poderia desprezar o seu rico folclore, que vem enfeitando, desde o final do século dezoito, as paragens do Mosquito e de seu irmão gêmeo, o Vintém.

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