sábado, 18 de janeiro de 2014

Um rádio para falar com Hitler - Por Cônego Carvalhinho

Chegou a Festa de Santa Rita de 1944. Quando estava preparando para celebrar a missa que seria às 10 horas, chegou um soldado da polícia com uma intimação. Deveria comparecer à Delegacia a fim de prestar depoimento ao Delegado Especial. As acusações eram:

1) De que eu tinha na Igreja Matriz um aparelho transmissor com o qual me comunicava com a Alemanha de Hitler.

2) Ser responsável por uma ligação elétrica no Cruzeiro (Rua Nova)

3) Ter consentido em hastear o pavilhão nacional, em cima de um cavalo, por um homem sem camisa.

4) Que eu instigara o Missionário Chefe a se insurgir contra os inocentes, no Dia das Missões.
Atrasei a celebração da missa à espera do Dr. Luna. Chegou. Ficamos combinados que ele, mais o Dr. José de Almeida Paiva e o Dr. Elpídio Costa seriam meus advogados. O delegado devia se avistar comigo às 3 da tarde. Dentro da missa, avisei o povo, sem ocultar nada, o que se passava. Pedi, no entanto, que os fiéis estivessem atentos e que me defendessem caso fosse preciso. Enfim, alarmei os católicos e amedrontei mais ainda o brilhante Delegado da Ditadura.

Sem que soubesse, os Irmãos de São Benedito se reuniram no porão da Casa Paroquial. Na hora da chegada do Dr. Amansor, determinaram que alguns homens vigiassem quem estivesse dentro ou fora da minha casa, inclusive os soldados. Armados de foice, garruchas, facas e o diabo a quatro, chegaram a assustar a minha mãe que somente se acalmou quando soube que estavam ali para evitar que me prendessem.

Meia hora antes, o Delegado percebeu a manobra dos fiéis e a atitude dos soldados de me defenderem a qualquer preço. Mandou, então, pedir garantias aos advogados que estavam comigo e chegou bonzinho à Casa Paroquial. Pediu desculpas pelo acontecido. Como autoridade, tinha que acolher denúncias, mas chegava à conclusão de que todo aquele processo não passava de mais uma farsa dos adversários do Vigário.

Tudo estava acabado. Depois de despedir-se de mim, Amansor Doyle foi embora escoltado pelos advogados, até a saída da cidade.

Um pouco antes da procissão, a minha casa se encheu de gente. Todos estavam sorridentes com a liberdade do Vigário. Desde então, foram 10 meses de sossego na comunidade paroquial de Santa Rita e uma pontinha de vaidade se manifestava em meu sorriso tranquilo. Já não desejava mais nada da vida, senão permanecer em Santa Rita até morrer.

Os desígnios de Deus são, entretanto, insondáveis. Ao morrer o vigário de Ouro Fino, o Bispo - como prometera - me transferiu, em 26 de maio de 1945.

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