segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Marieta Coelho e as aventuras de uma jovem de 100 anos

Marieta Vasconcelos Coelho nasceu um ano após o naufrágio do Titanic e pouco meses antes da I Guerra Mundial. Filha do fazendeiro Crescêncio Ribeiro, passou a infância na fazenda Lajeado, localizada nas proximidades de Bela Vista, que ainda pertencia a Santa Rita.
Dona Marieta e a casa onde sua família viveu.
Naquela propriedade, a menina colecionou uma série de aventuras. Em uma delas, aos 10 anos, resolveu atravessar por dentro de uma manilha estreita, com aproximadamente 6 metros de comprimento, e acabou entalada no meio do caminho. Sem poder se mexer, foi preciso gritar pelos familiares até que sua mãe fosse correndo ao encanamento da antiga usina, livrá-la do sufoco. 

Entrar pelo cano, não foi, entretanto, a maior nem a menor arte empreendida por Marieta  Dois anos antes, pediu para a irmã olhar na saída de uma máquina de matar formigas e  ligou a bomba. A vingança da caçula viria na adolescência, quando contou à mãe que Marieta estava mandando recado para um menino do povoado. Ao descobrir que a caçula estava dando com a língua nos dentes, a alternativa foi pedir para outra de suas irmãs trocar de lugar com ela na cama para confundir a mãe. Já de noitinha, quando foi tomar umas chineladas, apanhou a criança errada, que até hoje não sabe o que aconteceu. 

Quando estava na cidade, a família de Crescêncio Ribeiro ficava hospedada em uma antiga casa localizada à Praça Santa Rita, onde, mais tarde, foi sede da prefeitura (atual Banco Itaú). Comprada de Dona Francisca Palma, a entrada era em frente ao jardim e acabou transportada para a lateral. Na varanda, um afresco de Pingulu criava uma composição que misturava aves e paisagens campestres. Como eram pouquíssimos os automóveis, a cidade era repleta de carroças com rodas de madeira que faziam um grande barulho ao trafegar sobre o chão de pedra ou terra batida. Sempre que podia, Marieta ia ao cinema com o tio ou com o cunhado assistir aos concorridos filmes de Tom Mix ou algumas peças de teatro, vindas do Rio ou de São Paulo. Já os circos, armados no terreno onde viria a ser a residência de Dona Nazareth Moreira, também eram muito aguardados. Apesar de morar bem próximo, Marieta morria de medo de encontrar pelo caminho uma senhora com um pratinho de comida e uma caneca na mão, apelidada pela criançada de Maria Louquinha.

Aos 13 anos, Marieta foi para o internato dirigido por Francisco Falcão e Dona Corina. Durante a viagem da fazenda à cidade, uma moça à beira da calçada tirou a atenção de Crescêncio, que entrou com o Rugby direto em um poste da Sul-Mineira. Além dos prejuízos, o cafeicultor ainda teve que escutar a bronca da esposa, enciumada com o acontecido.

A vida no internato não era moleza. As meninas só podiam sair um domingo por mês, ocasião em que vinham à Praça da Matriz. Marieta estudava tanto que quando morreu o senhor Juca Barbosa, um de seus professores, ela olhou pro defunto e pensou: “De que adianta estudar tanto? Esse era professor e morreu...” 
Crescêncio Ribeiro e a Fazenda Lajeado.
Na juventude, Marieta foi convidada a participar de um bloco fundado por Heitor, filho do Cel. Erasmo Cabral. Como a pequena agremiação chamava-se “Bloco dos Namorados” e Irineu Coelho (seu futuro esposo) não dava sinais de chegar de Passa Quatro, a moça aceitou o convite de outro pretendente e fizeram roupas idênticas para desfilar na Baratinha. Tudo corria bem, até que ela viu o amor chegar à Praça: “Você vai me desculpar, mas... “ E foi saindo de fininho, em direção ao verdadeiro namorado. 

Nos finais de semana, era bem interessante o comportamento dos jovens. Enquanto as moças caminhavam numa direção, pela parte interna do jardim, os homens caminhavam no sentido horário. Na parte externa, passeavam as moças da rua do Brejo, frequentadoras das “Casas de Randevu”. “Elas andavam muito bem vestidas. Eram menos escandalosas que as moças de família de hoje.” 

Ao se casar com Irineu, em 1935, Marieta herdou do pai uma parte da fazenda e tiveram 5 filhos. Um deles, Eluízio Coelho, era muito admirado pelas moças e ganhou o apelido que o eternizou. “Quando um circo chegava à cidade era comum ficarem dois moços bonitos na entrada dos espetáculos para atrair as moças. Como o apelido deles era ‘Charuto’, meu filho recebeu o apelido.” Jogador do Industrial e tido como um dos maiores atletas que a cidade conheceu, Charuto ainda é lembrado como uma lenda e teve morte prematura.

No dia 27 de outubro, Vó Eta, como é conhecida, completou 100 anos e continua mais ativa do que nunca. Com uma grande quantidade de netos e bisnetos que enchem a casa, enquanto ela conta suas histórias, esta simpática senhorinha parece dar as costas para o tempo, enquanto nos transporta para um passado cada vez mais distante. 

No dia 23 de novembro, durante o projeto “Lendas Vivas” que levará algumas personalidades santa-ritenses para contar causos na praça, Vó Eta marcará presença e poderá relatar como era a vida no início do Século XX. Oportunidade única de conhecer uma pessoa incrível, dona de uma memória que poucos jovens têm.

(Carlos Romero Carneiro)

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