Estávamos chegando ao portão da chácara do Ipê, quando o a-vistei caminhando pela estrada, baixinho, cabelos encaracolados brancos,com vários litros pet numa sacola para trazer leite das vacas de um amigo. Era meu amigo de longas datas e juntos participamos da mesma Conferência Vicentina e demos assistência para muitos necessitados. É esse o trabalho vicentino de “ir aos pobres” como ensinou Frederico Ozanan, o fundador dessa Sociedade. É um serviço envolvente e gratificante e toda vez que a gente faz visita ao pobre, ao necessitado ou ao doente, recebe-se mais do que aquilo que levou, sente-se mais confortado do que conforta.
Quando vi o Zé Florindo, parei o carro, desliguei o motor e fomos, eu e Rita cumprimentá-lo, eufóricos e sorridentes. pela alegria de encontrar um amigo, sabendo que é no coração do amigo que a gente guarda as palavras de bênçãos. A conversa rolou longa como são longas as conversas de dois amigos que faz tempo que não se encontram. Falou-se de tudo, da saúde atravancada pelas enfermidades que a idade traz a tiracolo, dos conhecidos e não mais conhecidos, aqueles que ainda estão conosco e aqueles que, benza Deus, já foram para a casa do Pai. Falou-se da vida de cada um e da vida de todo mundo. “Eu nasci e vivi muito tempo lá pras bandas daquela serra que a gente tá vendo”, dizia ele na voz cansada. “Depois meu pai se mudou pra perto da Igreja. Meu pai tinha me educado no trabalho, trabalho duro da roça e quando viemos para cá ele me mandou aprender a ler com o seu Artur Português. Era um homem muito inteligente que veio de fora, lá de Portugal e não sei como foi parar aqui. Ele me ensinou a ler na Cartilha e até me ensinou que, para dizer fran, fren, frin fron, frun tinha que falar pelo nariz, igual aos homens da Europa. Ele não aceitava que fosse de outro jeito. Quando estava na serra eu só trabalhava e não sabia ler e depois com seu Artur eu cheguei a ler a cartilha quase toda e fiquei sabendo muito.”
Falou-se do tempo: “É fessor, este ano ainda num vimus geada, e isso é muito perigoso. É sim. O gelo - e ele aponta para o alto - está lá em cima, numa nuvem qualquer e se ele num cai em geada pode ser que caia em chuva de pedra, e é um transtorno pra lavoura. Olha ali - ele indica a grama orvalhada - aquilo que tá brilhando é orvaio, num é geada, a terra já está molhada à espera que caia a bendita geada. Houve um ano que geou em setembro, num sei se o sinhor se alembra. Mas, fazer o quê? Tudo está nas mãos daquele lá em cima, É Ele que tem o poder. É Ele que pode tudo! A gente precisa ter fé e esperar. Num é muito fácil, não. Tem hora que a gente treme. É preciso aprender a ver as coisas. Ou a gente chora porque as rosas têm espinhos, ou a gente ri porque os espinhos têm rosa. É só saber ver, né? As coisas estão muito mudadas, pensa bem. Antigamente todo mundo tinha uma hortinha para alimentar a casa, com canteiros de couve, tomate e cebolinha. Criava galinha ciscando no terreiro e recolhia ovos para colocar no arroz. Eu gosto de arroz branco com ovo bem mole, muito mole mesmo, pra gente misturar e fazer aquele arroz amarelo gostoso. Hoje ninguém mais faz horta e se quiser um chêro verde tem que comprar um amarrío de cebolinha, com poucas varinhas dela. Tudo mudado. Sabe fessor, é bom ter galinha da Angola em casa que ela come cobra e a gente fica protegido, mas ela não serve para comer, não. É uma pena. Tem só penas, nada de carne. Acho que é por isso que ela diz que ta fraca...” Depois de uma longa conversa o amigo seguiu seu caminho, devagar como sem pressa é o tempo na roça e nos pés do homem coberto de idade...
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