quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Lívia Martinez, a estilista que criou mais de 1000 vestidos, em 73 anos de profissão

Lívia Martinez produziu mais de 1000 vestidos em sua carreira como estilista.

Talento precoce

Após uma noite inteira de viagem a bordo de um trem, Lívia Martinez desembarcou em São Paulo, no final da década de 40, para uma visita a seus familiares que lá residiam. Nos dias que se seguiram, ela visitaria a bem montada loja de roupas de sua tia, dotada de uma linda vitrine que colocava em exposição as mais delicadas roupas e tendências. Ao demonstrar um grande interesse pela costura, ofício que aprendera com sua mãe, recebeu o convite para realizar um curso de alta-costura que aconteceria naquela semana. Chegando ao Brás, local onde seriam ministradas a aulas, Lívia recebeu instruções com um estilista baixinho e elegante e conheceu técnicas europeias de que, até então, nunca tinha ouvido falar. Quando terminou o curso, ao perceber o grande talento revelado por sua aprendiz, o professor até tentou contratar a menina, mas ela estava realmente decidida a viver em Santa Rita.

A garota retornou à sua terra natal e, imediatamente, foi convidada a realizar um desafio, o que aceitou com a coragem típica das crianças de sua idade: produzir um vestido de noiva para que Dona Maria José Rennó, sua vizinha, pudesse presentear uma amiga de Ouro Fino. Após ouvir com atenção as orientações de sua primeira cliente, Lívia adquiriu a seda mais sofisticada que encontrou e produziu um lindo vestido dotado de uma imensa cauda trabalhada. No decorrer da cerimônia, todos queriam saber quem havia confeccionado aquela verdadeira joia e, quando souberam que fora produzido por uma criança, ficaram deslumbrados com tamanho talento.
Marlene Matragrano veste um dos vestidos criados por Lívia.

Novos trabalhos

Com o passar dos anos, Lívia passou a ser requisitada para diversos trabalhos e nunca mais parou de atuar na profissão. Se era festa de formatura, a garota era encarregada de criar os vestidos das Normalistas, todos completamente diferentes na forma e no estilo. Antes de confeccionar uma peça, ela procurava conhecer o gosto da cliente e a produção era baseada em sua personalidade. Se a formanda era mais tímida, a roupa teria cores mais delicadas e linhas comportadas. Caso a moça quisesse chamar a atenção no salão de baile, as cores ganhavam tons vivos e cortes audaciosos. Para criar cada modelo, Lívia fazia questão de viajar a São Paulo e visitar algumas de suas mais tradicionais lojas para trazer o que havia de mais belo em matéria de tecidos. Quando os sírios percebiam a presença de Lívia, corriam para atendê-la e sempre a levavam para um espaço reservado do estabelecimento, onde guardavam as peças mais luxuosas que importavam de Europa.

Ateliê na Fazenda do Alto

Ao se casar, a estilista já contava com grande experiência e com uma clientela cada vez mais fiel. Durante o dia, Lívia cuidava da casa e dos filhos. Ao anoitecer, colocava toda a sua criatividade a serviço da moda e materializava lindas produções. Como seu marido era administrador da Fazenda do Alto, que pertencia ao Coronel Francisco Moreira, era muito comum um bom número de automóveis subirem a estrada de terra, na entrada da cidade, para que as moças pudessem tirar medidas ou buscar as encomendas. Em dias de baile, elas combinavam horário e procuravam manter sigilo quanto aos modelos que iriam usar. Como todas as peças ficavam na sala de visitas, cobertas por uma peça de tecido, vez ou outra, uma delas tentava ver as outras composições e era repreendida por Lívia.
Hebe de Marchi também esteve presente no Clube Santarritense, com um dos vestidos feitos por Lívia.
Bailes no “Clube Santarritense”

Na noite do grande baile que elegeria a Rainha do “Clube Santarritense”, as moças exibiam lindos vestidos, todos criados por Lívia e, cada uma delas, sempre achava que o seu era o mais belo. Para ela, aquela era a forma mais plena de realização.

Noites de carnaval

De todos os eventos que ajudou a promover, o que deixava Lívia mais feliz era quando criava as fantasias usadas pelo Bloco que nasceu em sua casa: o Ride Palhaço. Enteada de um de seus fundadores, a estilista cresceu colaborando com as costuras de fantasias e virava noites enfeitando as peças com bordados e pedrarias. Ao relembrar a emoção que sentia ao ver o desfile contornar a Praça Santa Rita, Lívia recorda o ano em que o Ride desfilou de “Índias e Bandeirantes” e viu sua filha, Vera Lúcia, em um dos carros mais bonitos já produzidos pela agremiação.

Visibilidade nacional

Depois de 73 anos de trabalho, a estilista santa-ritense recorda que já apresentou suas criações em um programa de moda na televisão e que criou, no decorrer de sua carreira, mais de 1000 vestidos para diferentes ocasiões. Em uma participação que fez, ao vivo, para a TV Bandeirantes, Lívia diz que mal terminou o desfile e já havia recebido um lance para compra de um de seus vestidos. “Eu era indicada pelos lojistas de São Paulo, que me conheciam muito.” Ao teorizar sobre o talento para as artes que a norteou por toda a sua carreira, ela conta que herdou o dom de seus pais: “Meu pai, Laurindo Carreira Martinez, era um desenhista e arquiteto muito perfeccionista e construiu algumas das mais belas edificações de Santa Rita. O antigo prédio do Instituto Moderno de Educação (Inatel) e a casa da Dona Espanha (Casa Viva) foram criados por ele. Minha mãe, por sua vez, sempre trabalhou com costura e me ensinou, desde muito cedo, a sua profissão.”
Lívia criou o próprio vestido de casamento.
Uma mostra de seus trabalhos

Ao exibir alguns dos seus vestidos, Lívia diz que planeja realizar, em 2013, uma exposição ou desfile com seus trabalhos. Ela conta que gostaria que alguma entidade convidasse cabeleireiros, maquiadores e modelos para usarem suas criações a fim de que pudesse expor o rico acervo que possui. “Tenho mais de 100 vestidos para expor e seria muito interessante fazer uma mostra. Se pudéssemos criar um movimento em benefício de alguma instituição, seria um evento interessante e me deixaria muito feliz.” 

(Por Carlos Romero Carneiro)

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