quinta-feira, 16 de junho de 2011

O trabalho, a bondade e o humor do estimado Joaquim Carlito

Vida de Tropeiro

Joaquim Carlos Ribeiro nasceu no dia 14 de abril de 1915 e era conhecido pelos santarritenses como Joaquim Carlito. Desde muito cedo, o rapaz humilde do campo trabalhou como boiadeiro e tornou-se muito famoso por conta de sua grande bondade e pela destreza que demonstrava na lida com o gado. Um de seus maiores amigos foi Dito Zeferino e a parceria criada entre eles fez com que ambos se tornassem muito prósperos nos anos seguintes.

Para negociar o gado no interior de Minas, a dupla viajava de ônibus, levando o dinheiro todo em um embornal. Após a compra dos bois, os tropeiros caçavam o rumo em direção a Santa Rita montados em cavalos trazidos por alguns companheiros de empreitada. A viagem de volta levava muitos dias e o grupo costumava dormir debaixo de árvores para não deixar os animais sozinhos. Ao chegar à cidade, faziam negócio com grande parte dos produtores locais e se preparavam para uma nova viagem.

O caminho inverso também era feito quando Joaquim Carlito e seus amigos eram incumbidos de levar as boiadas de fazendeiros da cidade aos frigoríficos da capital paulista. Partiam de Santa Rita às 4 horas da manhã a bordo de um caminhão e tinham que encarar uma viagem de 16 horas percorrendo estradas sem calçamento. Para que os bois não caíssem uns sobre os outros, Joaquim Carlito viajava na carroceria, junto com os animais, para ajudar a levantá-los.

Em um tempo em que os roubos eram raros, os tropeiros nunca foram assaltados. Ainda assim, Joaquim Carlito morria de medo de uma fatalidade e, não raramente, dizia ao amigo Dito Zeferino que achava que estavam sendo seguidos. Pura desconfiança de mineiro. Quando as viagens eram mais longas e a boiada precisava passar a noite em São Paulo, os tropeiros sempre recorriam a um lugar seguro para deixar o gado: o estádio do Morumbi. Após dar uma boa gorjeta ao vigilante noturno, era lá que a comitiva se instalava, antes de seguir viagem rumo ao Paraná.
Os famosos jogos de sinuca

Apesar de se tornar um dos melhores negociantes de gado da região, Joaquim Carlito sempre teve uma grande paixão por jogos. No início, preferia o baralho. Mais tarde, tornou-se um grande jogador de sinuca. Seus companheiros inseparáveis eram o Senhor Nicola, José Gometa e Zé Bananeira (Paçoca amendoim!). O último, era o maior freguês de Carlito nas incríveis partidas travadas no bar do Zezinho do Arnaldo (Grande Armazém de Secos & Molhados). Como o oponente tinha mania de mirar torto na bola e só endireitar o taco no último momento, o tropeiro aproveitava os deslizes do amigo para faturar uns trocados. Era inevitável: um dos dois sempre saía liso. Entre uma partida e outra, Joaquim Carlito tirava um torresmo do bolso e pedia uma cerveja para acompanhar o tiragosto. Já o Senhor Nicola, sempre deixava o tropeiro nervoso por sua técnica invejável. Conta-se que, certa vez, ele matou tantas vezes a bola cinco em um jogo de “fina” que, ao procurar por ela na partida seguinte, percebeu que não estava em sua posição na mesa. Só foi encontrá-la - muito tempo depois - escondida no bolso de Joaquim Carlito.

Tempos difíceis

Com o passar dos anos, a sorte começou a virar para o nosso herói. Sentindo que os tempos se tornavam cada vez mais difíceis, Joaquim Carlito teve que deixar de lado a vida de tropeiro e buscar novas formas de traba-lho. Sem nunca ter perdido o bom humor, passou vender deliciosas linguiças e chouriços preparados por Clelita: a mais velha dos 8 filhos. Para atravessar a cidade com sua mercadoria, Carlito usava uma cesta de bambu, que sempre era deixada na entrada do Armazém no final do expediente. Em umas dessas ocasiões, enquanto o comerciante travava mais um embate de sinuca com um de seus oponentes, eis que surge um funcionário da prefeitura que recolhia o lixo e que acabou jogando a mercadoria de Carlito na caçamba. Ao perceber o ocorrido, o comerciante saiu correndo atrás do veículo e aprontou o maior escarcéu. Como não conseguiu reaver a mercadoria, Joaquim não deixou por menos. No outro dia de manhã, foi ao gabinete do prefeito e exigiu o pagamento de suas linguiças. O então governante, Capitão Paulo, não teve outra alternativa senão saldar os prejuízos do amigo e aquela história passou a figurar na galeria das lendas santarritenses.

A lição de Joaquim Carlito

Sem nunca ter tido medo de pegar no batente, a mudança de profissão não intimidou Joaquim Carlito. Vez ou outra, ainda ouvia alguma implicância, mas sempre tirava as brincadeiras de letra, sem perder o bom humor. Seus filhos contam até hoje sobre o dia em que um conhecido chegou para ele e retrucou: “Quem te viu, quem te vê, heim? Você já montou mulas boas, já foi dono de terras e hoje vende de porta em porta!” Sem se abater, Carlito deu a resposta que o engraçadinho merecia: “O senhor troca 50 contos pra mim?” O homem respondeu: “Eu não tenho todo esse dinheiro.” E Carlito devolveu: “Então vá para o quinto dos infernos!”. Os dois cairam na gargalhada.
Paixões de JK

Nos finais de semana, Joaquim Carlito ia muito aos campos de futebol torcer para seu time do coração: o ADJ de Jacutinga. O grande time formado por Aleluia, Lambari, Tatau e outros destaques da época, sempre se surpreendia quando chegava a Santa Rita e encontrava uma grande torcida, patrocinada pelo comerciante local. Outra admiração de Carlito era pelo político Juscelino Kubitschek. Dizem que, por algum tempo, o comerciante chegou até a escrever seu sobrenome com K (Joaquim Karlito), só para ter as iniciais idênticas às do grande estadista. Ele dizia: “Se o Juscelino for candidato novamente eu até pulo dentro da urna!”

Um grande coração

Apesar de sua vida de trabalho duro, de seu humor refinado e de sua paixão pela vida, a maior virtude de Joaquim Carlito era a bondade. Sua casa, construída no final da rua do Bepe (Genoveva da Fonseca), número 275, sempre era visitada por pessoas carentes, em busca do auxílio do comerciante. Uma de suas filhas, Elizabeth, conta que já chegou a ver o pai parar de comer para entregar o prato a um necessitado que bateu em sua porta. José Adão, conhecido na cidade como Tião Roque, chegou a morar na casa do comerciante por um bom tempo. Seus filhos também lembram que, ao chegar ao antigo mercado municipal para realizar seus negócios, o comerciante sempre se deparava com diversas cestas vazias que, ao serem preenchidas com alimentos e utensílios domésticos, retornavam à rua Nova com os donativos oferecidos por Carlito.

Nas festas do asilo, o comerciante não admitia ver as crianças pobres passando vontade e, ao arrematar cartuchos e doces, sempre os repartia entre elas. Já a imagem de São João Batista, outra prenda do leilão, foi doada para o próprio asilo. Certa vez, Joaquim Carlito chegou a comprar um carrinho inteiro de pipoca, só para distribuir entre a molecada.

Sempre que precisava comprar tecidos, o bom homem também não perdia a oportunidade de exercer a solidariedade. Comprava todo o tecido da loja e distribuía à criançada do bairro. Engraçado era ver, dias depois, a vizinhança inteira sair à rua para brincar com roupas feitas do mesmo tecido xadrez.

O reconhecimento

Com o passar dos anos, o amor dos Santarritenses por este grande amigo passou a ser convertido em reconhecimento de toda sorte. Em uma das primeiras edições do desfile de cavaleiros, Carlito foi o homenageado especial. Depois de algum tempo, uma rua do bairro Pedro Sancho também recebeu o seu nome. Nada mais justo. Gestos como esses foram apenas modestas formas de retribuir a este homem de bem as grandes obras que empreendeu por toda a vida. Afinal de contas, a falta que Joaquim Carlito ainda faz ao nosso povo permanece mais viva do que nunca e parece não ter hora para deixar o coração dos fi-lhos e as lembranças mais felizes do povo santarritense. Como dizia o tropeiro, após vencer um jogo de sinuca: “Merci bocu pela atenção.”
(Carlos Romero Carneiro)

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