quarta-feira, 13 de abril de 2011

A vida e as conquistas do estimado Manezão

Astolpho, mas pode me chamar de Manezão

“Quem é Astolpho?”, perguntou-se a jovem Iracema Vidal ao observar um convite entregue pelo seu namorado. Iracema não sabia, mas esse era o verdadeiro nome de seu companheiro. De fato, ele quase foi registrado como Manoel. Na pia batismal, porém, o padre discordou: era melhor evitar qualquer semelhança com Manoelina – nome da “Santa dos Coqueiros” - que havia ganhado fama de milagreira naquele distante ano de 1931. Os pais do menino se entreolharam constrangidos e preferiram homenagear um sacerdote estimado por ambos. Mudaram o nome, mas o apelido ficou.
Os primeiros anos

Nascido no bairro Capelinha do Embirizal, em Heliodora, Astolpho cresceu sendo chamado de Manoel ou simplesmente de Mané. Foi assim que se apresentou a Iracema num baile em Lambari. O rapaz esguio chamou a atenção da moça não apenas pela elegância, mas por uma característica que o marcaria por toda a vida: a laboriosidade. Órfão de pai aos 14 anos, ele descobriu ainda na infância a necessidade de trabalhar duro. Em Lambari, labutou num armazém, foi secretário da Câmara Municipal e fez o curso noturno de Contabilidade. O diploma só foi conquistado quando Mané e Iracema já estavam casados. Antes disso, trabalho e estudo pareciam inconciliáveis.

A vinda para Santa Rita

Mané sempre esteve fadado a empreender grandes desafios. Um deles foi transferir-se para Santa Rita do Sapucaí, a convite do cunhado José Gonçalves Mendes (Zezico). Chegou em 1959, ao lado da esposa e dos filhos, Marco Antônio e Luiz Henrique. Zezico havia aberto um armazém na avenida Dr. Delfim Moreira e precisava de alguém de sua confiança para gerenciar o estabelecimento. Entre um “Pois não” e outro, o desconhecido Astolpho se transformou no popular Manezão. O carinho dos santarritenses acabou confirmado em 1964, com a eleição de “Mané do Zezico” (como também era chamado) para a Câmara Municipal.

Um grande negociante

O mandato não-remunerado de vereador lhe foi gratificante, mas a política não era sua atividade predileta. Era no comércio que se sentia realizado e via seu esforço produzir resultados. Hábil nos negócios, não teve dúvida em aceitar uma proposta de Zezico: adquirir o armazém com prazo de 12 meses para o pagamento. “No começo foi dureza. Não tinha horário para almoço nem para jantar. O armazém fechava às nove ou dez horas da noite”, relembra dona Iracema, acrescentando que o valor acordado foi quitado menos de um ano depois.
A família de Manezão trabalhava incansavelmente no Armazém Avenida. Com o crescimento da clientela, foi preciso contratar funcionários e lançar mão de novos instrumentos. A entrega de compras em domicílios começou de forma tímida, com uma carroça puxada pelo cavalo “Branco” e conduzida por Tião Guarda. Outro empregado dos primeiros tempos foi Jefferson Gonçalves Mendes, sobrinho de Manezão, que atuou como balconista e auxiliar administrativo.
Nos primeiros anos do armazém, os sacos de açúcar chegavam à cidade num vagão de trem. Arroz e feijão eram adquiridos entre produtores da região. O gado bovino que abastecia o açougue era criado num pasto arrendado por Manezão. Já os porcos eram abatidos pelo açougueiro Celsão Borsato. As mercadorias mais pesadas eram transportadas por caminhões da empresa Rápido Seda.

O supermercado

O Armazém Avenida parecia pequeno para abrigar os sonhos e o arrojo de Manezão. Assim surgiu o primeiro supermercado santarritense, em 1972. A avenida Sinhá Moreira, ainda sem o Terminal Rodoviário, foi o endereço dos novos planos do comerciante. Um colega de profissão o alertou sobre os riscos da empreitada, mas Manezão sentenciou, sereno: “Futuramente, a cidade vai crescer para lá”. O tempo demonstrou que ele tinha razão e o Supermercado Avenida beneficiou-se do fluxo crescente de passageiros, operários e estudantes.

Além de trabalhar muito, Manezão atingiu o sucesso profissional por possuir uma aguda visão empreendedora. Ao criar seu supermercado, introduziu várias inovações no comércio santarritense, como as compras à vista com preço reduzido (até então, imperava o sistema de cadernetas). O funcionamento de um açougue dentro do supermercado também fez sucesso entre a clientela.
Quando as entregas passaram a ser feitas por automóveis, o próprio empresário dirigia a camionete. Numa dessas ocasiões, ele comia um pé-de-moleque ao volante, levando na carroceria o funcionário Lindolfo. Ao perceber que o pisca-alerta estava quebrado, o comerciante esticou o braço numa esquina e viu o doce sendo puxado por Lindolfo, que ainda agradeceu pelo presente. Foi neste mesmo veículo que o comerciante exercitou outra grande vocação: ajudar os menos favorecidos. Todos os meses, Manezão carregava o automóvel com mantimentos e os distribuía entre as instituições de caridade da cidade. Tudo era feito sem alarde. Nem mesmo a família tinha conhecimento de suas obras.

As mercadorias do supermercado eram compradas quinzenalmente por Manezão na rua Mendes Caldeira, na capital paulista. Para aproveitar os menores preços, realizava uma cotação pela manhã e deixava as compras para a tarde. Manezão anotava os valores em forma de código para que os fornecedores não tentassem engambelá-lo. Para conseguir descontos, só pagava com dinheiro em espécie, sempre levado pelo filho, Marco Antônio, numa pasta marrom. À tardinha, a Kombi motor 1200 do supermercado deixava São Paulo com aproximadamente uma tonelada de produtos. O veículo era descarregado em Santa Rita entre 23h e meia-noite, após uma cansativa viagem de cinco ou seis horas.

Quando o Avenida chegou aos 20 anos, no início da década de 90, Manezão era um empresário consagrado. O talentoso comerciante decidiu, então, investir em outro ramo. Certo dia, convidou a esposa para uma visita ao prédio do antigo Grande Hotel Melo, no início da rua Silvestre Ferraz: “Estou com vontade de comprar aquele prédio”. A velha construção estava abandonada, cercada de mato e repleta de infiltrações. Apreensiva, dona Iracema fez um apelo ao marido: “Pelo amor de Deus, não compre isso não. Não tem conserto...” Mais uma vez, a teimosia de Manezão o fez tomar a decisão mais acertada: adquirir o prédio.
A reforma do velho hotel logo começou. Faltava um nome para o estabelecimento a ser reinaugurado em outubro de 1994. Numa conversa despretensiosa, Marco Antônio ouviu uma sugestão do amigo Douglas Batista: incluir a palavra “Real” na futura denominação, em alusão à nova unidade monetária brasileira. A empresa acabou batizada de Real Palace Hotel, unindo o conceito de estabilidade econômica à ideia de grandiosidade que o empreendimento atingiria anos depois. Isso porque, em 1996, iniciou-se a construção de um novo prédio atrás do antigo, com 87 apartamentos em nove pavimentos.

Pouco antes da conclusão da maior obra de sua vida, Manezão deixou definitivamente seus familiares e amigos. Partiu com a certeza do dever cumprido, 13 dias após seu 70º aniversário. Tão grande quanto seu apelido foi a saudade dos conterrâneos e a vida de trabalho e honestidade que hoje são contadas como exemplo às futuras gerações. Seus filhos, que hoje tocam seus empreendimentos, seguem os passos do pai e, ao que tudo indica, são tão queridos quanto o comerciante conseguiu ser.
(Jonas Costa)

Um comentário:

  1. bonita história! Talvez ele seja um parente distante meu! Pois minha família também é oriunda da Capelinha do Imbirizal, que fica entre Heliodora e Lambari

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