Foi numa época em que a cidade era pequena, tão pequena que a gente conhecia todo mundo e as ruas tinham apelido: rua do Zé da Silva, rua do Queima, rua da palha, rua da Cadeia . O Correio, além da correspondência escrita, oferecia também o serviço de telégrafos e, por isso, a empresa se chamava Correios e Telégrafos. A cidade era tão pequena que nas cartas e objetos que vinham não precisava constar o endereço da pessoa, bastava o nome e o carteiro já sabia quem era. Às vezes, até pelo apelido a carta chegava ao destinatário. Eram poucas as correspondências, e logo que terminavam o trabalho, os carteiros ficavam livres para exercer outras atividades. A correspondência chegava pelo trem de ferro, a RMV, Rede Mineira de Viação, e, nele, existia um vagão especial, logo após a locomotiva. Esse vagão era repartido ao meio e na parte voltada para os vagões de passageiros ficava o escritório do Chefe do trem que recolhia os bilhetes dos passageiros e os perfurava com uma maquina própria. Quem não tivesse o bilhete era despejado do trem. No outro lado estava o compartimento dos Correios que continha a correspondência, separada por cidades. A correspondência era acompanhada pelo estafeta, oficial dos Correios, em uniforme cáqui, que a entregava sob recibo, ao Chefe carteiro da cidade, quando chegasse na estação. Em época de eleição os votos eram conduzidos nesse vagão que, por isso, ficava sob escolta policial e, nesses casos, a correspondência normal era entregue sob vigilância. Muitas vezes a gente esperava o trem chegar e indagava do estafeta se tinha alguma carta pra gente. Lógico que ele nada dizia.
Nas diferentes épocas da história postal brasileira o carteiro já foi tropeiro, estafeta, carregador de mala postal e inspetor de serviço postal, sendo cada um reflexo de seu tempo.
A estação de trem desta cidade se chamava Afonso Pena. Eu pegava o trem de madrugada, 4 horas, e chegava a Itajubá às 6. O trem vinha de Sapucaí com destino a Soledade de Minas, onde chegava por volta de meio dia, tendo percorrido 21 estações. A parada em Piranguinho era famosa por causa dos pés de moleque que alguém vinha vender dentro do trem.
Quando eu estudava em Alfenas, todo santo dia escrevia uma carta para a Rita e ela, da mesma forma, me escrevia. Uma carta por dia! E tenho todas guardadas. Meus colegas brincavam dizendo que desse jeito ela casaria com o carteiro. Mas eu não tinha medo. O carteiro era o Américo Garcia que só pensava em cerveja. Há poucos anos o carteiro amigo era o JUCA. Minhas filhas esperavam ansiosas a sua chegada para receber carta de namorado. O JUCA tem muita história para contar sobre este povo. Mas quero lembrar um outro carteiro, dos tempos antigos.
Havia, nesta cidade, um carteiro muito conhecido e amigo de todos que era o Francisco Garcia ou Chiquinho Garcia e que era mais conhecido por Chiquinho Carteiro. Homem bom, que gostava de caçar passarinho. Naquela época isso não era proibido e a gente o encontrava com gaiola e alçapão, pelos terrenos vagos à procura de suas presas. Gostava muito de canarinho e pintassilgo e, por causa deles, ia até pelas roças a caçar. Ele entendia do assunto e sabia, só de olhar, se o passarinho era bom cantador ou se era de canto fraco. Ele andava demais, muito mesmo e, frequentemente, era encontrado calçando sapatos de cores e modelos diferentes: num pé um tipo de calçado e, no outro, um calçado diferente. Era a pressa de sair para caminhar como carteiro ou como passarinheiro.
Muitas são as histórias desse homem como carteiro e como passarinheiro. Todas elas interessantes. Certo dia, ele estava entregando cartas indo da rua da ponte até a Afonso Pena, nome que se dava ao bairro além da ponte metálica, onde tinha a estação de trem. Na frente dele estava um casal de namorados que se escondia nos desvão das portas para trocar beijos. Coisa muito rara numa época em que nem se podia pegar na mão da garota. Eu só fui pegar na mão de minha esposa quando já estávamos noivos. O carteiro observava o enlevo dos dois com bastante interesse e foi caminhando e olhando, olhando e caminhando. A cena não lhe saía da cabeça. Quando chegou numa casa no bairro Afonso Pena, ele bateu palmas e fez o anúncio de que era o carteiro. A dona da casa abriu a porta e o Chiquinho entregou a carta dizendo: um beijo. Teve problemas para explicar o erro.
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Tenho saudades do Juca carteiro, quando eu o via caminhando pela rua com as cartas nas mãos era como a visão de um profeta que entregava notícias do mundo inteiro. Tempos bons, Juca está aposentado e as cartas hoje em dia parece que também estão. Incentivo meu grupo de oficina a trocarem correspondências. O ano passado fiz questão de enviar cartas para eles postadas no Correio de Santa Rita do Sapucaí. Não sei se sabem, mas papai tem uma cartela de selos comemorativos aos '500 anos do descobrimento de Brasil' onde está estampado o lindo rostinho dele. Essa ele está guardando para a posteridade...
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