terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O filme censurado e o incêndio no Cine Santa Rita - Por Cônego José Augusto de Carvalho

Havia, naqueles tempos, a censura dos filmes, feita pelas agências de publicidade Lar Católico, Vozes de Petrópolis e outras. Como estava anunciado um filme histórico para a primeira exibição, não deixei de chamar a atenção dos fiéis, aconselhando-os a não irem ao cinema. Parece que, indignados com o meu aviso, fizeram a seguinte publicidade: “Na sessão de hoje será exibido o filme tal. Não concordamos com a censura, por se tratar de um filme histórico, sem conotação com a fé religiosa. A exibição será gratuita para senhoras e senhoritas. Estudantes pagam metade.”
Alguém me procurou para mostrar a propaganda em boletins volantes. Respondi simplesmente: “Cumpri com o meu dever. Agora os responsáveis pelo cinema que se cuidem, porque entrego nas mãos de Deus a resposta pelo mal que estão fazendo.”

Antes de mais nada, isento a memória de Dona Maricotinha Rennó, proprietária do cinema, do que aconteceu depois. Ela era uma senhora muito piedosa e, por ela, nada teria havido no seu cinema. Na ocasião, ela se achava ausente de Santa Rita, pelo que lamentei muito.

Houve a tal sessão com o filme mau (censurado pela igreja). Nada houve aos assistentes, mas parece que Deus estava dando um aviso severo aos que assistiram de que não O forçassem a baixar sua mão para castigar os assistentes.

No dia seguinte, 6 horas da manhã, depois de abrir a matriz, o Artur, como sempre fazia, dava uma olhadela pela praça e foi então que viu rolos de fumaça subindo do telhado do prédio do cinema. Ele deu o alarme nos sinos, me avisou em seguida e chamou gente para debelar o incêndio. Resultado: toda a parte do barracão, por cima da cabine, foi devorada pelo fogo, queimando todos os filmes no depósito e o que foi exibido na véspera. Tudo virara escombros.

Fechado o cinema para reforma, inventaram um provisório na rua da Ponte. Aproveitando os projetores novos que Dona Maricotinha havia financiado, iniciaram as exibições com  visível má fé. As mesmas pessoas que arrendaram o cinema que pegou fogo mandaram vir outra cópia do tal filme histórico.

O prédio provisório era apenas um barracão de depósito que o se-nhor Ico Adami havia cedido para funcionar o cinema por alguns meses. Era época das enchentes e a única porta era de frente para a rua da Ponte. Nos fundos, só tinha janelas para o rio, que estava bufando.

Fiquei sabendo que, na inauguração, seria feita uma afronta à minha pessoa, mas me calei e nem pensei em entregar nas mãos de Deus o resultado da ofensa. Simplesmente me calei.

Eu dormia um sono tranquilo, no segundo pavimento da Casa Paroquial. Como fazia muito calor, deixei as janelas abertas e, lá pelas tantas, acordei com os gritos e vozerio passando pela rua. “Bem que o padre Carvalhino falou! Foi praga do padre!” (E eu não havia praguejado ninguém.)

No outro dia, foi encontrar o hospital cheio de gente com os braços, as pernas, as costelas e até as cabeças quebradas, além de outras pessoas nervosas com o que havia acontecido. O incêndio havia se alastrado pela cabine, por cima da única porta de saída. O jeito foi todo mundo atirar-se na enchente. Graças a Deus ainda dava pé e os homens mais fortes puderam salvar as mulheres e crianças de um desastre fatal.

No dia da inauguração do novo cinema de Dona Maricotinha, já reformado, ela fez cara feia aos arrendadores, me chamou para benzer as novas instalações e me prometeu que filmes censurados jamais seriam exibidos ali. Em seguida, o senhor Ico também me chamou para benzer o barracão e, como me disse, “era para espantar o capeta que trouxeram do inferno.”

(Retirado do livro “Trem de Manobra, do Cônego José Augusto de Carvalho)

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