segunda-feira, 3 de junho de 2013

O longo caminho de François de Gruiter, da ilha de Java a Santa Rita

Com 38 vulcões, Java é a principal ilha da Indonésia, onde se situa a capital do país, Jacarta. Com cerca de 127.700 km² é a ilha mais povoada da Indonésia e uma das regiões mais densamente povoadas do planeta. É naquela terra tão distante que nasceu o homenageado desta edição que colecionou inúmeras histórias até se tornar um dos mais conhecidos professores de nossa cidade.
Nascido em Malang, em 1937, Arthur François de Gruiter é descendente de holandeses, colonizadores da Indonésia. Seu pai era eletricista e sua mãe, também holandesa, dona de casa.

Até os 4 anos, a infância de François foi parecida com a da maioria dos meninos de sua idade. Tudo corria bem até que, em 1942, a Indonésia foi invadida pelo exército japonês, seu pai tornou-se sargento e, durante um combate, foi capturado e enviado para um campo de prisioneiros no Japão, local onde permaneceu até o lançamento das bombas de Hiroshima e Nagasaki.

Com o início da II Guerra, François e sua mãe viram a casa ser confiscada e foram obrigados a se mudar para uma espécie de gueto de holandeses. Duas ou três vezes por semana, os moradores eram surpreendidos com bombas e ataques terrestres e precisavam correr para um abrigo a fim de se proteger.

Se tudo parecia ter voltado ao normal quando o Japão assinou o termo de rendição aos aliados, as turbulências políticas ocasionadas pela ocupação estrangeira propiciaram um movimento de independência na Indonésia. Com o início da revolução, novamente o pai de François foi convocado para defender o exército holandês e sua família enviada para um campo de concentração. “Esse período foi bem pior do que na II Guerra porque não tínha-mos o que comer e éramos muito mal tratados”. A alimentação de François, então com 8 anos de idade, era uma sopa rala que mais parecia água suja. Certa vez, quando teve um começo de desinteria, teve que ingerir carvão como tratamento alternativo. Como o campo era cercado por bambu, sua mãe esperava uma folga dos soldados para encontrar uma fresta e trocar os pertences por comida.
Em 1947, François foi libertado do campo de concentração e, alguns anos depois, seu pai decidiu se mudar para outro país. Por não ver perspectivas na Holanda, sua família cogitou viajar para a Austrália, mas temeu sofrer preconceito racial. Entre Nova Guiné e Brasil, foi aconselhado a rumar para a América do Sul e recebeu todo o respaldo do Serviço de Imi-gração Holandesa. 

A viagem de vinda para o Brasil durou 46 dias. Assim que o navio zarpou, uma enorme tristeza e emoção tomaram conta do holandês: “Quando vi a terra se distanciar, soube que nunca mais voltaria àquele local.”

No dia 7 de agosto de 1955, o navio chegou à Bahia da Guanabara e os estrangeiros foram enviados à Ilha das Flores, considerada o paraíso dos imigrantes. Naquele momento, o medo tomou conta de François, ao se deparar com uma terra completamente desconhecida, onde não poderia conversar em holandês, muito menos em malaio - língua das ruas, em Java.

Após um mês de espera, o Serviço de Imigração holandesa conseguiu um trabalho na cidade mineira de João Monlevade. Enquanto seu pai atuaria como eletricista, o rapaz, que estava prestes a completar 18 anos, foi contratado como  operário. 

Durante os 4 anos em que trabalhou na Belgo Mineira, François tentou por várias vezes estudar, mas não obteve sucesso, a princípio. Apesar de trazer de Java um certificado de conclusão de ginasial, o documento não foi aceito no Brasil e ele teve que apelar até para cursos por correspondência. Por sorte, foi convidado por um professor a realizar um curso de “Madureza Ginasial” e teve a chance de viajar para Vitória (ES), onde faria os exames. Na primeira tentativa, François conseguiu passar em quase todas as matérias, inclusive Português, mas não obteve êxito em Latim e História do Brasil. Seis meses depois, retornou à capital capixaba e conquistou o tão sonhado canudo.
François ainda se lembra do dia em que tomou conhecimento de Santa Rita: “Era 1960 quando o santa-ritense Guido Portugal leu uma reportagem sobre a ETE no Estado de Minas e me incentivou a vir prestar o vestibular.” Após sair o resultado dos exames, a futura esposa de François ouviria falar sobre o habitante de Java, pela primeira vez, quando seu pai, o senhor Antônio de Cássia, chegou contando em sua casa que um estrangeiro havia passado em primeiro lugar. “Eu lembro que corri até o Atlas para descobrir onde ficava Java. Como não sabia da história de François, imaginei que a ETE deveria estar famosa no mundo inteiro, para ter atraído alguém de tão longe.” - relembra Maria Aparecida Cássia de Gruiter, esposa de François. 

Ao se mudar para Santa Rita, o estudante morou no Hotel Melo. “As primeiras pessoas que eu conheci foram o Dr. Mário Brandão, o Róssio De Marchi e a Maria Nazaré.” Ao se formar na terceira turma da ETE, em 1964, o então técnico em eletrônica foi convidado pelo diretor Pe. Vaz a lecionar. Dois anos depois, François iniciou os estudos no Inatel e continuou a lecionar para se manter na cidade. Após a formatura, no final de 1968, ele já pensava em se casar, mas resolveu aguardar um pouco já que a ETE o enviaria para fazer um treinamento na Alemanha. Como a viagem demorou a sair, François se casou, em janeiro de 1970,  e soube depois que iria mesmo permanecer 4 meses fora do Brasil. 

No ano seguinte, François começou a lecionar também no Inatel e, em 1973, tornou-se professor da EFEI. O renomado professor apenas deixou a ETE quando decidiu fazer Mestrado, já na gestão do Pe. Raul Laranjeira. A paixão pela educação o acompanhou por toda a vida e, ao se aposentar, em 2007, François decidiu que chegava a hora de descansar um pouco. Não demorou muito. Atualmente, François trabalha com dois de seus três filhos (André, Arthur e Adrienne) e continua a prestar sua importante contribuição à comunidade santa-ritense, sempre solícito no que for necessário. 

(Carlos Romero Carneiro)

4 comentários:

  1. Excelente pessoa. Excelente amigo. Excelente professor.

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  2. Carol Ann von Kriegenbergh Pietersz7 de junho de 2013 às 07:52

    Gostei muito de leer o relato de François. Conheci a François em Joao Monlevade e como êle nós tambem chegamos no 1955 ao Brasil desde Djakarta, Ilha de Java, fomos para a Ilha das Flores e meu pai tambem trabalhou na CSBM.
    Eu teria sido sua aluna si nao fosse porque partimos rumo a Holanda em 1966.
    É uma pessoa excelente e muito simpático e tive a oportunidade de revelo e o prazer em conhecer a sua esposa Cida em Setembro de 2077.

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  3. Foi com grande satisfação que li o relato da vida deste "Monlevadense". O Arthur - como era conhecido por nós em Joõa Monlevade- sempre foi um exemplo de disciplina e uma pessoa de bom caráter. Foi meu vizinho "de porta", durante longos anos. As profissões nos separaram de cidade, mas a amizade permanece ate a data de hoje. Estão de parabéns os filhos e a esposa pelo excelente caráter de seu pai e esposo. Para meu amigo de adolescência Arthur um grande e saudoso abraço.

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  4. François foi meu professor de Eletrônica Industrial no Inatel na década de 80. Excelente pessoa pautada na ética e dedicação.
    José Umberto (Verdinho) Sverzut.

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