Há dez minutos, estou com a pena parada sobre o papel, tentando escrever algo sobre a minha querida cidade de Santa Rita do Sapucaí. No entanto, o melhor seria tentar um esboço daquilo que sempre foi para mim o maior atrativo: o Rio Sapucaí. Todos os rios são belos, porém, os outros são estranhos.
O Sapucaí é parte de mim mesmo. Tenho na alma um pouco de sua alma; no coração, um tanto da sua poesia.Quando menino, meu melhor passatempo era andar pelas suas margens. Ora nos espraiados, ora debaixo dos chorões. Na mocidade, foi o meu confidente preferido. Os meus desejos, os meus sonhos, todos, eu os murmurei na doce tranquilidade das sua águas. Doces horas de enlevo e esquecimento! Indeléveis recordações das tardes tristonhas, das águas cinzentas. Lá se vão os anos pondo entre nós um punhado de pétalas ressequidas, cadáveres das flores que brotaram na orla sapucaiense.
Um dia, absorto em meus pensamentos tive a ventura de contemplar a mais bela cena que a natureza pode oferecer aos olhos. Um ramo de flores brilhantes, delicado, debruçando-se sobre a água corrente, beijava o rio. Tímido e pressuroso sorria em ondas e o ramo se erguia e de novo abaixava. Esse belo e delicado namoro teve a duração duma florescência.
Brinquedo gentil, furtivo e discreto, amor cristalino e agrestemente perfumado que se furtava ao poeta e se escondia da paleta. Quanto bucolismo, quanta arte insinua o rio! À noite, a lua cheia cumpre a promessa de encontrar-se com ele.
Poesia infinita, sinfonia alegre e impressionista de águas rumorejantes, de corolas desfeitas a flutuar na corrente. Primavera que não passa, música que não morre! Rio humilde, sem histórias estupendas, eu te bendigo na tua modéstia, te enalteço na tua pequenez, porque és grande, és imponente, és glorioso no coração da gente ribeirinha.
Correio do Sul, 05/07/1953
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